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3.2 História do ‘morar em apartamento’ no Brasil

3.2.2 A consagração do edifício de apartamentos no Brasil

A década de 40 marca a consagração do edifício de apartamentos no Brasil. Como cita Carlos Lemos, ‘é a última aquisição urbana brasileira’, que passa a conviver, especialmente nas zonas centrais das grandes cidades, com edifícios de uso comercial, de escritórios e também com os velhos casarões transformados em cortiços, hotéis ou pensões.

Contudo, em Belo Horizonte e Recife o edifício de apartamentos parece ter surgido tardiamente, se comparado às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O aparecimento da habitação coletiva nessas duas capitais coincidiu, no início da década de 40, com a implantação do movimento moderno.

A aprovação dos três primeiros projetos de “casas de apartamentos” – como eram denominados os edifícios de apartamentos na época – ocorreu em 1939, período em que também iniciou o processo de verticalização das edificações no

centro de Belo Horizonte70. Eram os edifícios Lutetia, à rua São Paulo esquina rua

Amazonas, edifício Teodoro, à avenida Afonso Pena esquina rua Tupinambás e o edifício San Marco, à rua São Paulo esquina rua Padre Belchior, todos na área

central da cidade71.

José Tavares Lira72 apresenta a idéia de ter sido realmente tardia a difusão

do modernismo arquitetônico em Pernambuco, somente em meados da década de 40, se comparado ao restante do Brasil, que ocorreu nas décadas de 20 e 30. Os primeiros protagonistas foram os arquitetos Luiz Nunes, João Correa Lima, Fernando Saturnino de Brito, entre outros. O autor associa o modernismo arquitetônico ao desenvolvimento dos edifícios de apartamentos, especialmente aos projetos de habitação econômica no Recife. Um dos primeiros exemplos é o Edifício Inconfidente, no Cais Martins de Barros, bairro Santo Antonio, região central da cidade. Sua construção data do inicio da década de 40 e o projeto é de Carlos

Frederico Ferreira73.

70 PASSOS, 1998, p. 17. 71 PASSOS, 1998, p. 39.

72 LIRA, José Tavares, IN: SAMPAIO, 2002, 52,53. 73 LIRA, José Tavares, IN: SAMPAIO, 2002, 56,57.

Especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, até o final da década de 40, os apartamentos eram alugados. Somente por volta de 1948 é que o boom imobiliário acelerou o processo de verticalização da cidade, através das normas impostas pelo condomínio.

Surgiu a popularização da figura do condomínio – da providência cooperativista facilitadora da obtenção da moradia própria. Apareceu o “condomínio pelo preço de custo”. Foi uma corrida geral e ficou patente que havia uma carência enorme de qualquer construção que satisfizesse a qualquer programa. Tudo que se planejasse tinha comprador certo – as vendas eram feitas antes do inicio das obras. Foi quando apareceu no mercado o apartamento mínimo composto de uma sala-quarto, banheiro e kitchenete – programa até então absolutamente inédito, cuja planta era nada mais que a reprodução de um quarto de hotel.74

No Rio de Janeiro esse processo teve início em 1946, quando foram aprovadas as plantas de urbanização e zoneamento de Copacabana, Flamengo, Larangeiras e do Catete, que estabeleceram a altura das edificações e o seu limite de profundidade em função da largura das quadras. A partir de então, o boom imobiliário de Copacabana acentuou-se com a substituição dos edifícios construídos no início da ocupação do bairro, por prédios modernos e de vários

pavimentos75.

Houve uma alteração nos costumes da sociedade brasileira nos anos 40, já perceptível, em menor escala, no decênio anterior. O amercan-way-of-life, difundido especialmente pelos cinemas, fascinou a sociedade, fazendo com que muitas pessoas abandonassem, em grande parte, seus hábitos franceses, já quase tradicionais.

A moradia também recebe essas influências, principalmente quanto ao seu funcionamento: era a casa patriarcal procurando ser a máquina americana utilitária, fenômeno sem respaldo necessário para persistir. Ficamos restritos a uma sala diretamente ligada à cozinha, ou a jardins de inverno; mas consagra-se, principalmente, o edifício de apartamentos. Nos grandes centros, o piano na sala vai ser substituído pela radiovitrola e pelos discos de 78 rotações, que começam a trazer para o Brasil a música norte-americana. Podemos até afirmar que a década de 40, principalmente o pós-guerra, foi muito mais uma preparação, uma transição, para a verdadeira revolução do que as duas décadas posteriores iriam apresentar.76

74 LEMOS: 1999, p. 80. 75 CARDEMAN, 2004, p. 54. 76 VERÍSSIMO: 1999: p. 75.

A sociedade incorporava hábitos culturais que se integravam entre si. Exemplo disso é o significado que o apartamento moderno assumiu para os amantes da música popular brasileira, especialmente a bossa nova. Nelson Motta relata essa cumplicidade entre arquitetura e música:

O apartamento de Nara (Leão) era um luxo, com dois salões envidraçados de frente para o mar de Copacabana. Chamava-se Champs Elysées, era um dos edifícios mais modernos e um dos endereços mais valorizados da cidade. Ipanema era quase só casas e árvores e a Barra da tijuca era selvagem e inacessível. Chique era a Avenida Atlântica. 77

Ressalta-se que o nome do edifício em que morava Nara Leão – Champs Elysées – ainda denota a influência francesa. Entretanto, muitas pessoas passaram a viver intensamente a arte do momento, e o apartamento presenciou e participou desse contexto. Nos tapetes macios do apartamento de Nara é que os “brotos” criavam a música do futuro, e utilizaram novidades absolutas como o piano elétrico. Era mesmo uma questão de atitude, que introduzia novos padrões de comportamento, com a encarnação da bossa nova, mais do que uma voz e um estilo, as pessoas assumiram uma “atitude

bossa nova”78.

Os edifícios de apartamentos já tinham sua posição consagrada. Até em áreas nobres, em bairros de elites, já se encontrava sua presença alterando o tradicional perfil das casas existentes. No Rio de Janeiro o excelente exemplo de edifícios de apartamentos no Parque Guinle, projetados por Lúcio Costa, inclusive adotou o modelo duplex, visando a uma parcela da sociedade de maior poder

aquisitivo79.

Nos anos 50, as habitações procuraram novos caminhos quanto ao aspecto formal e ao gosto moderno, com fachadas retilíneas, formas geométricas simples, janelas de correr – e principalmente, no final da década, a garagem começa a compor este novo vocabulário.

77 MOTTA, 2000, p. 28.

78 Para exemplificar, Nara Leão tinha mesmo um look diferente, era uma mistura, meio japonesa, meio

índia, meio existencialista francesa. Era o protótipo da “garota moderna”, com uma voz pequena e tímida, buscava quebrar tabus, trabalhar, ser independente e vestia-se de uma maneira cool e moderna com as saias bem acima dos futuros célebres joelhos. (MOTTA, 2000, p. 29).

Grandes conjuntos habitacionais foram construídos, alguns revolucionários como projeto. O exemplo do conjunto Mendes de Morais, no Pedregulho, Rio de

Janeiro, do arquiteto Affonso Eduardo Reidy80, procura interpretar modelos

estrangeiros, e propõe uma solução funcional para abrigar funcionários de baixa renda da prefeitura, não levada a bom termo por falta de ajustamento social. Trata- se de uma unidade de vizinhança, constituindo-se de apartamentos simples e duplex, escola, creche, jardim de infância, mercado, posto médico, lavanderia, além de equipamentos desportivos como quadras e piscina.

Ainda no Rio de Janeiro, a Zona Sul da cidade, principalmente Copacabana, torna-se um verdadeiro sonho para aqueles que procuram status, projeção, mudança de vida. E a especulação imobiliária, já bastante fortalecida, encarrega-se de tornar o sonho realidade e transforma a área praiana, ainda com alguns sobrados à beira mar, num verdadeiro labirinto de edifícios, um canyon de concreto armado, com habitações, ou melhor, apartamentos conjugados de quarto-e-sala. Enfim, verdadeiros cortiços verticais cujo objetivo era atrair a população sedenta da imagem da “Princesinha do Mar”, vendida em cartões postais, cinema e música.81 O breve panorama histórico do ‘morar em apartamento’ é importante para contextualizar esse modo de morar em Porto Alegre. Em linhas gerais, a cidade também seguiu os parâmetros brasileiros, visto ser uma grande cidade nos anos 40 e 50, semelhante a São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte. Com algumas diferenças, é claro, que irão caracterizar sua identidade.

3.3 Os modos de morar em Porto Alegre: