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CAPÍTULO IV O TERENA E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

4.1 A CHEGADA DA ESCOLA

Taunay (1931, p. 13) relata que, no contato com a Aldeia Pirainha126, notou que seu Capitão (Cacique) sabia ler e escrever. Segundo o autor havia nessa aldeia uma escola onde estudavam, também, os filhos do Capitão: ―Sabia ler e escrever, este capitão; mantinha em sua aldeâ severa disciplina. Organizara uma escola de meninos, em que figuravam os seus dous filhos e sempre se mostrara affeiçoado aos brasileiros, a elles se achegando nas horas do infortúnio‖. Possivelmente, a escrita e a leitura àquele Cacique terena foram ensinados pelo frei Mariano de Bagnaia, ―conhecido como missionário do Pantanal‖ (MOURA, 2001, p. 25), pego pelos soldados de Lopes e que viveu algum tempo entre os índios terena e kinikinao.

Em Limão Verde, a educação escolar, ainda que de forma não oficializada, tem duas versões em relação ao seu início. Uma delas é que por intermédio da Igreja Católica, em 1931, que teve como primeira professora a irmã Corina Nicócio, pertencente à ordem dos redentoristas da igreja católica, segundo informações contidas no histórico da atual Escola de

126Essa aldeia citada por Taunay foi transformada em fazenda e hoje o local ainda têm preservado as marcas da

presença indígena. Pode ser que seus moradores tenham se incorporado a outras aldeias, pois na memória de antiga liderança da Aldeia Ipegue, Pirainha era uma espécie de quartel dum grupo terena na época da Guerra com o Paraguai. Contudo, muitos LimãoVerdenses reconhecem o local como parte de Limão Verde por ter morado lá os seus antepassados.

Ensino Fundamental Lutuma Dias, iniciou-se a oferta da educação escolar. Outra versão127

reivindica o início da escolarização dessa comunidade, por meio da Igreja Evangélica UNIEDAS. Segundo o informante, em 1918, o missionário Guilherme ministrava aulas no lugar próximo onde se localiza atualmente a Igreja. O terena Luciano, informante de Oliveira, que trabalhou na implantação da linha telegráfica de Cuiabá-Aquidauana, afirmou que o primeiro professor do SPI na Terra Indígena Taunay foi em 1915 (OLIVEIRA, 1968, p. 140).

Como aconteceu em um grande número de aldeias em todo o Brasil, a educação escolar oficial foi iniciada, em Limão Verde, sob a responsabilidade do SPI, tendo como primeiros professores os próprios chefes de postos ou suas esposas (a maioria não índia). Raramente encontravam–se professores índios nessas escolas. Na Aldeia Limão Verde teve o caso de Lúcio Dias e Pascoal Leite Dias, já falecidos128.

É correto afirmar que naquela época a escola tinha seu objetivo limitado à alfabetização. A escola, no contexto das comunidades indígenas Terena, tinha por finalidade implementar a política nacional indigenista, ou seja, promover a integração do índio ao restante da população nacional. Em função desse objetivo, a atividade escolar exercida na Aldeia não teve a preocupação de considerar a diversidade sociocultural de seu público atendido, resultando na oferta de uma educação como extensão urbana.

Nos anos de 1970, nossa rotina era levantar pela manhã e ir ao córrego João Dias para tomar banho, escovar dente, ―tomar chá‖ ou ―quebrar torto‖129 e ir para a escola. Ao ouvirmos

o barulho do carro Kombi, que transportava os professores de Aquidauana à aldeia Limão Verde, fazendo eco no morro, gerando um barulho que poderia ser ouvido em toda a aldeia, corríamos para fazer fila e cantar o Hino Nacional. Quando ficamos mais ―grandinhos‖, sempre tínhamos tarefas familiares que se tornavam uma diversão: levar almoço para os parentes (tios e tias) na roça, espantar passarinho na lavoura (periquitos no milharal e nos mangais, chupins nos arrozais). Entre sete e oito anos aprendi a capinar com enxada. Era, e ainda é atualmente, o serviço que eu prefiro na lavoura. Nessa época, meus professores da vida eram meus tios e tias, avó, além de minha mãe.

Tivemos as seguintes principais diversões na infância, além da tarefa de espantar passarinho nas lavouras: tomar banho no córrego João Dias, pescar, caçar frutas silvestres (bocaiúva, guavira, pequi), ir à cidade, o que era raríssimo, pois isso geralmente acontecia no

127 Informação verbal na residência de ex-cacique de Limão Verde, em 2009.

128Ambos os nomes são das escolas de ensino médio nas aldeias Córrego do Meio no município de Sidrolândia e

Limão Verde no município de Aquidauana.

129 Assim era denominada a primeira refeição do dia que, para os adultos era uma refeição mais reforçada em

função de suas atividades na roça, para nós que íamos para a escola podia ser apenas chá acompanhado de

período de férias e de acordo com o comportamento na escola e na vida familiar. Claro, tinha ainda como componente de diversão o jogo de bola de meia, que era permitido ―[...] depois que passar o ônibus do Cipó‖, segundo as recomendações de minha avó, fazendo referência ao ônibus que fazia o trajeto Aquidauana-Distrito de Cipolândia e que passava às 16 horas.

As festas de que me recordo eram alguns casamentos, cuja cerimônia era já bastante parecida com a dos não índios e algumas festas religiosas. Alguns casamentos tinham o privilégio de contar com o canto cerimonial Terena para a ocasião, mas não era regra para todos os casamentos. Acredito que isso ocorria quando alguma anciã que conhecia o ritual era convidada para a cerimônia ou quando um dos noivos era seu parente. Sem dúvida que a festa que mais reunia as pessoas da comunidade e recebia visitantes era a do Dia do Índio - 19 de abril.

Tendo uma escola não ambientada para dialogar com a especificidade do público indígena, o alunado também se sentia inibido por estar vivendo uma situação estranha e fortemente alienante, seja pelo método de trabalho, seja pelos conteúdos descontextualizados da cosmovisão terena, ou mesmo pela relação professor-aluno. Para a secretária da Escola Lutuma Dias, a relação entre professor não índio e aluno indígena passa pelo entendimento de dois mundos: ―o professor teria que ter o conhecimento da realidade do índio. Pra ele poder ver que o índio às vezes é mais calmo que o branco, não fala muito. Às vezes isso dificulta o trabalho deles. Eles deviam acompanhar mais a realidade indígena‖ (Roseli Pereira Dias. Secretária da Escola Lutuma Dias. Entrevista em 27/03/2009).

Na década de 1980, a educação escolar para o Terena foi realizada em regime de parceria com os municípios. Período em que as salas, nas aldeias Terena, funcionaram como extensão de uma escola rural. No final dos anos de 1990 foram criadas as escolas indígenas. O ensino médio funcionou como extensão desde 1999. Em 2005 foi criada a escola de ensino médio.