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CAPÍTULO III POLÍTICA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

3.1 A UNIÃO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Por estar a escola em terras indígenas limitada ao atendimento somente das séries iniciais do ensino fundamental (Jornal Folhaonline, de 21 de outubro de 2003), com um resultado desastroso para as comunidades indígenas, iniciou-se, em todo o Brasil, por intermédio de organizações indígenas e não indígenas, a luta pela mudança no processo de escolarização nas aldeias, tendo alcançado o seu ponto alto na Constituição de 1988 (BRASIL, 1997). Esta garantiu aos povos indígenas o direito aos seus bens materiais (como a terra) e imateriais (como a autonomia e os processos próprios de aprendizagem e o uso de suas línguas e culturas).

É consenso entre índios e indigenistas que a última Constituição Federal pode ser considerada a ―Constituição do Índio‖ pelas garantias dos direitos desses povos no Brasil. Bergamaschi e Dias (2009) descrevem como a atual Constituição Federal teve sua influência na educação escolar indígena:

A fundamentação jurídica deste novo momento da educação escolar indígena no Brasil está registrada na Constituição de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar diferenciada, que respeite os processos educacionais próprios de cada povo (artigo 210), direito este confirmado em outras leis da educação, como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 (artigos 78 e 79) e do Plano Nacional de Educação, de 2001, no qual a temática da educação escolar indígena figura em capítulo específico (nº 9), com 21 metas. Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) regulamentam, detalham e conceituam a Educação Escolar Indígena nacional, merecendo destaque a Resolução Nº 3, de novembro de 1999, que ―fixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências‖. Como uma das conseqüências dos avanços legais, a educação escolar indígena, até 1991 tutelada pela FUNAI, passou para o âmbito do Ministério da Educação.

O Decreto Presidencial nº 26/1991 retira da FUNAI a incumbência da Educação Escolar Indígena e atribui essa competência ao Ministério da Educação (MEC), para coordenar as ações referentes à Educação Escolar Indígena no país, estabelecendo as instâncias e respectivas competências estaduais e municipais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, também garantiu, em seus artigos 78 e 79, competências e ações de pesquisa e ensino a fim de possibilitar a execução de uma Educação Escolar aos índios, de caráter específico, diferenciado, intercultural e bilíngue (BRASIL, 1996).

A aprovação da Resolução da Câmara de Ensino Básico – CEB n.º 03, de 10 de novembro de 1999, fixou diretrizes para o funcionamento das escolas indígenas do Brasil, estabelecendo a categoria de Escola Indígena, normatizando a formação específica do professor indígena e estabelecendo-lhe também uma carreira específica. Em seu artigo 8º, essa Resolução preconiza que ―a atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia‖. No artigo 9º, inciso II, preconiza, ainda, que aos Estados competirá promover a formação inicial e continuada de professores indígenas. Desta forma, a partir de então, os Estados não podem mais ignorar a especificidade da Educação Escolar Indígena, cabendo-lhe a tomada de providências para tal.

Em 21 de outubro de 2003 foi realizado em Brasília, por organização do MEC o Primeiro Seminário de Políticas do Ensino Médio para os Povos Indígenas, do qual surgiram como principais reivindicações: a construção de escolas e a formação de professores indígenas. Informações do Jornal Folhaonline, de 21 de outubro de 2003, colhidas durante o Seminário dão conta que até 2002 a política de educação indígena adotada pelo MEC era para o ensino fundamental. Durante o Seminário, representantes ali presentes elaboraram uma carta destacando a necessidade da inclusão do ensino médio na continuidade do processo escolar

específico e diferenciado nas aldeias, com enfoque no alunado jovem e adulto. Divididos em cinco temas, a Carta106 apontava diretrizes para a construção do ensino médio indígena:

Levantamento das experiências de ensino médio vividas pelos diversos povos indígenas;

Quais as conquista da educação escolar indígena? Como um ensino médio acompanharia as conquistas identificadas?

Ensino médio, identidade e sustentabilidade indígena;

A relação entre o ensino médio e ensino superior para os povos indígenas – a formação de professores indígenas para o ensino médio;

Concepções, formato e estratégias para um ensino médio indígena – O ensino médio que queremos.

Quais as conquistas da educação escolar indígena? Como um ensino médio.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Censo Escolar de 2006 teve um crescimento de 47% para oferta da educação escolar indígena nos últimos quatro anos, chegando ao número de 172.256 alunos na primeira fase do ensino fundamental quando em 2002, era de 117.171 alunos. A oferta da quinta a oitava série passou de 14,9%, em 2005, para 16,4%, em 2006. No mesmo período, o ensino médio passou de 2,9% para 4,4%. O número de escolas indígenas que atendem o ensino médio aumentou de 18, em 2002, para 91 escolas, em 2006.

O segundo Seminário sobre políticas públicas para o ensino médio indígena, em dezembro de 2006, não teve muitos avanços na discussão. Ao contrário, usando a expressão ―Estamos indignados [...]‖107, professores, lideranças indígenas e a Comissão Nacional de

Educação Escolar Indígena cobraram duramente a realização da Conferência Nacional da Educação Escolar Indígena. Acreditavam que somente a Conferência seria capaz de reunir o maior número de povos e garantir que a implementação da ―política pública educacional‖ obtivesse a anuência desses povos. Asseverando que não estariam dispostos a discutir nenhuma proposta de reformulação na educação escolar indígena até a realização da Conferência, em cujo documento constava que ―[...] qualquer outro encaminhamento que seja feito não corresponderá à vontade dos povos indígenas‖. Em maio de 2009, o Decreto nº 6.861108 vem afrontar a recomendação contida naquele documento final de 2006.

Em 2007, houve mudança na Coordenação Geral da Educação Escolar Indígena e, como que ―queimando etapas‖, o grande boom da educação escolar indígena passou a ser o

106Carta do Seminário: Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas. Brasília, DF, 22 de outubro de 2003. 107Documento Final do Seminário Nacional sobre Políticas Públicas para o Ensino Médio Indígena. Brasília-DF,

7 de dezembro de 2006.

índio no ensino superior109, seja pelo estímulo às cotas iniciativas de algumas universidades de

diferentes regiões do País, seja pelo Programa de Apoio à Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura para Formação de Professores Indígenas (PROLIND), ou ainda, pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI).

Penso que a queima de etapas se deu pelo motivo que o censo do INEP apontou. Havia uma demanda reprimida pela educação escolar nas comunidades indígenas em todo o Brasil e na medida em que essas comunidades vão se apropriando da escola com parte integrante de suas aldeias, novas demandas vão surgindo por novos níveis de escolarização, sobretudo o médio e o superior, e que o aparelho público federal não consegue, em sua estrutura político- administrativa, conseguir acompanhar. Essa deficiência no MEC torna-se mais grave em Estados que apresentam situações como o de Mato Grosso do Sul em que o ensino fundamental nas aldeias é operacionalizado pelos municípios e o ensino médio pelo Estado. O resultado final, ou seja, o aluno acaba recebendo a educação escolar de acordo com a configuração política regional. Além disso, o papel do MEC como responsável pela educação escolar indígena fica comprometido uma vez que quando os representantes dele vêm ao Estado, eles se reúnem muito mais com técnicos das secretarias, ou representantes políticos, do que propriamente com os índios atendidos ou atingidos. Uma ação louvável do MEC foi a realização de oficinas para técnicos das secretarias estadual e municipal para se trabalhar o Referencial Curricular para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998). Essas oficinas foram organizadas por módulos por área de conhecimento e ministradas por assessores contratados pelo próprio Ministério.