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CAPÍTULO II O TERENA E SEUS RELACIONAMENTOS

2.3 O TERENA E AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS

Quanto à presença de religiões cristãs, no meio Terena sua história remonta ao início do século 19. Hoje, várias denominações religiosas cristãs estão espalhadas pela área, e em Limão Verde a Igreja Católica fica no centro da aldeia. Os Padres Redentoristas, em 1932, com a ajuda de duas Irmãs Vicentinas e utilizando carroças, trouxeram as pedras para construírem o templo que, de início, também serviu de escola. O pedreiro chefe era português, José Maria da Cruz.

Como descrevemos no capítulo anterior, quando mencionamos sobre a sede da Aldeia Limão Verde, a Igreja Católica fica bem no cruzamento de duas ―ruas‖ 75 no local que pode

ser chamado de ―parque dos poderes‖. Sem dúvida que essa Igreja representou por muito tempo a força do poder religioso oficial do governo brasileiro no cumprimento do dever de expandir no meio indígena a religião oficial. As missas são mensais, oportunidade em se tem a presença de um padre ou ministro da eucaristia, que se desloca de Aquidauana para a Aldeia. Há um dirigente local da Igreja que dirige as reuniões no domingo à noite. O padroeiro da igreja é Santo Afonso, cuja comemoração se dá no dia 2 de agosto, oportunidade em que são realizados churrasco, baile, jogos de futebol e outros. Alguns projetos são tocados por meio da iniciativa das irmãs, por exemplo, a padaria comunitária, administrada por um grupo católico. A igreja tem se tornado uma atração turística por causa de sua estrutura e parede serem feitas de pedra maciça extraída das morrarias de Limão Verde.

Quanto às festas religiosas ligadas à Igreja Católica, em ordem de calendário cristão eram a de São Sebastião76, São José77, as juninas Santo Antonio, São João e São Pedro, e a

74Embora o governo atual não tenha garantido isso, durante vinte anos tivemos a presença de terena e guarani nas

secretarias de Governo, Produção e Educação, alternadamente ou não.

75Era comum até alguns anos atrás nossos parentes ao irem ao Posto da FUNAI, farmácia, em reunião na escola

ou na associação dizer: eu vou lá na Rua, referindo-se a essa ―praça‖.

76Havia duas famílias ―festeiras‖ de São Sebastião. Na primeira semana de janeiro dava início a caminhada das

bandeiras que consistia em ir pelas casas arrecadar prendas para a realização da festa naquele mesmo mês.

77Nesse dia eram preparados banquete, reza e baile. Havia a participação de convidados tanto da própria Aldeia,

festa de Santo Afonso, como mencionamos anteriormente. Hoje algumas festas são realizadas com menor envolvimento dos moradores, já que a maioria se identifica como evangélico.

Acçolini relata que os Terena chegaram em Miranda, Mato Grosso do Sul, em fins do século XVIII e que havia um relativo isolamento por parte desses. Segundo essa autora,

mantendo contatos esporádicos com missionários católicos, sua cultura teria sido pouco atingida, pois no começo desse mesmo século, as incursões luso-brasileiras por essa região não passaram de empreendimentos desbravadores, realizados pelos bandeirantes que buscavam metais preciosos. (ACÇOLINI, 1996, p. 24).

Em Limão Verde há a presença da Igreja União das Igrejas Evangélicas da América do Sul - UNIEDAS - organizada por missionários norteamericanos. Em 1917, chegavam, pela primeira vez, os missionários americanos78 no Distrito de Taunay, município de Aquidauana

e, em Limão Verde, em 1918. A igreja teve sua fundação em 1928, com a presença de dois casais de missionários. Após a saída dos estrangeiros, os índios decidiram continuar com o trabalho da igreja. Atualmente, o pastor é índio Terena natural da Terra Indígena Buriti no município de Sidrolândia e que casou com uma terena limãoverdense.

Oliveira, R. (1976, p. 96) destaca que, aplicando uma atividade missionária ―mais eficiente e intensa do que a católica", e como resultado fazendo maior número de adeptos, os missionários protestantes capacitaram um número significativo de índios Terena responsáveis pela propagação "da doutrina e da prática do evangelho, através das mesmas passaram a converter, em certas aldeias, um número considerável de indivíduos a ponto de criar certa hostilidade entre os protestantes convertidos e os não protestantes e/ou católicos‖.

A eficiência na conversão dos terenas para essa Missão tem uma razão lógica: os missionários protestantes eram também pesquisadores da língua indígena o que permitia ao terena enxergar na igreja UNIEDAS79 um ponto comum e familiar, já que alguns evangelhos

da Bíblia foram escritos de maneira a contemplar uma possível grafia Terena, o que foi chamado de tradução do evangelho para a língua Terena. Além disso, os primeiros missionários foram bem recebidos porque eram vistos como os que preencheriam a lacuna de um professor entre os Terena de Taunay. E, ainda hoje, há um centro de formação de missionários e pastores denominado de Missão Água Azul, localizado na BR-262, próximo ao

78Alexander Rattray-Ray da Inland South America Missionary Union foi o primeiro missionário protestante a

atuar na terra indígena Taunay (OLIVEIRA, R., 1968, p. 114).

79A Missão, ainda hoje, possui seu patrimônio, embora bastante desfigurada do que foi no passado. Após

rompimento com dirigentes norte-americanos pastores terenas enfrentam dificuldades de ordem financeira para manter a hegemonia do protestantismo nessa Missão.

município de Anastácio, e um colégio de ensino fundamental e médio80, localizado no distrito

de Taunay, para a formação de alunos índios81 tanto de Mato Grosso do Sul como de Mato

Grosso, onde quer que alcançasse o braço da Igreja.

Com as dificuldades apresentadas após a retirada dos financiamentos internacionais para a Igreja UNIEDAS, foi se abrindo caminho para outras correntes e denominações evangélicas, que podem ser consideradas como coirmãs82. Só em Limão Verde somam,

atualmente, um total de cinco congregações. São elas: Assembleia de Deus, Primeira Igreja Batista, Igreja Batista Indígena, A Palavra de Cristo para o Brasil, e ainda um considerável número de seguidores das igrejas Deus é Amor e Tabernáculo da Fé que fazem alguns cultos na aldeia sem, contudo, ter permissão para construir templos, pois a comunidade alega motivos políticos para não ampliar este número.

Os dirigentes fundadores e membros da Primeira Igreja Batista e Igreja Batista Independente são ―dissidentes‖ da UNIEDAS e originários de Limão Verde. Vale observar que a rotatividade de fiéis entre essas igrejas evangélicas não é rara, seja por motivos políticos, que é a razão mais frequente, seja por proximidade geográfica em relação à moradia, relação de parentesco.

A Igreja Assembleia de Deus situa-se no caminho que dá acesso ao centro da aldeia. Ela iniciou suas atividades em 1968. O prédio é moderno e tem um núcleo religioso significativo. Seu pastor é um Terena originário de Cachoeirinha em Miranda, com passagem em Aquidauana, onde prestou serviço público como policial militar. A igreja UNIEDAS e suas dissidentes ficam mais ao fundo da Aldeia, curiosamente é onde se predomina o uso da língua terena. A igreja A Palavra de Cristo para o Brasil situa-se na parte externa do conjunto de casas da Aldeia na beira da estrada que liga Aquidauana ao Distrito de Cipolândia, a MS- 345. Seu pastor é Terena de Limão Verde.

De acordo com Acçolini (1996), a religião protestante faz parte do quadro de dominação imposta pela sociedade do entorno. No entanto, segundo essa autora, ela é tida como benéfica à sociedade indígena Terena, pois é vista como uma ponte que faz a ligação entre uma e outra sociedade. A participação nessa "irmandade" universal, que congrega índios

80Após a expulsão das terras indígenas pelo Serviço de Proteção ao Índio, os missionários norte-americanos se

instalam nesse Distrito. A Escola Lorenço Buckman funciona por meio de convênios com órgãos públicos e é cobrada uma taxa dos alunos.

81Terenas de várias regiões estudaram nesse colégio, bem como Kadiwéu, Kinikinao e Xavantes de Mato

Grosso.

82É possível vê-las em alguma oportunidade (aniversário, casamento e outros) reunidas em um mesmo culto,

e brancos, aparentemente atenua o caráter de submissão e marginalização (ACÇOLINI, 1996, p. 55-58).

Religiosamente, a população em terras Terena se divide entre católicos e evangélicos. As diferenças entre fiéis, em algumas aldeias, foram tão acirradas que deram forma à cultura interna dos Terenas:

A cada um dos grupos corresponde um conjunto de estereótipos: o ―católico‖ é considerado vagabundo, beberrão e farrista; o ―protestante‖, como sendo piedoso, trabalhador e honesto. Isto é o que pensa o ―crente‖ de si mesmo e dos ―católicos‖. Já o ―católico‖, embora não negando que grande parte dos seus bebe muito, acreditam que trabalham mais do que os ―crentes‖, uma vez que esses ―vivem no culto e só pedem esmolas e não levam a vida a sério‖. Parece que a diferença básica entre eles é que a maior parte dos ―crentes‖ sabem ler e escrever – porque são estimulados a isso para poder estudar a Bíblia, enquanto os ―católicos‖ não possuem semelhante estímulo. Essa diferença caracteriza a própria intervenção religiosa: os missionários protestantes muito mais preocupados com a alfabetização do que os padres Redentoristas. (OLIVEIRA, R., 1976, p. 101).

Essa divisão constatada por Oliveira, R. (1976) se assemelha com a de Weber (1967, p. 34):

Do lado protestante, utiliza-se essa concepção para criticar aqueles ideais ascéticos [...] da conduta de vida católica; do lado católico, replica-se com a acusação de ―materialismo‖, o qual seria a consequência da secularização de todos os conteúdos da vida pelo protestantismo.

Assim, temos a Aldeia Ipegue, em Aquidauana, com identidade religiosa voltada ao catolicismo, e a Aldeia Moreira, em Miranda, voltada ao protestantismo, exemplos clássicos dessa identificação religiosa. Em Limão Verde, essas diferenças se notam nas relações cotidianas e dividindo a aldeia nos setores geográficos de domínio ou de aproximação com uma ou outra religião e/ou igreja.