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A campanha no segundo turno: mudanças no discurso e a reeleição de Lula

Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

3.2. Reeleição de Lula com segundo turno em 2006: clarificação versus insurgência

3.2.5 A campanha no segundo turno: mudanças no discurso e a reeleição de Lula

A última etapa da campanha – inédita na forma por ter sido a única em que um incumbente precisou disputá-la – teve como principais definidores no plano comunicacional o amplo espaço proporcionado pelos programas diários de 10 min e igual tempo de inserções a ambos os “finalistas”; assim como a frequente realização de debates organizados pelas principais cadeias de TV. Tal inevitável superexposição proporciona aos candidatos maior controle sobre o conteúdo e as interpretações de seus enunciados, dispondo, agora de tempo suficiente para se contraporem à pauta da mídia, agora já não tanto predominante como no início da campanha. Por outro lado, a frequência dos debates também oportuniza aos concorrentes situações de confronto direto e eventuais correções de posicionamento estratégico. No plano partidário, a correlação de forças emergente do primeiro turno não sofreu alterações de monta, até porque, pelas regras do HGPE no segundo turno, nenhum candidato remanescente ganharia mais tempo formando nova coalizão eleitoral. Ainda ressentido por sua exclusão da disputa presidencial; Garotinho ofereceu hesitante apoio a Alckmin, mas sem sequer unir o PMDB do RJ em torno da ideia; o PDT de Cristovam, depois de rápido flerte com Alckmin, declarou-se equidistante dos postulantes; mesma posição adotada por Heloísa Helena e seu partido. Ao mesmo tempo, a campanha do PT fazia seu “dever de casa”, dela afastando dirigentes e assessores supostamente implicados no “dossiê aloprados” e dando a Lula o argumento de que tais problemas, uma vez competentemente apurados, teriam seus responsáveis passíveis de punição.

A primeira pesquisa publicada, antes de debates ou HGPE refletia aproximadamente o resultado das urnas, Lula com 50% das intenções de voto, Alckmin com 43%, nenhuma vantagem expressiva para o incumbente, nenhum progresso adicional para o desafiante. O primeiro debate entre eles, na Rede Bandeirantes, uma semana após a votação foi marcado por um duelo verbal poucas vezes assistida no País, com Alckmin em pessoa vocalizando a “cobrança ética” que fora a linha-mestra de sua campanha, mas que, também pela primeira vez, deparava com um Lula disposto não somente a se defender como a apontar os deslizes, inconsistências e procedimentos questionáveis no mesmo campo em que era acusado pelo adversário. As avaliações qualitativas e qualitativas desse debate indicam que a postura adotada por Lula atingira seus dois objetivos estratégicos: recompusera o entusiasmo de seus seguidores e deixara os eleitores ainda indecisos ou com fraca inclinação por Alckmin mais distantes desse que do incumbente. Seu impacto positivo seria perceptível também na pesquisa Datafolha realizada 48 horas depois, cujo resultado mostrava um significativo aumento da distância entre os competidores de 4 pontos percentuais197.

197. FOLHA DE SÃO PAULO. O eleitor petista gosta da presença de Lula em debates e o puniu por não ter participado do da Globo no primeiro turno. São Paulo, p.A-6, FSP 10 out. 2006. FOLHA DE SÃO PAULO. Lula amplia vantagem sobre Alckmin. Datafolha: (10/10) Lula, 51%; Alckmin, 40; BN,3; NS,4. São Paulo, p. A-1, 11 out. 2006.

A entrada no ar do HGPE apresentou o reposicionamento dos candidatos: o PT com Lula pedindo desculpas a seu eleitorado pela ausência nos debates anteriores e ainda se referindo às medidas tomadas para punir os “aloprados”, mas despendendo muito mais tempo numa pauta incômoda para os tucanos: a comparação de resultados entre os dois governos FHC e o quadriênio petista, com ênfase na crítica às privatizações. Alckmin, por sua vez, enfatizou – erradamente – sua performance no primeiro debate e também procurou ser propositivo, reduzindo um pouco a ênfase negativa no conteúdo dos programas. Em linhas gerais, esse seria o conteúdo adotado nos programas longos do HGPE no segundo turno.

Nas inserções, a ênfase negativa da oposição permanecia, com um anúncio repetido diariamente contando o número de dias em que “o governo Lula não explicava a origem do dinheiro dos aloprados”. A manutenção dessa peça no ar contou com amável tolerância dos mesmos ministros do TSE que haviam julgado monocraticamente em favor da oposição nas decisões anteriores (Marcelo Ribeiro e Ari Pargendler). Na campanha à reeleição, agora eram enfatizadas as conquistas sociais e insinuações de que, perdendo Lula, seu oponente iria terminar os programas de redistribuição de renda.A maior eficácia da comunicação lulista no HGPE seria refletida na segunda pesquisa Datafolha, terminada cinco dias depois: Lula aumentava para 19 pontos a sua distância em relação a Alckmin. Doravante, nas semanas finais, a campanha Lula firmar-se ia de sorte a impor a sua agenda e não mais deixar espaço de manobra para Alckmin.

Interessa notar que essas curtas semanas que antecedem ao segundo turno, com dois candidatos apenas, tem maior semelhança formal com as campanhas previamente polarizadas noutros lugares. No caso de 2006 temos um incumbente cujo discurso clarificativo precisou ser modulado em parte devido a conteúdos da agenda oposicionista. Por outro lado, uma estratégia do desafiante que não conseguiu dar eficácia insurgente ao seu conteúdo. Convencendo, se tanto, apenas os já convertidos, gerou a mais vistosa vitória de Lula até ali: no dia 29 de outubro, Lula obteve a sua reeleição, com 60,8% dos votos. Alckmin teve 3 milhões de votos a menos que no primeiro turno.

4 A sucessão bem-sucedida

Um dos principais desafios para qualquer político que pretenda deixar um legado para além do seu mandato é conseguir ‘fazer seu sucessor’. Em democracias modernas, o percentual de presidentes que consegue dar continuidade ao seu governo através da eleição de um aliado é baixo. Nos últimos 50 anos nos EUA apenas um presidente conseguiu tal resultado, na passagem do republicano Ronald Reagan para seu correligionário George Bush. O caso brasileiro não foge a regra. De 1989 a 2010, nenhum dos presidentes eleitos foi capaz de passar a faixa presidencial para um aliado político. Por que o desfecho da Era Lula foi diferente? Neste capítulo analisam-se os condicionantes que fizeram da eleição da presidenta Dilma Rousseff um sucesso para o ex-presidente Lula, levando em conta o conteúdo e as estratégias de campanha dos principais candidatos à presidência. Procura-se indicar os fatores que levaram o pleito para o segundo turno e depois o conduziram ao resultado final.

O conteúdo deste capítulo além de trabalhar com as informações contextuais e achados de surveys; articula analiticamente dois outros conjuntos de dados: o primeiro, originário de pesquisa do tipo “tracking poll” domiciliar face-a-face, pela primeira vez publicada no Brasil; o segundo é um tratamento direto do discurso, com a codificação do conteúdo das mensagens no HGPE emitidas pela candidatura de Dilma Rousseff (PT). A disponibilidade simultânea dessas informações permite aprofundar a análise dos efeitos específicos das mensagens dos candidatos sobre o comportamento eleitoral, enfocando com maior nível de detalhe as mudanças de conteúdo e as reações imediatas dos eleitores. Aqui se verá, de modo bastante nítido, que a afirmação de Campbell (2000) citada no primeiro capítulo desta tese faz todo o sentido: pequenos ou não, certos efeitos podem gerar resultados eleitoralmente importantes.

Muitas eleições se decidem por pequenas margens (ABRAMOWITZ et al., 2006a,b; RHODE; STRUMPF, 2004; CAMPBELL, 2001; DI FRANCO et al., 2004; MULLIGAN; HUNTER, 2003). Portanto, importa entender a maneira como certos segmentos de eleitores decidem votar, gerando esses resultados marginais. Tendências pequenas são difíceis de investigar porque envolvem um número de indivíduos dispersos num vasto território, que não necessariamente estão interagindo e expostos às mesmas motivações. Compreender o duplo movimento do eleitorado em 2010 – a imprevista ocorrência do segundo turno e depois a recuperação de Dilma – é aqui uma discussão apoiada em dois axiomas teóricos. O primeiro, introduzido por Downs (1957), de que os candidatos adaptam suas posições políticas ou prioridades para atender o público votante, e não o oposto, e que eleitores buscam pistas e sinais durante as eleições para reduzir os custos de coleta de informações. O segundo eixo, proposto por Vavreck (2009), é que campanhas e candidatos procuram estabelecer estratégias de agendamento e persuasão, a fim de levar os eleitores a pensar retrospectivamente sobre as condições objetivas, como a economia, e tomar decisões racionais sobre o seu futuro. Estes dois fundamentos levam a esperar que um candidato racional irá explorar o contexto eleitoral durante a campanha em sua vantagem.

O capítulo está organizado da seguinte forma: a próxima seção retoma alguns pressupostos teóricos da análise que se segue; as três seções seguintes foram dedicadas a examinar as estratégias de campanha e seus impactos durante o primeiro turno. Da seção 5 em diante, apresentam-se os dados, análises e resultados referentes ao segundo turno e as conclusões.