• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III POLÍTICA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

3.4 AS LIDERANÇAS E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

Ao final da década de 1990, uma nova pauta foi colocada na agenda dos caciques Terena: a educação escolar. Esta passou a fazer companhia à dupla: semente e óleo diesel115.

Acredito em pelo menos duas condicionantes para a inserção dessa pauta na agenda. A primeira se deve ao ―Curso de Professores para o Contexto Indígena116‖, que exigiu a

participação dos caciques na seleção e acompanhamento dos alunos durante o curso. Claro

114 Aluno do ensino Fundamental da Aldeia Córrego Seco.

115 Com a inserção do trator na prática agrícola dos Terena a reivindicação dos Caciques junto aos agentes

públicos e mesmo à Ongs era o que eles chamavam de projeto. Esse consistia em óleo diesel e sementes conforme a cultura da época (feijão, milho, arroz).

116Esse Curso atendeu os povos Guató, Kinikinao, Kadiwéu Terena e Xavante e formou cerca de 100 professores

que, por ser a indicação o processo de escolha de quem faria o curso, originou-se o estímulo pelo tema. Após a formação, esse interesse teve prosseguimento em função da busca de vagas nas escolas dentro das aldeias para que os professores índios tivessem sua colocação profissional. Outro fator influenciador para que a educação escolar fizesse parte da agenda dos caciques Terena é a inserção de membros desse povo nas instituições governamentais. Cito como exemplo minha participação no Núcleo de Educação Escolar Indígena do Estado de Mato Grosso do Sul e igualmente de outra professora terena na Coordenação Pedagógica das Aldeias Indígenas da Secretaria Municipal de Educação de Aquidauana no mesmo Estado. Em 2004 manifestei opinião sobre essa dinâmica no editorial de uma revista eletrônica do Ministério da Educação:

No ano de 1999 fui compor o Núcleo de Educação Escolar Indígena na SEED do MS. Há um ano estava atuando como professor na Terra Indígena Limão Verde, município de Aquidauana, onde discutíamos a modalidade da educação escolar indígena, portanto, para mim, não era nenhuma novidade. Há que se admitir que os primeiros dias foram terríveis para me acostumar ao novo mundo em que me meti. Iniciei o trabalho esperançoso de que aqui (SEED/MS) estaria construindo mecanismos que garantissem a participação dos professores indígenas nas discussões e que contribuíssem para que a instituição escola possa, cada vez mais, deixar de ser instrumento de negação da identidade étnica, conteudista, assustadora para os alunos indígenas porque ela (escola), como era operacionalizada, reforçava o conceito de ―índio-burro‖, não escolarizável, etc.

Hoje, depois de cinco anos de Secretaria, percebo que muita coisa mudou na realidade e na relação dos povos indígena com a instituição escola, cada vez mais a comunidade indígena de MS quer ter o controle da escola para que esta sirva realmente aos interesses indígenas. Nossos Caciques não mais estão reivindicando apenas óleo, trator e semente, a educação já faz parte da pauta de suas demandas e isso fortaleceu a luta dos professores indígenas.

Da educação infantil ao nível superior, essas demandas estão presentes no âmbito da educação escolar indígena dos povos Guató, Kadiwéu, Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva e Terena.

Eu continuo enfrentando o desafio de cada vez mais desconstruir o olhar com que a sociedade não-indígena nos viu durante todo esse tempo em que permitimos viver tutelados pelo Estado brasileiro.

Tenho claro que respeito ao diferente, o orgulho de ser índio, a preservação dos valores e conhecimentos tradicionais e a auto-sustentabilidade passam por uma educação em que os povos indígenas sejam de fato os protagonistas, os ―operários‖ dessa ―indústria‖ de um novo tempo. (Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul e a educação escolar indígena/2004 – texto do autor)117.

Vários documentos que partiram e partem das lideranças de Limão Verde comprovam que a educação escolar nos mais variados níveis está na agenda da autoridade interna. Em 2002, lideranças enviaram ofício118 à Secretaria Estadual de Educação solicitando auxílio para

a manutenção dos alunos em sala de aula:

117Editorial do III Boletim da Comissão Nacional dos Professores Indígenas/Coordenação Geral das Escolas

Indígenas do Ministério da Educação.

Considerando o baixo nível da renda familiar dos indígenas desta comunidade, num total de R$ 50,00 mensais. E que tem impossibilitado os pais em atenderem as necessidades básicas de seus filhos, para que possa garantir a permanência dos mesmos na escola e dar continuidade em sua formação como cidadão consciente de seus direitos e deveres. Em função desta necessidade muitos jovens não estudam mais, porque depende de sair da aldeia para trabalhar fora. E para que os índios desta aldeia não continuem a margem da sociedade. Vimos através da ―Associação dos Moradores e Amigos de Limão Verde, Inscrito no CNPJ Nº 33.751-850/0001-80 solicitar o Programa Bolsa Escola Estadual, para atender o Ensino Fundamental e Ensino Médio, do ensino regular nesta comunidade. Para suprir as necessidades dos alunos, garantir a permanência nas aulas e também visando estímulos para ingressos de novos alunos. Certos sua especial sensibilidade e compreensão,

Desde já antecipamos nossos agradecimentos Atenciosamente,

Josué Martins Antonio dos Santos Silva Cacique do PIN Limão Verde Presidente da Associação

Outro ofício de abril de 2006119 é encaminhado ao secretário da Ação Social de

Aquidauana solicitando a oferta de cursos profissionalizantes:

A Comunidade Indígena do Limão Verde, através do Presidente da Associação de Moradores e Amigos do Limão Verde solicita de V. S.a que seja encaminhada ao Setor Competente a solicitação de um Curso de Mecânica de Motor de automóvel nesta referida aldeia tendo em vista que temos uma grande necessidade nesse sentido, pois trabalhos para nosso próprio sustento e não temos condições financeiras para recuperação de nossas máquinas existentes na nossa comunidade. A exemplo disso temos um caminhão, um fiorino e um trator Valmet parados por falta de pessoas capacitadas para a recuperação dos mesmos, pois a mão de obra é muito cara.

Segue em anexo a assinatura das pessoas interessadas neste curso. Atenciosamente

Antonio dos Santos Silva Arcênio Francisco Dias Presidente da Associação Chefe do Posto/FUNAI

Uma Carta da Aldeia Limão Verde, em 28de abril de 2005. assinada por professores, acadêmicos, cacique, presidente da Associação e chefe de Posto da FUNAI foi enviada a mim quando respondia pela administração regional da FUNAI em Campo Grande convidando-me para uma reunião com a participação de professores e lideranças:

Vimos através desta, informar que no dia 05 de maio de 2005, às 15:00 na Sede da Associação de Moradores e Amigos de Limão Verde, os professores e universitários da aldeia Limão Verde estarão reunidos juntamente com as lideranças local para traçarem metas e propostas viáveis para garantir a permanência dos alunos indígenas na Universidade.

Sendo assim, contamos com vossa presença para nos auxiliar nas discussões e encaminhando esses documentos às autoridades competentes. Desde já agradecemos e contamos com vosso apoio.

UNIVERSITÁRIOS E PROFESSORES

Considero importante registrar que tanto o então cacique no início da pesquisa de campo em 2009 como o atual são alunos do ensino médio. O primeiro cursando o 1º ano em 2009 e o segundo, cursando o 2º ano. Na reunião de apresentação dos professores daquele ano, o então cacique solicitou que os professores o compreendessem, principalmente com relação às faltas, em razão de suas atividades de liderança.