• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1: Campanhas eleitorais, sua importância e suas regras: um marco teórico e para

1.2 Efeitos de campanha no Brasil

Se nos contextos norte-americano e europeu ocidental, o conhecimento acumulado sobre os efeitos informacionais do ambiente de campanha sobre a formação de atitudes, opiniões e comportamentos eleitorais leva à constatação de que tais efeitos podem ser decisivos, ainda que mitigados por fatores como afinidades partidárias, vinculações de classe e condições educacionais; no caso brasileiro pode-se esperar que os mencionados efeitos sejam ainda mais expressivos. A curta experiência democrática do país, os baixos níveis de identidade partidária, o ambiente regulatório instável e condições sociais e econômicas pouco propícias à consolidação de identidades políticas mais permanentes, contribuem para que o ambiente de campanha eleitoral adquira ainda maior relevância.

Não é acidental, portanto, que grande parte dos estudos brasileiros dedique amplo espaço à reflexão que busca combinar aspectos comunicacionais e comportamentais com vistas a decifrar a maneira como o eleitor brasileiro faz suas escolhas na hora de votar.

Na área de comunicação política, há uma reflexão extensa, a partir dos anos 1990, que discute, desde o papel e o posicionamento da mídia (LIMA, 1992, 2006; FIGUEIREDO, 1994; MIGUEL, 1999, 2003, 2005, 2011; COLLING, RUBIM, 2003; PORTO, 2003; BEZERRA, 2005; AZEVEDO, 2006, 2008; NEVES, 2008; PORCELLO, 2009; SOUZA; BARROS, 2011); à análise do discurso dos candidatos na propaganda política (ALBUQUERQUE, 1996, 1999, 2003; MIGUEL, 1997; OLIVEIRA, 1999; FURTADO, 2002; MACHADO, 2009).

Uma linha importante de pesquisa dedica-se aos estudos sobre a formação das atitudes políticas a partir da recepção das mensagens da propaganda utilizando técnicas qualitativas, dentre os quais se destacam os trabalhos de Alessandra Aldé (2001) Luciana Veiga (2001) e Luiz Cláudio Lourenço (2007). Enquanto os primeiros utilizam-se da técnica estritamente qualitativa das discussões em grupo, o último adota o desenho de pesquisa clássico do painel de eleitores, em escala local (Rio de Janeiro), o que lhe permite um tratamento quali-quantitativo dos achados.

Dentre suas conclusões, vale registrar:

No que diz respeito à propaganda eleitoral, diferentemente dos EUA, onde o que predominam são os spots, a singularidade do caso brasileiro é dada pelo HGPE e por suas características. Os programas de propaganda dos candidatos ocuparam uma centralidade muito grande, seja por sua expressiva audiência seja por motivarem conversas e repercutirem junto ao público, destacando-se, ainda, como pauta da mídia que cobria as eleições. Além disso, mostravam e davam argumentos para a avaliação dos candidatos, tanto em aspectos subjetivos, como simpatia e confiança, quanto em aspectos mais objetivos, como plano de governo (LOURENÇO, 2007, p. 183).

Uma subárea que se destacou na produção acerca de campanhas brasileiras foi a de estudos e ensaios sobre marketing político e condução de campanhas, Melo (1992); Figueiredo, N.(1994); Figueiredo, R. (2000; 2008); Lavareda (2009).

Cabe, ainda, mencionar a tradição dos estudos sobre determinantes contextuais das tendências eleitorais com base em dados de survey, de que um exemplo fundador é a tese de doutoramento de Mônica Matta-Machado de Castro (1994), acerca das eleições presidenciais de 1989; em que a autora articula uma discussão teórica da escolha eleitoral em função do grau de sofisticação política do eleitor14 com dados de survey em escala

nacional. As principais conclusões de seu trabalho sugerem que os eleitores brasileiros têm que tomar suas decisões num contexto político em que há grande incerteza sobre as posições de candidatos e partidos em relação a issues. Quando há preferência partidária, a intenção de voto é altamente correlacionada com essa, particularmente quando ativadas pelo “processo eleitoral”. Importa também o grau de sofisticação do eleitor: quanto mais alto, melhor a percepção das relações entre partido e voto. Sua conclusão mais geral é:

Para explicar o comportamento eleitoral é preciso levar em conta, no mínimo: as características políticas micro dos indivíduos, especialmente as preferências partidárias e os graus de sofisticação política; os fatores sociológicos, indicados pelos atributos demográficos e sócio-econômicos, de um lado, e pelas experiências de participação dos eleitores, de outro; e os fatores estruturais, que compõem os contextos sócio-econômicos e institucionais dos eleitores. Nenhum desses fatores, considerado isoladamente, é suficiente para explicar a variação do comportamento eleitoral (CASTRO, 1994, p.171).

Como seu trabalho é baseado numa pesquisa realizada ainda na fase de pré-campanha, os possíveis ganhos informacionais e de redução de incertezas dos eleitores eventualmente produzidos pelos esforços e mensagens das campanhas propriamente ditos eventualmente não foram captados. No entanto, as suas conclusões reforçam a possibilidade de que tais efeitos possam ter ocorridos posteriormente.

Exemplo relevante da produção brasileira sobre os fenômenos de persuasão e sua dinâmica a partir das campanhas é o trabalho do grupo de pesquisas coordenado por Marcus Figueiredo, cujo marco inicial é “Estratégias de Persuasão em eleições majoritárias: uma proposta metodológica de estudo da propaganda eleitoral” (FIGUEIREDO et al., 1998).

14. A autora construiu um indicador baseado em variáveis presentes no survey sobre interesse, informação, envolvimento e exposição à propaganda políticas. Cf. Anexo 2.

Os autores, partindo da premissa de que as campanhas eleitorais significam a negociação de um pacto de vontades entre eleitores – cujos interesses e demandas desejam implementar – e candidatos – que querem se eleger; argumentam que todas as campanhas se desenvolvem em torno de retóricas ficcionais que buscam, dependendo do lugar da fala do enunciador (governo ou oposição), interpretar a condição presente (“mundo atual”) e propor um futuro melhor. Cabe à capacidade de persuasão das campanhas convencer o eleitor de que o melhor “mundo futuro” possível será aquele derivado de escolher o candidato x, tornando- se este o avalista da melhoria esperada. Portanto, “analisar campanhas eleitorais é analisar retóricas em competição pelo voto”(FIGUEIREDO, op. cit., p. 153). Se quiser explicar o processo eleitoral, tal análise buscará identificar a temática da eleição à luz de três categorias : tema dominante – quem controlar o tema dominante ganha a eleição; imagem do garantidor - se não houver tema dominante o avalista do mundo futuro torna-se o foco das atenções; e as interpretações do agora e do amanhã – domínio da argumentação persuasiva que pode fazer pender a balança para um ou outro lado da disputa.

Com base nessas categorias, os autores analisam os discursos dos candidatos às eleições majoritárias municipais de 1996, tal como expressos nos anúncios de televisão, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, explicitando as características dos discursos dos vencedores e dos perdedores. Porém, na época em que foi escrito, faltavam – como lembram os autores - dados capazes de associar diretamente a eficácia dos discursos e a constituição da vontade eleitoral. Note-se que o modelo desenvolvido por Figueiredo et al (op. cit.) e equipe tem vários pontos de contato com a teoria do contexto, desenvolvida ao longo da década de 2000 por J.E. Campbell e colegas; embora, os scholars brasileiros, ainda não tivessem como incorporar a dinâmica da incumbência, tendo em vista que a regra da reeleição no país fora introduzida ainda muito recentemente.

Este modelo analítico evoluirá, gerando uma fecunda produção acadêmica que chega até os dias atuais como os trabalhos de Oliveira (1999); Silva (2000); Silva (2004); Figueiredo e Aldé (2003); Mendes (2004); Dias (2005); Lourenço (2007); Figueiredo, M. (2007), Machado (2009).

Almeida (2003) discute questões relativas à legitimidade do locutor, na retórica da campanha, para dominar determinado tema, no caso o discurso da mudança nas eleições de 2002, ressaltando as possíveis articulações entre a eficácia desse discurso e a credibilidade de quem o profere. Analisando as posições de Lula e de Serra naquele pleito, sublinha a dificuldade de a fala de Serra ser crível como avalista da mudança, sendo candidato da situação; e nota, sem contudo demonstrar a relação de causalidade, as flutuações nas pesquisas eleitorais por ele atribuídas às variações nas retóricas dos candidatos.

Poucos estudos, no entanto, lograram articular, simultaneamente, a natureza das emissões – seja das mensagens dos candidatos, seja da cobertura midiática, e seus impactos sobre o comportamento de voto, utilizando como fontes dados de pesquisa em escala nacional, em eleições presidenciais. Dentre esses últimos destacam-se os trabalhos de Mauro Porto (2007); Lúcio Rennó (2007; 2010); Pedro S. Mundim (2010, 2011) e Felipe Borba (2005, 2012). Procura-se incorporar suas contribuições nos capítulos subsequentes desta tese.

1.3 Regras importam? Como se regulam campanhas eleitorais no Brasil: