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3.1 O ESPAÇO PRIVADO: O APARTAMENTO NA HISTÓRIA

3.1.1 Antecedentes do apartamento moderno

3.1.1.3 Apartamentos do século XIX e início do século XX

O terceiro antecedente do apartamento moderno consiste no edifício de apartamentos dos grandes centros urbanos, no fim do século XIX e início do século XX. A unidade urbana é uma das características presentes nesses exemplos, como é o caso da Paris, de Haussmann e da Barcelona de Cerdà.

A importante experiência do imóvel de apartamentos parisienses do século

XIX30 não será vista aqui com detalhe. Mas, segundo Perrot31 pode-se identificar

uma relativa unidade no modo de vida burguês no século XIX, sobretudo na França.

30 Ver: SANTELLI, Serge. “Les immeubles de rapport parisiens”. In: Moments historiques, nº 108,

février, 1980. p. 27 – 32. ELEB, Monique; DEBARRE, Anne. L’invention de l’habitation moderne. Paris 1880-1914. Paris: Hazan/Archives d’architecturemoderne, 1995.

31 PERROT, 1991, p. 310.

Fig.115 - Configuração do corpo arquitetônico por meio da união de corpos parciais. Fonte: MÜLLER, 1995, p. 468.

Fig.116 - Configuração da planta por meio da união de grupos de espaços. Fonte: MÜLLER, 1995, p. 470. 115 116

A autora chama de casa-modelo a uma sutil mistura de racionalidade funcional e nostalgia aristocrática. Em contrapartida, as classes populares urbanas francesas desenvolveram de forma diferente sua intimidade, “amontoadas nos seus infectos pardieiros”. As maneiras de morar populares desconheciam ar puro e salubridade até fins do século XIX, embora já existisse a noção de moradia mínima, com normas

de cubagem de ar e conforto32.

Para atender parcialmente a essas exigências, na região central da Paris do século XIX, o administrador Haussmann estabeleceu uma legislação urbana que buscava arejar a cidade tanto no aspecto social como no aspecto físico. As relações entre altura máxima das fachadas e a largura das vias públicas deveriam ser

rigorosamente mantidas, com o principal objetivo de criar ruas “bem habitadas”33.

Esse é apenas um exemplo da intervenção urbana de Haussmann, mas que demonstra a dimensão da transformação ocorrida no espaço público e, por conseqüência, no espaço privado.

Guerrand34 apresenta as principais características dos apartamentos construídos

neste período, em Paris. Eram imóveis de aluguel proibitivo para quem não tinha uma posição social “séria”, ou seja, uma condição econômica mínima para manter o imóvel. Conforme o autor, estavam divididos em classes de imóveis de aluguel para a burguesia. Os de primeira classe, eram apartamentos de dupla orientação, um lado para o pátio e outro para a rua e era assegurado o aquecimento por caldeira. Possuíam quatro pavimentos, sendo três de pé-direito elevado e o apartamento do último andar que era habitado por uma família menos abastada. O acesso também mantinha a hierarquia, podendo ser pelo pátio ou por uma escada oculta.

O imóvel de segunda classe possuía um pavimento a mais, dois apartamentos por andar, apenas um poço no interior do prédio e os pavimentos inferiores eram usados como lojas. Nota-se a presença do zelador nesse tipo de imóvel, que faz o papel do proprietário que não morava no edifício. Havia ainda um último espaço no apartamento burguês, era o sexto andar. Os pequenos cômodos arrumados no sexto andar eram ocupados pelos domésticos, que não podiam mais dormir no espaço

de seus patrões, para evitar a promiscuidade35.

32 PERROT, 1991, p. 314.

33 GUERRAND, In: PERROT, 1991, p. 236. 34 GUERRAND, In: PERROT, 1991, p. 330, 331. 35 GUERRAND, In: PERROT, 1991, p. 338.

Ainda no século XIX a importante contribuição da Escola de Chicago36 fez

dos Estados Unidos um precursor na utilização da estrutura de ferro para a

construção de arranha-céus. Os primeiros apartment buildings37 foram derivados

dos melhores hotéis da cidade de Chicago, e ainda não possuíam uma identidade arquitetônica própria. Em Chicago, aparentemente o primeiro edifício de

apartamentos data de 1879, sobre o qual se sabe muito pouco38. De qualquer forma,

importante é salientar a influência oriunda dos hotéis. No início do século XIX, na América, o hotel era, sobretudo um local público para reunião de homens de negócios. Por volta de 1860, os hotéis começaram a acolher famílias e a promover

estadias de uma certa duração39.

Quanto ao espaço do apartamento propriamente dito estava dividido em sala, sala de jantar, quarto, escritório, cozinha e banheiro. Pode-se dizer que a maior inovação no projeto interno dos apartamentos foi a introdução de repartições móveis, por meio das quais as áreas da sala e da sala de jantar poderiam ser abertas para o escritório formando uma única e contínua peça. Esse plano interior tornou-se um aspecto importante nos projetos das casas de Frank Lloyd Wright, em torno de

190040.

Para citar alguns exemplos importantes do início do século XX, em Paris o

arquiteto August Perret41 realizou sua primeira obra significativa em 1903. O Edifício

da Rua Franklin, com vários pavimentos, situado num terreno entre divisas e com pouca profundidade. Perret projetou uma planta em U para buscar luz direta da

rua42, visto que era impossível abrir um pátio interno, devido às poucas dimensões

do terreno. Com a estrutura em concreto, gerou uma planta livre e, através de pilares dispostos a partir de distâncias regulares, possibilitou a alteração do número e da

36 Sobre a Escola de Chicago ver: MASSAU, Claude. L’architecture de e’école de Chicago. Paris:

Bordas, 1982; CONDIT, Carl W. The Chicago School of Architecture: a History of Commercial and

Public Buildings in the Chicago Área, 1875 – 1925. don: The University of Chicago Press, 1964.

37 O termo apartment buidings era utilizado na região de Chicago para designar os edifícios

suficientemente altos para ter um elevador. (WESTFALL, 1987, p. 269).

38 O primeiro edifício de apartamentos de Chicago é bem posterior aos precursores dessa mesma

tipologia nos Estados Unidos. Duas edificações seriam anteriores, uma em Boston, de 1857, e outra em Nova Iorque, de 1869. (WESTFALL, 1987, p. 288).

39 WESTFALL, 1987, p. 269. 40 CONDIT, 1964, p. 152.

41 Sobre Auguste Perret ver: BRITTON, Karla. Auguste Perret. Paris: Phaidon, 2003. Ver especificamente

o capítulo 4: “La syntaxe poetique de l’espace:les immeubles “, p. 134-157. GARGIANI, Roberto. Auguste Perret: la théorie et l’ocuvre. Paris: Gallinard, 1994. Ver, na parte 2: “L’idée de ville”, o capítulo “De l’immeuble de 25 bis rue Franklin aux ‘villes-tours’”, p. 218-235.

forma dos compartimentos internos de cada apartamento. Estrutura, ritmo e ordenação são algumas das características marcantes apresentadas nessa proposta.

Em Barcelona, na Espanha, a Casa Milá foi construída entre 1905 e 1910, constituindo um edifício de cinco pavimentos, na esquina da rua Graça com a Provença. Encontra-se na região atingida pelas alterações urbanas de Ildefonso Cerdá, cuja configuração da esquina segue a geometria das diagonais, onde se encontra a entrada do edifício. Nesse exemplo, as valorizações encontram-se em dois aspectos: o primeiro é a ocupação do lote, que mesmo cumprindo com a taxa de ocupação, manteve a intenção de contextualizar o edifício com seu entorno, especialmente com relação à escala; o segundo aspecto é a fachada interna, que se configura através de dois pátios internos criando corredores de acesso aos apartamentos. O tratamento orgânico de linhas côncavo-convexas é uma característica individual do arquiteto Antoní Gaudí, que não só nesta obra, marcou sua identidade e uma linguagem própria do modernismo catalão.

Estes antecedentes deixaram para os apartamentos modernos o conceito de morar coletivamente dividindo equipamentos e serviços, sem abrir mão da privacidade.