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A campanha oficial antes do HGPE: a interpretação da mídia

Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

3.1 Eleições 2002: A sucessão malsucedida

3.1.5 A campanha oficial antes do HGPE: a interpretação da mídia

Julho foi o mês de Ciro na campanha presidencial. Propelido pela larga exposição que obtivera nos programas partidários de propaganda, sua intenção de voto chegou a 18%, logo no início do mês, mesma posição em que se encontrava Serra, enquanto Lula permanecia próximo dos 40%162. A candidatura ganharia ainda mais impulso nas semanas seguintes,

agora contando com a presença na mídia e obtendo apoios, como o da cúpula nacional do PFL e até de algumas lideranças regionais do PSDB163. Com o aumento da deterioração das

finanças do país, Serra e Lula sofreram impactos, ao ponto em que o primeiro iria recuar 5 pontos percentuais e o segundo perderia 7, surgindo, então, um até ali imprevisto quadro de possível segundo turno entre duas candidaturas de oposição.

162. FOLHA DE SÃO PAULO. Ciro sobe 7 pontos encosta em Serra. São Paulo, p. 01 jul. 2007; VEJA. Ciro empata com Serra. São Paulo, n. 1759, p.32, 10 jul. 2007.

163. FOLHA DE SÃO PAULO. Reunião em Brasília selou acordo entre Ciro e Aécio. São Paulo, p. A-4, 14 jul. 2007. FOLHA DE SÃO PAULO. Ciro subirá no palanque de tucano em MG. São Paulo, p. A-6, 14 jul. 2007.

Comparando três séries de pesquisas disponíveis para o período imediatamente antes e logo após o conjunto de emissões da Frente Trabalhista, pode-se verificar que o ganho de exposição de Ciro nos programas e inserções de sua aliança ficou entre 6 e 9 pontos percentuais164: [Datafolha: - (7/06) > 11%, 4/07 >18%; Vox Populi: ?/05 >12%, ?/06>

18%; Ibope: 9/06 > 9%; 7/07 > 18%], o suficiente para mostrar sua competitividade e para voltar a embaralhar um cenário que, para parte da mídia, estava destinado desde logo a uma polarização entre PT e PSDB.

Com o início oficial das atividades das campanhas, os candidatos passaram a receber intensa cobertura de mídia. A Rede Globo, diferentemente da eleição anterior, agendou uma série de entrevistas com Lula, Ciro, Serra e Garotinho em seus telejornais, assegurando a todos o mesmo tempo de duração, bem como um debate para o dia 3 de outubro165; assim

fazendo também todas as outras redes de TV.

O ambiente informacional neste período em que a campanha é reconhecida e regulada como tal, mas que mantém os candidatos excluídos do acesso à comunicação eletrônica (e com o acesso à mídia digital ainda fortemente concentrado), conferia ao discurso da mídia um relevo adicional (PORTO, 2003). Terminada a fase partidária da propaganda e ainda sem sua própria fonte de emissão através dos mesmos meios, este é o período em que o “escrutínio da mídia” pode ter mais força. Noutras palavras, os candidatos têm de enfrentar jornalistas fazendo perguntas e debater sob pauta da mídia, proporcionando ao eleitorado uma visão mais aproximada de suas personalidades, propostas e capacidade de persuasão. Também esse escrutínio forneceria múltiplas oportunidades de análise, seleção de enfoques e interpretações por parte da mídia.A permanente cobertura midiática parece ter sido melhor aproveitada por Ciro nas semanas iniciais de campanha. Como resultante das entrevistas ao principal jornal da televisão, as pesquisas registraram aumento em suas intenções de voto e recuo de todas as outras166.

A partir de quando se tornou competitiva, porém, a candidatura do ex-PCB passou a sofrer ataques dos concorrentes, particularmente do PSDB. Parte destes, revestidos de discussão temática e de propostas, como a de alongamento dos prazos da dívida externa, queria na verdade desqualificar a capacidade intelectual e o programa econômico do candidato. Outra parte, esta abertamente de viés negativo, visava salientar características ruins de imagem e a desconstruir a trajetória política do adversário, explorando pontos de

164. “Era um último ato previsível dessa longa pré-campanha. Todos os candidatos passaram pela experiência de um crescimento vertiginoso por causa dos programas eleitorais na TV” .Antônio Lavareda (MCI): “o efeito propaganda de televisão é insuperável para levantar campanhas” Cf. COIMBRA, Marcos. Veja, n. 1759, p.33, 10 jul. 2007.

165. Duas entrevistas de 10 min no “Jornal Nacional; entrevistas no “Jornal da Globo” e “Bom dia Brasil” Cf. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, p. 06, 08 jul 2007.

166. Cobertura e audiências no período: FSP (09/07, p. A-6): [No JN] “ Ciro promete juros maiores para alongar a dívida” . Audiência de 39,6 pontos, 51% de ligados; FSP (10/07, p. A-6): [No JN] “Garotinho admite alterar Orçamento por salário maior”. Audiência 38 pontos; share, 50%. ; FSP (11/07, p. A-8): [No JN] “ Serra diz que dengue foi sua ‘frustração pessoal’. Audiência 35 pontos; FSP (12/07, p. A-7): [No JN] “Lula afirma que PT mudou e que pagará dívida externa”. Audiência 41,4%. Pesquisas publicadas: FSP 17/07: “Ibope mostra Ciro isolado em 2o.” Campo entre 12 e 14/07, 2.000 casos. Lula 33

x Ciro 22 x Serra, 15 x Garotinho 10. 44% dos entrevistados acompanharam pelo menos uma entrevista; FSP 18/07: “Ciro se isola em 2o. , diz Vox Populi.” Campo entre 13 e 15/07, 3.000 casos. CB.: Lula, 34 x Ciro, 24 x Serra, 16 x Garotinho, 11.

sua biografia descritos como semelhantes à do ex-presidente Fernando Collor167, ainda uma bête noire altamente rejeitada pelo eleitorado. Em terceiro lugar, mas não menos importante

para a estratégia anti-Ciro, foi a cobertura negativa na mídia168. Começaram a surgir na

imprensa alegações contrárias a membros do comitê de campanha da Frente Trabalhista, apontando-os como vinculados a ações ilícitas de financiamento de campanhas anteriores (“caixa 2”)169 e com o ex-tesoureiro de Collor, Paulo César Farias170. Reagindo rapidamente a

essas acusações171, o candidato se movimentava no sentido de ampliar a sua rede de apoios

em escala regional e abria diálogo com lideranças empresariais e culturais. De maneira geral, apesar de seu temperamento causar, aqui e ali, certo mal-estar, foi relativamente bem-recebido e considerado por alguns como uma alternativa mais palatável ao mercado financeiro do que Lula, caso, efetivamente, Serra não chegasse ao segundo turno172.

Com tal clima ainda relativamente favorável, Ciro ascendeu em todas as pesquisas173

e chegou ao final do primeiro mês de campanha em segundo lugar nas intenções de voto, quase empatado com Lula e muito distante à frente de Serra174.

Não era para menos. Com a economia estagnada, o Real se desvalorizando em alta velocidade e uma saída de capitais em ritmo e volume superiores à crise de 1998; ao ponto em que o governo viu-se forçado a recorrer ao FMI em plena campanha eleitoral175;

as candidatura do PSDB - por situacionista - e a do PT, à qual muitos atribuíam parcela de culpa pelo frenesi financeiro; não tinham mesmo condições de evoluir positivamente. Lula e seu partido mantinham-se firmes na estratégia de moderação, promovendo interlocuções frequentes com formadores de opinião e entidades do empresariado Ao mesmo tempo abria 167. FSP 12/07: “Ciro diz que Serra faz a ele o que Collor fez a Lula em 89” . [...] Ser comparado ao ex-presidente é a crítica que mais incomoda o ex-ministro [Ciro] e, por isto mesmo, a estratégia mais utilizada por seus adversários na tentativa de desqualifica-lo.”(p. A5); FSP 16/07: “Serra sobe o tom e acusa Ciro de ser ‘o novo Collor’ . É o mesmo estilo, a mesma forma, o mesmo conteúdo, as mesmas companhias. E o Brasil não vai aceitar em 2002 ter a mesma opção que em 89. Só que agora com o novo Collor e Lula“(p. A-4); Veja, 1760, 17/07. “ ‘Ciro é um genérico de Collor, com embalagem diferente, nome diferente, mas com o mesmo princípio ativo, o mesmo efeito’ José Serra [...] atacando Ciro Gomes...” 168. Segundo dados do Doxa - IUPERJ, só entre 20 e 27 de agosto, nos quatro principais jornais de circulação nacional (O

Globo, O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil), Ciro Gomes foi matéria 746 vezes, das quais notícias publicadas com teor negativo foram maioria: 336 notícias negativas (45%) contra 266 neutras (36%) e 142 positivas (19%) Cf. LOURENÇO (2000, p. 144)

169. FSP, (17/07, p.01; p. A-4) “Assessor de Ciro é citado em caixa 2”(p.1) ; “Coordenador de Ciro está citado em caixa 2 do PR” (p.A4).

170. VEJA. Uma dor de cabeça para Ciro. Veja, n. 1760, p.42, 17 jul. 2002. Informa sobre as relações do coordenador-geral da campanha de Ciro com PC Farias. (p.42)

171. FOLHA DE SÃO PAULO. Ciro afasta do cargo citado em caixa 2. São Paulo, p.1, 23 jul. 2002.

172. VEJA. Ciro ou Serra – quem vai ser o anti-Lula? Veja, São Paulo, n. 1760, 17 jul. 2007. VEJA. Lula e os empresários. Veja, São Paulo, n. 1760, p.46 -47, 17 jul. 2007.

173. FOLHA DE SÃO PAULO. Ciro amplia vantagem sobre Serra: Vox Populi, 20 e 21/07: Lula, 35 x Ciro, 27; Serra, 14; Garotinho, 10. Partidários de Serra levantaram dúvidas sobre o questionário do Vox. São Paulo, p.A6, 18 jul. 2007. FOLHA DE SÃO PAULO. Vantagem do candidato do PPS sobre Serra cresce de 7 para 13 pontos – Ibope dá vitória para Ciro no 2o. turno. Divulgada

no JN em 25/07: Lula, 33 x Ciro, 26 x Serra, 13, Garotinho, 11. 2000 casos, 21 a 23/07. São Paulo, p. A3, 26 jul. 2007.

174. FOLHA DE SÃO PAULO. Ciro, 28%, se aproxima de Lula, 33%. Datafolha aponta a menor distância entre o 1o. e o 2o.

colocados à Presidência nesta eleição. Serra cai para 16%. São Paulo, p.1, 31 jul. 2007. Datafolha, 2477 casos, 127 municípios, campo em 30/07.

175. FOLHA DE SÃO PAULO PIB cresce 0,14% no semestre. São Paulo, p.1, 31 ago. 2007. FOLHA DE SÃO PAULO. Dólar sobe 5,5%; missão vai ao FMI. São Paulo, p.1, 30 jul. 2007

canais de comunicação com a equipe econômica de FHC, evitando assim emitir qualquer sinal que pudesse contribuir para agravar o quadro e, consequentemente, sua perspectiva de vitória. Já Serra tinha pouco a fazer, embora timidamente ensaiasse um discurso discordante, criticando medidas localizadas. Até o início do HGPE, o quadro pouco se alterou, com Ciro mantendo uma distância de quase 15 pontos em relação a Serra176.