• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

3.2. Reeleição de Lula com segundo turno em 2006: clarificação versus insurgência

3.2.1 Contexto e condições

A segunda experiência brasileira de reeleição com o presidente na condição de

sucessor-incumbente, seguiu o padrão até aqui observado, com uma longa pré-campanha

(que se define quase só pela menor quantidade de recursos públicos despendidos), na qual ocorrerá a maioria dos fatos políticos que determinarão o clima da disputa; e a campanha “propriamente dita” – aquela parametrizada pela legislação – muito mais curta e por vezes

intensa. Esta é subdividida numa fase em que o agendamento da mídia prevalece, antes das emissões do HGPE e outra em que há uma competição entre múltiplos e contraditórios discursos, da mídia e dos candidatos nos programas e inserções.

Em 2006 a imaginação criativa da mídia, aliada ao discurso conservador dos socialdemocratas, com uma pequena contribuição ad absentia de Lula, conseguiram fazer com que o incumbente tivesse de disputar o segundo turno. Criando mais um escândalo às vésperas da eleição, a coalizão conservadora partidário-midiática encenava, de novo, o papel de denunciante moralista, tantas vezes repetido antes e, como veremos adiante, depois daquele pleito. Tal estratégia oposicionista provocou um pequeno, relevante, movimento eleitoral que levaria o pleito à nova rodada. Muito barulho por nada. Nas urnas Lula repetiu percentualmente toda a votação que tivera no segundo turno de 2002 contra Serra, naturalmente acrescido da demografia de uma quatriênio para o outro. Terminada a contagem dos votos seu desafiante, ao invés de crescer, minguou.

A campanha eleitoral desse ano apresentou feições comparáveis à anterior – no tocante à duração, à seleção dos desafiantes, aos efeitos de mídia na fase de pré-campanha, aos efeitos de propaganda partidária, nessa mesma fase, e os efeitos de campanha durante o HGPE. Também nesse pleito houve instabilidade quanto às regras da disputa. Verificaram- se tentativas de mudança nas regras eleitorais, ocorrendo mesmo nova contenda entre Legislativo e Judiciário.

Distintos em relação ao anterior há três aspectos singulares: a agressividade com que os oponentes de Lula conduziram as suas ações em múltiplas arenas institucionais, as condições econômicas do país no último ano do primeiro mandato, significativamente melhores, se comparadas a qualquer momento anterior desde a redemocratização e a característica “estruturante” que adquiriu o repetido comportamento de voto em Lula por uma pluralidade de eleitores, assegurando-lhe um apoio eleitoral com características de estabilidade para além da identidade partidária (COIMBRA, 2007).

Com relação à identificação do eleitorado com os partidos, algo também mudara nesses anos de Lula. Após longo período em que as siglas pareciam uma mera “sopa de letrinhas”, com pouca diferenciação percebida entre uma e outra, e todas parecendo irrelevantes aos olhos do eleitor, o PT emergiu como a única legenda que conseguiu preferências perto de 20% do eleitorado, desde a derrocada do PMDB de 1986-87. Contudo, nenhuma outra organização partidária conseguiu relevância sequer parecida, o que diz muito sobre a capacidade de o PSDB, originário de uma cisão do PMDB, transformar em eleitores fiéis a pletora de votantes que apostou no plano Real como saída para a crise econômica e conservou-se no apoio a FHC no momento da reeleição. Durante os seus 8 anos de partido no poder “subiu” de 2% para 5%, neste patamar permanecendo desde então. Seu sócio na coalizão de suporte a FHC, PFL, não conseguiu manter-se nos 7% do período pré- Constituinte, chegando a 2006 com 3%183.

Tendo iniciado seu quadriênio com o Brasil atravessando grave crise econômica, Lula teve dificuldades em implementar a sua agenda, mas já no terceiro ano, tudo indicava que a país entrava num processo não só de recuperação econômica, mas de crescimento a um ritmo superior à Era FHC. Tal contexto criava condições para que a postulação do incumbente a um novo termo não apenas fosse certa, como provavelmente vitoriosa, se mantidas as condições econômicas positivas. Ante tal perspectiva, a oposição iniciaria uma ofensiva, a partir de maio de 2005, cujo objetivo inicial seria apenas desgastar o quanto possível a imagem do governo com acusações de corrupção contra seus aliados, mas cujos desdobramentos teriam alcance e profundidade muito maiores. O conjunto de denúncias que a seguir seria denominado “escândalo do Mensalão” traria consequências de curto e longo prazo não apenas para as eleições daquele ano, mas sobre a imagem do PT, seus principais dirigentes, o Presidente e ainda sobre as relações entre o Executivo e o Judiciário que perdurariam por quase uma década.

Sobrevivendo a duras penas à possibilidade de “impeachment” nos meses finais de 2005; sob os pontos de vista político e eleitoral - a julgar pelos resultados das pesquisas de opinião - as chances de reeleição do presidente petista pareciam pequenas ao final daquele ano. Tendo perdido seu principal auxiliar e sucessor putativo, José Dirceu, Ministro da Casa Civil, e verificado o afastamento de praticamente toda a cúpula de seu partido184, não admira

que, para muitos, Lula parecia condenado a ser presidente de um mandato só185.

Todavia, no mundo real da economia, algo havia mudado profundamente no País. Os programas de redistribuição de renda estavam fazendo com que milhões de famílias deixassem a linha da miséria e outros milhões começassem a se deslocar dos estratos inferiores e a formar uma nova classe média de consumidores186. Impulsionada pela política

econômica distributivista, a produção de bens de consumo e o setor agrícola retomaram crescimento, ao mesmo tempo em que as exportações de manufaturados e matérias-primas vivenciavam relevante expansão187, gerando um superávit na balança comercial inédito,

assim como um aumento recorde nas reservas cambiais188.

Essa bonança econômica, que ficou patente nos números de final de 2005189,

produziu efeitos sobre a imagem do governo que contrabalançaram a ofensiva dos setores

184. JB 31/12/05: “Ministros e amigos na mira da Justiça” (p. A-4) “… em nenhum outro governo da história recente do país, tantas autoridades federais, tantas pessoas próximas ao presidente da República e tantos companheiros de partido do presidente se tornaram alvos de acusações e denúncias por corrupção e tráfico de influência. “( id. Ib.)

185. FOLHA DE SÃO PAULO. Serra cresce e passa Lula no 1o. turno. São Paulo, p.1, 15 dez. 2005. Pela primeira vez, desde

que tomou posse [Lula] deixa a liderança das intenções de voto [no primeiro turno] [Serra] venceria (…) com 36%, contra 29% para o presidente. […] cresceu a vantagem [de Serra] para o segundo turno [50% x 36%]. (id. ib.) Datafolha, (13-14/12): (1) Serra, 36%; Lula, 29%; Garotinho, 10%; H. Helena, 5; R. Freire, 2; BN, 12; NSNR, 6 (2) Lula, 30; Alckmin, 22; Garotinho, 14; H. Helena, 7; R. Freire, 4; BN,15; NSNR 8

186. FOLHA DE SÃO PAULO. Aumento da renda tira 6 milhões da classe E”. São Paulo, p.1, 09 jul. 2005. 187. FOLHA DE SÃO PAULO. País supera meta de exportar US$117 bi. São Paulo, p. B-3, 29 dez. 2005.

188. FOLHA DE SÃO PAULO. Reservas internacionais chegam a US$60 bi, maior nível desde 1998. Dinheiro. São Paulo, p. B-1, 29 dez. 2005.

189. FOLHA DE SÃO PAULO. Superávit comercial é o maior da história. São Paulo, p.1, 03 jan, 2006. Lula terá 28 bi para gastar no ano eleitoral. São Paulo, p.1, 03 jan. 2006.

político e midiático da oposição. Melhorou significativamente a sua avaliação, em queda desde o início dos escândalos; e fez com que parte da elite econômica começasse a duvidar sobre a oportunidade de apoiar um proposta alternativa à direção do País. No começo de fevereiro, o governo já recuperara os níveis de aprovação anteriores ao auge da temporada de escândalos190.