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Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

3.1 Eleições 2002: A sucessão malsucedida

3.1.6 A campanha e o HGPE: a caminho da polarização

A mudança veio mesmo nas duas primeiras semanas de HGPE. Em dez dias a candidatura Ciro foi desgastada a ponto de empatar com Serra, agora em ascensão. Esse impacto foi de tal ordem que a candidatura trabalhista não mais teve condições de se recuperar, entrando numa trajetória descendente que, afinal a levaria para um melancólico quarto lugar na votação do primeiro turno.

Dispondo de mais tempo de HGPE que todos os demais concorrentes somados; a Grande Aliança adotou a estratégia de utilizar parte desse espaço para atacar Ciro diretamente, enfocando principalmente os pontos mais sensíveis da sua imagem. Procurou mostra-lo como uma pessoa agressiva, preconceituosa, mentirosa e emocionalmente desequilibrada; selecionando imagens e declarações inconsistentes do adversário que transmitissem esses conceitos. Provocou também um áspero confronto verbal – reproduzido pela mídia – com o mesmo conteúdo.

Ciro aceitou os termos do confronto, reagindo agressivamente. Todavia, contando com um terço do tempo de seu oponente, sua campanha não encontrou maneira de conduzir a discussão para a temática de maior efeito para ela, que seria o do “meio-termo” entre o radicalismo petista e o governismo tucano. A personalidade combativa do candidato ensejou vários momentos de tensão com jornalistas e provocadores, adicionando frases e imagens à munição do adversário, com a vantagem, para este de que, por saírem da boca de Ciro, as gafes não lhe davam oportunidade de exigir direito de resposta.

No final da primeira semana de HGPE, as pesquisas já indicavam a dimensão do desgaste para os trabalhistas, apontando uma queda de 10 pontos percentuais e um crescimento discreto de Serra, movimento que trouxe a disputa pelo segundo lugar de novo para uma posição imprecisa177. Em meio à troca de insultos e agressões entre os candidatos,

Ciro, em uma entrevista coletiva, definiu de maneira extremamente infeliz o papel de sua companheira na campanha: “A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo...”178

176. 15-16/08: Datafolha (site): Lula, 37%; Ciro, 27%; Serra, 13%; Garotinho, 11%.

177. FSP 28/08: “Após TV, Ciro cai e Serra sobe” “No Ibope, diminuiu de 15 para 4 pontos a diferença...” (campo entre 24 a 26/08; Lula, 35% x Ciro, 21% x Serra, 17% x Garotinho, 11%); “No Vox Populi [... ]diminuiu de 22 para 10 pontos a diferença” (campo 25 e 26/08: 34 x 25 x 15 x 8)(. (Especial p.1)

Além das consequências imediatas179, essa declaração colocou em xeque a principal

imagem de referência do candidato junto ao público, reforçando ainda mais os argumentos negativos contra ele. A redução da competitividade da chapa trabalhista também ofereceu oportunidade para que ela também fosse atacada tanto por Lula180 quanto por Garotinho.

Embora tivesse alcançado seu objetivo principal que fora eliminar a vantagem de Ciro, o embate trouxe para a candidatura tucana um outro problema. Ao invés de fazer com que eleitores daquele migrassem a seu favor, o que se observava era uma tendência desses propiciarem o crescimento de Lula. Mantendo sua campanha num tom moderado, evitando polemizar com os oponentes e reforçando a agenda de diálogo com lideranças da sociedade civil, militares e empresariado; a candidatura petista ganhava continuamente credibilidade e reduzia drasticamente as resistências em torno da sua perspectiva de poder.

Por outro lado, aproveitando o HGPE para enfocar propositiva e convincentemente os problemas deixados pelo governo FHC, ganhava aprovação e intenções de voto num volume tal que, a partir de meados de setembro, a possibilidade de vitória no primeiro turno parecia inteiramente viável. Por essa razão, Serra passou a concentrar seus ataques sobre Lula, contando, para isso, com bastante ajuda da mídia e do mercado financeiro181.

A campanha tucana focou seu discurso em atacar diretamente o candidato, questionando sua falta de escolaridade formal, e dirigentes do partido, como José Dirceu, descritos pela comunicação serrista como baderneiros. Da mesma forma, voltou afirmar a suposta conexão entre a perspectiva de vitória de Lula com as oscilações cambiais no país.

Mas, ao contrário do que fizera a Frente Trabalhista, a coordenação da candidatura do PT decidiu não responder no mesmo tom. Ao contrário, evitou ao máximo a polêmica e permaneceu na linha de discurso crítico-propositiva que já vinha adotando. Além disso, atuou de maneira mais eficiente que os seguidores de Ciro perante o TSE, dele obtendo decisões que impediram que Serra continuasse utilizando imagens de episódios anteriores à campanha e até mesmo obtendo direitos de resposta no HGPE. Pesquisas realizadas naquele momento mostram que a tática serrista, neste caso, não alcançou o objetivo, e que Lula continuava a ganhar novos eleitores, à medida em que minguavam os tendentes a votar em Ciro. Percebendo a ineficácia da linha negativista, a campanha Serra, nos dias finais do primeiro turno, abandonou quase totalmente a agressividade e concentrou-se no discurso propositivo, procurando, ao menos, manter-se em condições de disputar o segundo turno, caso ocorresse. Isto porque, faltando menos de uma semana para o pleito, todas as pesquisas indicavam que a perspectiva de vitória em primeiro turno de Lula seria iminente, a 1% de obter a maioria requerida.182

179. VEJA. Pesquisa do Ibope nos três dias seguintes à declaração mostraram que Ciro caiu 5 pontos entre as mulheres nesse momento. Veja, São Paulo, n. 1768, p.74, 16 out. 2002.

180. Em entrevista à FSP (21/09/2006, p. A-14), Wagner Cichetto, ex-integrante da campanha Lula de 2002 admitiu que ajudou a produzir e distribuir à mídia dossiês contra Ciro e Paulo Pereira da Silva porque a direção do PT temia que Ciro pudesse vencer Lula no segundo turno.

181. FOLHA DE SÃO PAULO. Fator Lula e dívida levam dólar a recorde. Caderno Dinheiro, São Paulo, p.1.

182. FOLHA DE SÃO PAULO. dados Datafolha do dia anterior: Lula, 49%; Serra, 21%; Garotinho 15% e Ciro 10% (estimativa de votos válidos). São Paulo, p. E-1, 3 out. 2002.

O último evento relevante da campanha foi o debate entre os candidatos promovido pela Rede Globo dois dias antes da eleição. Perante um Lula cuidadoso em evitar confrontação com Serra, e este interessado em retificar a sua imagem agressiva, que lhe custara preciosos pontos após os ataque a Ciro e Lula; o candidato que melhor se aproveitou da situação foi Garotinho. Sua experiência de radialista profissional permitiu-lhe um comportamento mais relaxado que conseguiu incomodar Lula e Serra. Possivelmente o fraco desempenho de Lula nesse debate ter-lhe-á custado a vitória em primeiro turno, uma vez que as pesquisas de prognóstico publicadas nos dias seguintes apontaram para ele uma pequena oscilação negativa, bem como um “empate técnico” entre Serra e Garotinho.

No dia 3 de outubro, Lula obteve 46,5% dos votos; Serra 23,2%; Garotinho, 17,9% e Ciro 11,9%. Haveria, pois, o segundo turno entre Lula e Serra.