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CAPÍTULO I O POVO TERENA

1.4 AS DANÇAS

São duas as danças coletivas praticadas hoje pelo Terena. São elas: a Kohichoti-Kipaé, executada apenas por homens, conhecida atualmente como a Dança do Bate-Pau, é uma das mais conhecidas tradições indígenas de Mato Grosso do Sul, e a siputrena, praticada apenas pelas mulheres e que teria o sentido de saudação aos guerreiros no seu retorno das guerras.

Figura 5 – Lapâpé - culinária indígena feita com mandioca

Sobre a dança masculina é importante observarmos as explicações atuais que se têm sido divulgadas equivocadamente, até mesmo por alguns índios, a ideia de que a dança tem sua origem na ocasião da Guerra com o Paraguai. Os que defendem essa tese dizem que a inspiração para a criação da dança foi a participação Terena nessa Guerra usando o arsenal de varotes de pau. Esse argumento não tem sustentação em nenhum documento oficial ou em relatos de índios mais antigos. Taunay descreve no documento sobre os nossos índios que, ao chegar à Aldeia Pirainha, por ocasião da Guerra, foi surpreendido ao ver o arsenal militar que os terenas possuíam: ―Não tinha agradável aspecto. Chegaram alguns de taes indivíduos a apontar-nos as espingardas [...] Não pequena estranheza nos causou a aparencia dos nossos novos amigos [...] providos de lanças, chuços, espadas e quasi todos de espingardas e clavinas‖ (TAUNAY, 1931, p. 12). Portanto, o armamento usado não se limitou a varotes de pau como defendem aqueles que fazem relação da origem da dança à Guerra.

Segundo Oliveira, R. (1960, p. 52), a dança Kohichoti-Kipaé foi recebida por um

Koichomúneti (líder religioso terena) durante uma de suas cerimônias e repassou aos Terena.

ponta da taboca), isukokoti-kukukê (bate no meio), isukokoti-dutiku (bate nas costas), wekooti (puxa o arco), wekooti (passa por baixo), aluókoti (sobe em cima) (Figura 6) e hiokexoti-pepe-

é-ké (dançando no toque do tambor).

Chefiados por dois caciques, os índios dançam em filas paralelas colocando à prova sua resistência, e no final da dança o cacique vencedor é levantado por cima dos varotes e exibido como um herói, aos que os assistem.

Os instrumentos de sons usados para a dança são: uma flauta de bambu, que é tocada pelo ―pifeiro‖, e um tambor, que, segundo Baldus (1937), foi introduzido bem mais tarde da origem da dança. Os materiais para a execução da dança são bastões de bambu, uma flecha que é própria para a dança. A vestimenta é feita de penas de ema (hoje em várias aldeias é confeccionada com folhas do buriti) e os enfeites com sementes, ossos de animais e pinturas de urucum e jenipapo (hoje não obedecendo a rigor as cores e formas tradicionais).

Figura 6 - Preparando a peça aluókoti. Os bastões são trançados para que o cacique suba nele. Há cerca de cinco anos teve início na Aldeia Limão a inclusão de mulheres jovens na execução dessa dança. Embora, o motivo divulgado pelo dirigente da dança de que com esse ato se busca a valorização da mulher terena, sabemos que isso tem um fundo político e turístico. A dança, como é praticada na Limão Verde em um primeiro momento, pode agradar a turistas, políticos e outros desinformados. No entanto, os outros terenas que estão bem

próximos (nos municípios de Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Dourados, Nioaque, Miranda, Rochedo, Sidrolândia) e/ou os que estão mais distantes, como é o caso dos Terenas de São Paulo e Mato Grosso, certamente têm dificuldades para entender, e até criticam, a razão de alguns de seus patrícios de Limão Verde incluírem mulheres jovens na dança. Embora, reivindiquem sua tradicionalidade nos discursos que fazem, sobretudo, aos não índios, durante eventos políticos, nenhuma outra aldeia terena, até o momento, executa a dança com participação de homens e mulheres.

Por ocasião da comemoração do aniversário do município de Aquidauana, o prefeito da cidade contratou um artista plástico para pensar em uma homenagem ao povo Terena. Pois, a artista, ao criar a homenagem, se inspira justamente, segundo a explicação oficial37, a partir

de uma observação à dança do bate-pau em Limão Verde com participação das mulheres (Figura 7). Essa homenagem, representada em uma estátua de uma índia com um varote da dança masculina, rendeu tanto ao prefeito quanto à comunidade indígena críticas e ironias. O resultado disso pode ser um verdadeiro desserviço ao povo Terena. A escola poderia contribuir, constituindo-se em um lugar privilegiado de debate e, mais, possibilitar a informação de questões como essa, de maneira correta.

Nesses últimos dois anos tem surgido em Limão Verde outro dirigente38 de dança,

morador do núcleo denominado Buritizinho, com o discurso de buscar o retorno do verdadeiro sentido da dança e, portanto, com a execução somente com homens, bem como estimular que as jovens dancem a dança das mulheres.

37Essa explicação me foi dada pelo prefeito durante a abertura do Fórum da Educação Escolar Indígena em

Limão Verde em agosto de 2009.

38Esse dirigente é acadêmico de Geografia. É importante salientar que a maioria dos homens que dançam ali em

Figura 7 - Dança do bate-pau em Limão Verde com participação das mulheres.

A dança das mulheres denomina-se: siputrena e, representa uma saudação das mulheres à chegada dos guerreiros à aldeia após a batalha. É, também, conhecida como putu-

putu. A siputrena segue os seguintes passos: as mulheres são organizadas em duas filas

fazendo o mesmo movimento de saudação. Uma fila é composta de mulheres com vestimentas caracterizando o verde (sukrikiono) e outra é formada pelas que vestem as vestimentas caracterizando o vermelho (xumonó), uma de frente para outra. Xumonó

representa o comportamento da juventude, agitada e brincalhona, e sukrikionó, a maturidade, séria e tranquila (SILVA, 1949, p. 319).

Os materiais usados hoje na confecção das vestes e das pinturas39 são todos comprados

no mercado urbano. São passos simples que consistem em inclinar a cabeça e coluna em uma saudação semelhante à oriental e são repetidas várias vezes. Algumas mulheres mais jovens que se arriscam a dançar parecem se sentirem tímidas com o movimento e com o nome popular da dança – ―joga bunda‖ -, e ao perceberem essa situação, as mulheres mais velhas animam as jovens a dançarem mais animadas, o que provoca risos e piadas. É exigido também que se pratique a dança sem brincos, pulseiras, anéis ou qualquer objeto que represente o ornamento não indígena. Percebemos que nos últimos anos tem sido menor a frequência da

execução dessa dança. Talvez em função da incorporação de mulheres jovens na dança masculina. Até agora, não há casos de terenas homens participando da dança siputrena.