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CAPÍTULO I O POVO TERENA

1.3 OS TERENA DE LIMÃO VERDE

Nasci nessa aldeia. Localizada a 20 quilômetros do município de Aquidauana e a 51 quilômetros do distrito de Cipolândia. É cortada pela MS-345 constituída de chão batido e cascalho e que faz a ligação entre a cidade e o distrito e este com outros municípios, por exemplo, a cidade de Terenos. Sua sede está entre os morros Vigia e Amparo29 (assim

chamados pelos índios ali residentes). O Córrego João Dias nasce no território indígena, bastante famoso, que deságua no rio Aquidauana, depois de passar por vários sítios, fazendas e bairros.

É certo que com o avanço da tropa paraguaia naquela região os terena foram chegando e cada vez mais ―se enfurnando‖ na base da Serra de Maracaju. É uma comunidade considerada de tamanho médio pelo número de sua população com cerca de 1.500 habitantes, porém, grande em sua extensão territorial em relação a outras aldeias terenas, contando atualmente com uma extensão de cerca de 5.300 hectares30. Segundo Vargas (2003), em 6 de

fevereiro de 1928 foi assinado o Decreto nº 795 (BRASIL, 1928) que, apesar de não mencionar a ocupação terena, é considerado o primeiro documento estabelecido a favor dos Terena desta localidade, dispondo:

29 Nomes, segundo moradores mais antigos, recebidos durante a Guerra com o Paraguai. 30 Esse tema será comentado no capítulo II.

Artigo único – Fica reservada, no município de Aquidauana, para seu patrimônio, uma área de terras de 2000 hectares no lugar denominado Limão Verde, entre o morro Amparo e o Ribeirão João Dias, limitando com terras de Antonio Ignácio da Trindade, Manuel Antonio de Barros e do Patrimônio Municipal; revogados as disposições ao contrário. Palácio da Presidência do Estado, em Cuiabá, 06 de fevereiro de 1928, 40º República. Mário Correa da Costa. João Cunha. (BRASIL, 1928 apud VARGAS, 2003, p. 123).

Na sede da Aldeia, em uma disposição quase que circular estão a Igreja Católica, o Posto da FUNAI31, a escola antiga que parte dela se transformou na Associação de Moradores

e outra parte atende a educação infantil, o Posto da FUNASA, chamado de Farmácia desde os anos de 1970, quando a saúde indígena era gerenciada pela FUNAI. Essa disposição parece uma espécie de ―parque dos poderes‖32 e os visitantes que forem à Limão Verde

necessariamente tem que passar por esse ―parque‖.

A Aldeia apresenta alguns núcleos internos originados certamente a partir da formação da comunidade de acordo com a ordem de ocupação territorial33 e que atualmente

também representa forças políticas internas. É o caso de Buritizinho e Cruzeiro, conhecida pelos mais antigos como Mangarita34. No meu tempo de criança era quase comum nos bailes

que aconteciam na aldeia, em quaisquer núcleos, ocorrer brigas entre os moradores desses núcleos entre si ou ainda com moradores da ―sede‖ pelos motivos mais banais, numa tentativa de marcar território. Assim, o que acontece na sede da Aldeia, os núcleos tendem a querer copiar: times de futebol, associações, celebração do Dia do Índio, que até o início dos anos de 1990 eram realizados conjuntamente.

Na Terra Indígena Limão Verde há uma Aldeia menor denominada Córrego Seco que conta atualmente com cerca de 120 pessoas. Portanto, possui seu próprio cacique com liderança própria. E, também, em uma disposição similar à de Limão Verde, os prédios públicos localizam em disposição circular: a escola, o posto da FUNASA e a Associação de Moradores. Os serviços da FUNAI funcionam em conjunto com Limão Verde, ou seja, ou os moradores e/ou cacique se deslocam até o Posto da FUNAI para serem atendidos ou o chefe

31Esse posto é uma unidade administrativa da FUNAI e tem o papel de fazer encaminhamentos de documentos

administrativos dos índios e zelar pelo patrimônio ambiental da aldeia e representar o Órgão perante os demais Órgãos públicos.

32A igreja católica embora tenha mantido seu poderio em termos da política interna, não pode ser considerada na

mesma dimensão em que foi no passado e nem comparado ao papel que representa as demais instituições aqui citadas, pois as igrejas evangélicas têm tido maior poder de influência na política interna e mesmo o seu papel religioso tem sido muito mais eficiente no sentido de arrebanhar mais adeptos do que a igreja católica.

33Dentro da comunidade de Limão Verde tem o seguinte pensamento: o ―pessoal‖ de Buritizinho é de

Cachoeirinha e da Mangarita é de Ipegue.

34Recebeu esse nome em razão de ter existido na entrada desse núcleo uma grande árvore da fruta manga

de Posto35 faz visitas, ainda que de maneira esporádica, até em função da demanda existente

ser mínima em relação à Limão Verde. Sobre a educação, as séries inicias (1º ao 4º ano) oferecidas na forma multisseriada na Aldeia Córrego Seco é uma extensão da Escola Lutuma Dias de Limão Verde. Nas séries posteriores, os alunos têm que se deslocar até Limão Verde. Há, por parte da prefeitura, um atendimento deficitário de transporte para esses alunos. Trabalhei como professor nessa Aldeia. Atualmente um professor da própria Aldeia é quem ministra as aulas em dois períodos, ainda em regime multisseriado. A enfermeira também é moradora local.

Nas últimas três décadas, a Aldeia Limão Verde experimentou enormes transformações influenciadas pelo meio urbano, destacando-se: a escola, a energia elétrica, o posto telefônico, a água encanada, o transporte diário (há linha de ônibus que serve essa comunidade e seus produtores e/ou feiristas) e o Posto Médico.

A distribuição das famílias se dava pelo sistema piramidal. O pai tem uma posse que é simbolizada pelas árvores e pelas plantações, e o filho ao se casar receberá um pedaço de terra para formar sua lavoura. Exceto onde existe a criação de animais de grande porte, não há cerca separando os limites de um ―lote‖ para o outro, como em Bananal, Lagoinha e Ipegue. Esses limites são conhecidos por plantações ou matas. Já no caso das terras incorporadas recentemente existem essas cercas porque até o processo de demarcação eram fazendas ou sítios. A ocupação tem sido discutida entre o indígena interessado e a Liderança Tribal36.

Poucas são as casas que são feitas de maneira tradicional de pau a pique ou ainda com a utilização do adobe, palha de buriti ou sapé. A maioria é construída com telhado de amianto ou telha de barro (cerâmica). Nestes últimos cinco anos há investimento governamental para construção de casas, contribuindo ainda mais para o desuso da arquitetura tradicional. Talvez o processo de levar a energia elétrica às aldeias tenha estimulado essa nova arquitetura da moradia terena, além, é claro, da escassez da matéria-prima usada na tecnologia tradicional indígena para a construção.

Limão Verde é uma das aldeias terenas mais suscetíveis à incorporação de valores do entorno, sejam urbanos de outros povos indígenas ou da sociedade não indígena. A tese de que isso se dá pela proximidade com o urbano não resiste, pois, há aldeia em igual situação geográfica ou também próxima dos centros urbanos, mas que são mais fechadas nesse sentido

35 Esse Posto atende a Aldeinha de Anastácio também. Atualmente o chefe é não índio, mas, durante 15 anos até

2007, foram dois índios de Limão Verde que exerceram essa função.

36A Liderança Tribal é composta do Cacique e de conselheiros. O número de conselheiros varia de aldeia pra

e há aldeias bem mais distantes e que se assemelham ao fenômeno social recorrente em Limão Verde.

Na culinária tradicional, embora não muito usual, temos alguns produtos feitos da mandioca, tais como o hîhi e o lapapé (Figuras 4 e 5).

A medicina tradicional também é praticada. Há vasto conhecimento das plantas medicinais e utilizam essas ervas para preparar raizadas, xaropes, garrafadas e alguns tipos de chás. Há de se observar que esse uso é em escala bem menor do que em alguns anos atrás.