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Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

4.4 Primeiro turno: antecedentes, campanhas e um resultado imprevisto

4.4.3 O Enigma do primeiro turno

No dia 1o de outubro Dilma Rousseff estava “virtualmente eleita”: todos os dados de

pesquisa disponíveis o sugeriam. A mídia internacional antecipava o cenário virtualmente certo: na edição daquela semana, a revista The Economist publicou matéria de capa anunciando o resultado esperado e discutindo as futuras prioridades do governo Dilma235.

No dia 3, contados os votos, constatou-se o que pareceu uma súbita mudança: o percentual de votos obtido por Dilma ficou em 46,91%, insuficiente para ganhar no primeiro turno. Iria, portanto, disputar novamente com seu principal desafiante, José Serra (PSDB). À primeira vista, nada foi percebido nas pesquisas, convencionais ou de tracking conduzidos na véspera das eleições. Pesquisas de boca-de-urna conseguiram sugerir essa hipótese, sem, contudo, capturar precisamente a performance dos candidatos da oposição236. A diferença

entre Dilma e a vitória ficou em 3,09%.

Por que ocorreu o segundo turno, quando pesquisas, mídia e a maioria dos políticos acreditava que tal não aconteceria? O que mudou nos momentos finais da campanha? Por que os eleitores trocaram de preferência (se trocaram), e que fatores conduziram a isso?

Vimos que o caminho trilhado por Lula para eleger sua sucessora em 2010 não foi tão simples quanto as teorias do comportamento eleitoral esperariam. Desfrutando de muitas das condições positivas requeridas para obter a preferência da maioria dos eleitores237, a

intenção de voto de Dilma cresceu paulatinamente desde 2008. Na primeira semana de HGPE ela alcançou a soma todos os seus competidores nas pesquisas. Parecia estar a caminho de vencer no primeiro turno, quando ultrapassou 50% de preferências, por volta da segunda semana do Horário Eleitoral. Mas entre a 4ª e a 5ª semanas de campanha, seu desempenho nas pesquisas arrefeceu.

Algo aconteceu no período do HGPE que fez possível tal variação nos indicadores de Dilma. Uma vitória «segura» tornou-se um inesperado segundo turno em apenas uma semana. A candidata de Lula obteve seu pior momento nas pesquisas no final do primeiro turno (última semana de setembro). Essa foi simplesmente uma flutuação aleatória nos índices das pesquisas ou um efeito sistemático? Contudo, passado o mês seguinte de campanha, correspondente ao segundo turno, Dilma recuperou, dia 31 de outubro, os votos perdidos e obteve a votação esperada: 56,5% dos válidos, retornando aos níveis apresentados pelas pesquisas de intenção de voto quando os argumentos da campanha insurgente oposicionista ainda não tinham mostrado eficácia. Por que, afinal, isto aconteceu? Por que a maioria que votou na oposição no primeiro turno não se manteve nessa condição? Quais seriam os limites da campanha insurgente?

235. A revista trouxe em sua capa na edição de 02 de outubro a manchete: “A Entrega: Lula deu ao Brasil continuidade e estabilidade. Agora ele precisa dar independência a sua sucessora “. O artigo fala sobre o “governo Dilma”, e como ela teria que lidar com a sua agenda social.

236. A boca-de-urna do IBOPE projetou Dilma com 51%; José Serra, 30%; Marina Silva, 18% e 1% for Plinio Sampaio. 237. Dilma era a candidata do presidente mais popular do mundo; disputava o posto no momento em que a economia

mostrava resultados muito positivos – o que incluía baixas taxas de desemprego – e tinha o apoio da mais ampla coalizão eleitoral jamais formada para uma disputa presidencial no Brasil.

O GRÁFICO 3 ilustra o enigma aqui abordado.

Gráfico 3: Intenções de Voto nas Eleições Presidenciais de 2010

Fonte: Dados da pesquisa. (Série completa com dados Vox, Datafolha e Sensus pré campanha e campanha)

Dado o que tem sido argumentado até agora, espera-se que o insucesso de Dilma no primeiro turno da eleição possa ser atribuído a uma flutuação das atitudes dos eleitores mais conservadores a seu respeito. Se o argumento é plausível, então devemos observar mudanças de atitude em eleitores dotados de tais características. Quais? A forma de analisar tal mecanismo será avaliar as respostas da pesquisas de intenção de voto e mostrar que, mesmo satisfeitos com o estado da economia, parte significativa dos eleitores conservadores mudou sua intenção de voto de Dilma para outros candidatos no final do primeiro turno, provocando a nova rodada da disputa

O mesmo procedimento analítico será replicado na discussão do conteúdo das mensagens de Dilma no segundo turno, procurando observar se houve mudanças nas ênfases observadas anteriormente e de que maneira se comportaram, perante tais estímulos, os segmentos de eleitores mencionados.

A análise é dividida em duas tarefas distintas. Em primeiro lugar, analisa-se as doze semanas de campanha antes do final do primeiro turno. Ao longo deste período, compara- se o conteúdo emitido pela campanha Dilma no HGPE e as taxas de intenção de voto a cada 3 dias. Espera-se, pois, que a mensagem cause algum efeito pelo menos dois dias depois de ter sido apresentada (BRADY; JOHNSTON, 2006). Isto parece razoável, já que uma primeira exploração dos programas do HGPE mostrou que é usual as campanhas repetirem os programas ou partes editadas nas emissões vespertinas ou noturnas. Como será descrito em detalhes na próxima seção, nesta primeira análise encontra-se uma clara correlação positiva entre o tempo do HGPE gasto em temas clarificativos, como economia, e o apoio a Dilma expresso pela intenção de voto do primeiro turno.

Em seguida, usa-se os dados do tracking para explicitar a eficácia do mecanismo que produziu tal tendência, em particular junto aos eleitores que expressam fé religiosa. O objetivo, nesse ponto, é explorar como a intenção de voto mudou, especialmente entre os eleitores mais conservadores, quando os candidatos “insurgentes” trouxeram para a agenda de campanha as questões do aborto e da corrupção. O mesmo procedimento é adotado para os dados do segundo turno, a fim de verificar se, à perda de eficácia da campanha insurgente ocorre o previsto na terceira hipótese deste capítulo.

Se de fato, “a mensagem importa”, deve ser possível observar que o conteúdo da agenda de campanha está estritamente associado ao desempenho dos candidatos nas pesquisas. O objetivo analítico aqui será, então, buscar um teste crítico do argumento. Se a mensagem realmente importa, deveria importar muito quando um candidato muda o conteúdo de sua mensagem durante a mesma campanha. Embora dados para testar os efeitos das mensagens sobre os eleitores individualmente ao longo do tempo sejam difíceis de obter, (BRADY et al., 2006), aplicou-se um desenho de pesquisa longitudinal que permitirá demonstrar o argumento com adequação. Como será mostrado adiante, os dados foram processados para observar os efeitos em série temporal diária das mensagens de campanha sobre as atitudes eleitorais nos dois turnos. Espera-se, com tais procedimentos, avaliar o “tamanho” dos efeitos de campanha nas eleições de 2010.