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3.4 O espaço privado das elites em Porto Alegre

3.4.1 A chegada da luz e dos eletrodomésticos a Porto Alegre

O processo de modernização inclui vários melhoramentos na cidade. O sistema de iluminação pública consiste em uma destas melhorias ocorridas no

século XIX. Constantino108 analisa um aspecto deste momento de Porto Alegre,

apresentando o crescimento e a urbanização focalizando duas dimensões: “o tempo noturno e as mudanças que acrescenta elementos da modernidade ao meio

urbano”109.

Até a chegada da luz elétrica a iluminação pública de Porto Alegre era precária. Eram usados vários combustíveis: o hidrogênio, o querosene e até óleo de baleia. Mas Porto Alegre foi a terceira cidade a implantar esse serviço no Brasil, quando em 1889 a concessão do serviço de iluminação elétrica foi dada a um

cidadão francês chamado Aimable Jouvin110.

108CONSTANTINO, 1994, p. 65 – 84. 109CONSTANTINO, 1994, P. 82.

110Em Porto Alegre, Aimable fundou uma companhia a que deu o nome de Fiat Luz – faça-se a luz, logo

após ter recebido a concessão do poder público para explorar a energia elétrica na Província. (FRANCO, 1992, p. 149).

Fig.129 - Anúncios em geral.

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Fig.130 - Fachada do edificio. Fonte:CEEE ERICO VERISSIMO, p. 80. Fig.131 - Interiores do edifício.Fonte:CEEE ERICO VERISSIMO, p. 81.

111 Em 1923 (data de fundação) a CEERG – Companhia Energia Elétrica Rio Grandense – instalou-se no

Rio de Janeiro, e estava ligada à Companhia Brasileira de Força Elétrica, Pertencente à American Foreign Poxwer Co. (AMFORP), do mesmo grupo da Eletric Bond & Share Corporation. (SCLIAR, Moacyr. In: BORDINI, 2002, p. 77)

112SCLIAR, Moacyr. In: BORDINI, 2002, p. 77.

Até a década de 20, várias usinas foram construídas em Porto Alegre. Faziam parte de três respectivas companhias elétricas. Eram a Fiat Luz, a Usina Municipal e a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense. Porém, em 1928, a CEERG – Companhia

Energia Elétrica Rio Grandense111, instalou-se em Porto Alegre, incorporando tais usinas.

Mas a sensação do ano de 1929 foi a inauguração da loja da companhia. A instalação da CEERG no prédio sito à Rua dos Andradas proporcionou que, no pavimento térreo, fosse oferecida uma loja de comércio, que divulgaria o conhecimento dessa energia ‘mágica.’ Nesta verdadeira celebração compareceram, além das autoridades, as elites porto-alegrenses, que faziam fila em plena Rua dos

Andradas para conhecer de perto as novidades (Fig. 130 e 131).

A própria loja era motivo de deslumbramento numa Porto Alegre ainda pequena e provinciana. Para começar, tinha quatro pavimentos, isso numa época de estabelecimentos pequenos, acanhados. No piso da entrada estava o lema da Companhia: “Servimol - o com prazer”- lema que era, alias, uma constante nos anúncios. Nesse piso estavam expostos eletrodomésticos. Grande novidade eram, por exemplo, os fogões elétricos. Para os porto-alegrenses, que ainda usavam fogões a lenha ou fogareiros a querosene, aquilo era uma maravilha: cozinhar sem fumaça, sem se esforçar para manter o fogo aceso... O sonho de qualquer dona de casa. No segundo piso havia um grande armário com balcão de vidro (de cristal, segundo os jornais da época) também com artigos a exposição. No terceiro andar havia um bangalô – modelo (morar em bangalô era, então, muito chique) mostrando tudo que podia ser movido a eletricidade em uma casa. (...)112

Desde então, os anúncios publicitários sobre estes eletrodomésticos começaram a ser divulgados na mídia local. Não com a mesma intensidade que se apresentam nos periódicos a partir de 1950, isso pelo investimento do governo federal, analisado no item anterior. Agrupando os anúncios de equipamentos e mobiliário, verifica-se que existe unidade, se relacionarmos os cômodos da habitação, como na cozinha, no dormitório ou na sala de estar, por exemplo. Sem dúvida a quantidade maior de anúncios que aparecem são referentes a eletrodomésticos de uso na cozinha. Geladeiras, fogões, liquidificadores e forno

elétrico são alguns dos exemplos usados (Fig. 132, 133, 134, 135 e 136).

Em decorrência do evento ‘energia elétrica’, uma verdadeira revolução para o modo de morar, a importância das máquinas no contexto da habitação é marcante, especialmente se compararmos com o número de anúncios de mobiliário de salas de estar ou jantar ou dormitórios, por exemplo. Isto demonstra o grau de modernidade que a habitação continha, conforme o número de maquinas em seu interior. Não se pode deixar de referir as idéias de Le Corbusier sobre a “máquina de morar”, em “Por uma arquitetura”.

132 133 Fig.132 - Refrigerador Kelvinator. Fonte: Jornal Folha da tarde, 22/02/1954.

135 136 Fig.134 - Refrigerador GE.Jornal Folha da tarde, 19/03/1954.

Fig.135 - Liquidificador Arno. Fonte: Jornal Folha da tarde, 19/03/1954. Fig.136 - Refrigerador Springer. Fonte: Jornal Folha da tarde, 12/02/1954.

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O apelo da publicidade é realmente criativo e insistente. Podem ser analisados vários pontos que certamente atingiram o público. São eles: as chamadas, como títulos que prendem a atenção; as ofertas, que muitas vezes oferecem ‘presentes’ aos compradores; os preços e as condições de pagamentos tentadoras; as imagens com grafismos expressivos e modernos; as lojas, situadas no centro de Porto Alegre e algumas inclusive com filiais em bairros da cidade; e as frases e expressões que enfatizam a funcionalidade dos aparelhos.

Os títulos abrangem desde condições de pagamento, como “Dê a entrada que quiser, e pague o restante em 10 suaves mensalidades.”, o conforto e a funcionalidade na habitação, como “Conforto...nos 4 cantos do lar! Com uma enceradeira EPEL, você verá como é fácil manter a casa limpa, com o mínimo esforço em tempo.”; ou ainda “A nova linha em liquidificadores Arno, moderno...

137 138 Fig.137 - Exaustores Contact. Fonte: Jornal Folha da tarde, 22/01/1955.

Fig.138 - Lavadeira Elétrica. Fonte: Jornal Folha da tarde, 29/12/1954.

139 140 Fig.139 - Rádio Mascote II. Fonte: Jornal Folha da tarde, 05/03/1954.

Fig.140 - Máquina de costura Elna. Fonte: Jornal Folha da tarde, 17/03/1955.

funcional...características exclusivas.” E também apresenta as novidades, como “...a

lavadeira elétrica em seu lar resolverá o seu problema”; ou ainda “a última palavra

141 142 Fig.141 - Anúncio: “Para você descansar amanhã”. Fonte: Jornal Folha da tarde, 09/02/1955.

Fig.142 - Anúncio: “Conforto e bom gosto”. Fonte: Jornal Folha da tarde, 08/03/1955.

As lojas também fazem questão de grifar seus nomes e inserir nos anúncios endereços das matrizes e filiais, em Porto Alegre e no interior, quando existiam. Para citar alguns exemplos eram as lojas: Lojas Segal Eletro Geral Limitada, na Av. Borges de Medeiros; Casa Coats S. A., com matriz na Rua dos Andradas e filial na Rua Sete de Setembro; Casa Victor S. A., com matriz na Rua dos Andradas e duas filiais, na Av. Presidente Roosevel e na Av. Assis Brasil; Imcosul, Companhia Importadora Sul Rio Grandense, Rua Dr. Flores e filiais no interior (Pelotas, Caxias); Sociedade Comércio e Refrigeração Springer Limitada, na Rua Conceição; M. A. Costa & Cia. Importadora, na Rua Senhor dos Passos; Loja Arno, na Rua dos Andradas; Pedrette & Cia. Ltda., na Rua Ramiro Barcelos. Percebe-se que além de lojas ao consumidor existiam também várias importadoras que vendiam diretamente ao público, como representantes autorizadas no Brasil.

As imagens apresentadas são, via de regra, desenhos com grafismos dos próprios aparelhos e dos usuários, que seguiam as feições daqueles americanos, cuja família seven up era usada como referência. Nos anúncios dos jornais da Folha da Tarde e do Correio do Povo, eram as mulheres que usualmente apresentavam os produtos. Esbeltas, com cortes de cabelos modernos, e vestindo roupas que parecem ter saído das revistas de figurino, a felicidade é expressa nos sorrisos

143 144 Fig.143 - Aspirador Epel. Fonte: Jornal Folha da tarde, 19/04/1954.

Fig.144 - Enceradeira Epel. Fonte: Jornal Folha da tarde, 22/02/1954.

das mulheres, e, diga-se de passagem, em lábios marcados por batons. A família feliz também comparece nas publicidades normalmente de refrigeradores, às vezes só o casal, às vezes o casal e os filhos.

Mas, além da mensagem do consumo propriamente dito, das facilidades dos eletrodomésticos, e das ofertas, preços e condições de pagamento, há, implícita, uma outra mensagem que diz respeito ao novo modo de morar. É a forma de utilização destes aparelhos, ainda não conhecidos pelas donas de casa. A mensagem aqui referida é aquela que ‘ensina’ ao usuário a manutenção dos produtos oferecidos. É

que se lê no anúncio do aspirador de pó (Fig. 143 e 144): “Com um aspirador de pó

EPEL, que possui 5 acessórios diversos para limpar tapetes, cortinas, poltronas,

etc..., haverá higiene rápida e absoluta em seu lar.” 113

Há também anúncios que oferecem a demonstração nas lojas e revendedores. As diferentes marcas de fogões, refrigeradores, liquidificadores, enfim, buscavam

a preferência dos clientes (Fig. 145, 146, 147, 148 e 149).

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Fig.145 - Fogão Dako. Fonte: Jornal Folha da tarde, 15/03/1954. Fig.146 - Fogão Bertoni. Fonte: Jornal Folha da tarde, 03/03/1954. Fig.147 - Fogão Lar. Fonte: Jornal Folha da tarde, 11/02/1954. Fig.148 - Fogão Franklin. Fonte: Jornal Folha da tarde, 19/11/1954. Fig.149 - Forno Layr. Fonte: Jornal Folha da tarde, 15/03/1954.

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V. também deve usar o fogão Bertolini em sua cozinha! Porque: sua chama clara e forte dá maior economia; seu manejo é fácil e pratico; o revestimento, esmaltado a fogo, é feito com chapas de qualidade; o recipiente transparente do querosene é adaptado ao próprio fogão, não exigindo pressão; é fabricado em 5 tipos, com 3, 2 e 1 bocas, cabendo em qualquer cozinha.114

Ou ainda:

O magnífico fogão LAR, a gás de querosene foi construído para dar maior conforto ao seu lar e maior descanso à sua dona. Apresentado com 2 ou 3 queimadores, com amplo forno e termômetro na porta para regular o calor. Sem fumaça, sem cheiro, sem ruído, sem mecha, não requer instalação.115

O novo modo de morar com a eletricidade vinha sendo incorporado à vida cotidiana dos porto-alegrenses. Seja através dos novos aparelhos e suas facilidades para as donas de casa, seja pelo conforto oferecido por estes. Mas sem dúvida a presença destas máquinas no interior das habitações oferecia um status de modernidade jamais conhecido. Além da publicidade feita nos jornais locais, houve também uma apresentação ao público específico das mulheres da classe média-alta. A Revista do Globo se incumbiu de realizá- la.