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Capítulo 2: Efeitos de campanha em eleições presidenciais no Brasil 1988 1998

3. A era Lula: Alternância na sucessão e a reeleição com segundo turno

4.6 A debacle da campanha insurgente e a vitória no 2 o Turno

4.6.1 Estratégias das campanhas no segundo turno

Para atingir a vitória, a campanha Dilma teria que adotar uma estratégia favorecendo três condições: conservar a votação conquistada no primeiro turno – estancando a migração naqueles segmentos de votantes que deixaram de votar nela; obter uma parte dos eleitores de Marina Silva e assegurar que os indecisos restantes votassem na mesma proporção dos já decididos.

Serra tinha uma tarefa mais difícil: continuar a sensibilizar o eleitorado conservador, que poderia continuar abandonando Dilma, e também conquistar o máximo possível de votos entre os eleitores de Marina e dos demais candidatos da oposição, assim como uma fração desproporcional dos eleitores indecisos. Nesse sentido e verificando a eficácia da agenda insurgente em provocar o segundo turno, a campanha Serra manteve o foco nos temas que considerava mais incômodos para a incumbente-sucessora e mais vantajosos para a sua posição.

Dois dias após o primeiro turno, Serra retomou a questão do aborto, afirmando que a candidata da situação não falava a verdade sobre sua posição em relação ao aborto: “O que está em questão agora nessa campanha não é apenas ser contra ou a favor. É a mentira240.”

Nos primeiros programas do HGPE, Serra retomou a agenda insurgente, apelando ainda mais para o público religioso, enfatizando as denúncias de corrupção e falando diretamente contra o aborto. No programa do dia 8. Por exemplo, os significantes da campanha insurgente apareceram em boa parte da emissão, como ilustrado na FIG. 2, abaixo:

Figura 2: “Nuvem de palavras” com conteúdo insurgente, campanha Serra, 08/10/2010

Fonte: Elaboração própria a partir da transcrição do programa.

Para Dilma, a possibilidade de sucesso não havia se desenhado nas primeiras pesquisas publicadas após o pleito. Serra crescia entre o eleitorado de Marina a uma razão de 2,5 para 1 em relação a ela. Todavia, na data de reinício do HGPE mais de um quarto de apoiadores da candidata do PV ainda estavam sem tendência definida241.

Considerando os motivos para a defecção, ficava claro que o conteúdo do seu HGPE, no segundo turno precisaria enfatizar aspectos como: melhorar a percepção do eleitorado sobre a persona da candidata; destacar o aval de Lula e, quando possível, anular ou atenuar os argumentos insurgentes do desafiante, particularmente as pautas sobre aborto e corrupção.

O início do HGPE coincide com o primeiro debate em TV. Este foi o mais intenso de toda a campanha. Dilma coloca Serra na defensiva, mencionando que fora atacada verbalmente pela esposa dele. Também tocou no tema aborto, lembrando que fora ele, como Ministro da Saúde, quem regulamentara a prática m hospitais públicos no País. Talvez fosse uma referência cifrada, para Serra, de que o tema poderia voltar-se contra ele. Serra reagiu dizendo: “Na minha história de vida eu não tenho nenhum departamento secreto, nada guardado no cofre, nem fico me justificando o tempo inteiro por coisas que fiz ou deixei de fazer”242

E se tivesse? Circulava nas redes sociais – poucos dias depois noticiada na mídia convencional243 - depoimentos de ex-alunas de que Monica Serra, esposa do candidato,

teria afirmado em classe ter praticado um aborto no Chile, onde vivera com o marido exilado. Pressionado a esclarecer esse ponto pela mídia, não veio desmentido do casal, apenas uma nota distribuída pela assessoria de imprensa do PSDB. O silêncio dos cônjuges

241. Datafolha, 8/10 in: FSP 10/10: “Nordeste garante vantagem de Dilma no segundo turno” (p.1) Datafolha, 8/10 [HGPE+0]: Dilma, 48%, Serra, 41. 51% dos eleitores Marina migram para Serra, 22% para Dilma. Válidos: 54% x 46%

242. Transcrito do HGPE Coligação “O Brasil pode mais”, 11/10, noite, 4:14 – 4:27

243. Correio do Brasil, 13/10:” Ex- aluna revela que Monica Serra fez aborto” (capa e p. 11) ; FSP 16/10: “Monica Serra contou ter feito aborto, diz ex-aluna” (p. A-8)

foi eloquente244. E o argumento moral da campanha Serra em relação a esse issue perdia

credibilidade perante o público a quem se destinava.

Poucos dias depois, uma operação a Polícia Federal recolheu, numa gráfica cujos proprietários eram ligados ao PSDB de São Paulo, milhões de panfletos apócrifos contra Dilma e vinculando-a ao aborto245. Dali adiante, Serra se veria forçado abandonar essa pauta de sua

mensagem. Já no debate do domingo posterior, o tema sequer voltou a ser mencionado por ele246. Um possível efeito colateral dessa reviravolta foi a declaração de neutralidade no

segundo turno de Marina Silva247. Depois de posicionar-se abertamente contrária à prática

desse método contraceptivo, a ex-candidata não teve condições pessoais e religiosas de oferecer apoio ao tucano.

Restava o item da corrupção, e o “escândalo Erenice” ainda rendia argumentos à agenda oposicionista. Com mais espaço no HGPE a campanha Serra podia dedicar mais tempo a esse conteúdo e procurar vinculá-lo ao inesgotável filão do “mensalão”. Contudo, a emergência de novos elementos informacionais fizeram com que a campanha Serra perdesse o componente de diferenciação requerido para a eficácia da estratégia insurgente de modo a que o candidato estabelecesse uma nítida diferença entre a sua mensagem e a da candidatura situacionista, neste caso a dele mais próxima das preferências dos eleitores que a dela.

Com a campanha chegando ao final de sua segunda semana, o tema da corrupção também envolveria a campanha Serra, depois que a mídia publicou que um dos seus coordenadores financeiros e ex-executivo no governo estadual tucano teria desviado dinheiro da campanha e agido de forma incorreta quando no cargo público248. E seu

relacionamento próximo com o ex-governador veio à tona com a notícia de que sua filha teria sido funcionária do gabinete palaciano249. Entretanto, essa linha de ataques não foi

desativada pela campanha Serra, mas cedeu mais espaço para as comparações biográficas dos candidatos. Não mais religioso, não menos vulnerável a denúncias de corrupção, Serra tentou, nas derradeiras semanas da campanha, apresentar-se como o mais qualificado para o cargo. Tal linha pode até ter eficácia, mas está longe de ser insurgente. Afinal, se era para comparar resultados de governo, essa ênfase poderia até ajudar o discurso da adversária.

244. FOLHA DE SÃO PAULO. Reportagem tentou ouvir mulher de candidato por 2 dias, sem sucesso – Assessoria da psicóloga não responde à Folha”. São Paulo, p. A -8, 16 out. 2010.

245. FOLHA DE SÃO PAULO. Gráfica tucana fez panfletos anti-PT – PF apreendeu 1 milhão de folhetos.... São Paulo, p. A. 6, 18 out. 2010.

246. FOLHA DE SÃO PAULO. Aborto e religião saem de pauta. Privatizações opõem PSDB e PT. São Paulo, 18 out. 2010. 247. FOLHA DE SÃO PAULO. Marina fica neutra e PV lança seu nome para 2014. São Paulo, p. A - 1, 18 out. 2010..

248. ISTOÉ. “O Poderoso Paulo Preto – o homem acusado pelo PSDB de dar sumiço em R$ 4 milhões da campanha tucana faz ameaças e passa a ser defendido por Serra”. Istoé, n. 2136, 20 out. 2010. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/ revista/indice-de-materias/609_NAO+SEI+QUEM+E+PAULO+PRETO+>.Acesso em 10 nov. 2010.

Ao longo das quatro semanas entre um pleito e o outro, apenas na primeira as intenções de voto entre a candidata-sucessora e seu desafiante se aproximaram. À medida em que a agenda temática se redefinia e o HGPE voltou a ser transmitido, a distância entre Dilma e Serra primeiro cresceu, e em seguida se estabilizou num ponto não mais reversível. Nas urnas, dia 31 de outubro, Dilma obteve 56% dos votos. Estava concluída a sucessão bem-sucedida.

Por que Serra não conseguiu realizar os votos não-Dilma do segundo turno? Passado o mês adicional de campanha, correspondente ao segundo turno, Dilma recuperou parte dos eleitores perdidos e obteve a votação esperada, retornando aos níveis apresentados pelas pesquisas de intenção de voto no período em que os argumentos da campanha insurgente ainda não haviam se mostrado eficazes. Por que, afinal, isto aconteceu? Por que a maioria que votou na oposição no primeiro turno não se manteve nessa condição? A resposta pode estar na prescrição de Vavreck (2009, p.33): “A escolha judiciosa do problema (ou do assunto) é crítica [ para o sucesso do candidato insurgente]; e ele deve ter em conta que a sua posição em relação ao tema escolhido deve ser mais próxima à da maioria do eleitorado do que a posição do seu oponente; e também no qual seu oponente esteja constrangido numa situação desfavorável”.

Apesar de insistir no conteúdo insurgente durante o segundo turno, a mensagem gradualmente perdeu eficácia, corroída pelas notícias de que a esposa do desafiante, José Serra (PSDB), houvera feito um aborto no passado, e de que um dos seus principais assessores financeiros estaria envolvido em desvio de recursos públicos. Aborto e corrupção já não seriam temas em que o discurso insurgente posicionava o desafiante em lugar mais próximo das preferências do eleitorado.