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3.3 Os modos de morar em Porto Alegre:

3.3.2 Apartamento dos anos 50: lugar de consumo

A partir dos anos 40 intensificou-se a influência norte-americana em Porto Alegre, sobretudo com a vertiginosa ascensão da propaganda, em veículos como a televisão, as revistas e os jornais. Com o incentivo, em âmbito nacional, para o consumo de equipamentos e máquinas em vários setores da sociedade, a habitação não poderia ficar de fora. E é com um apelo enfático que o “Correio do Povo” e a “Folha da Tarde”, dois importantes jornais de circulação porto-alegrense, apresentaram neste período os anúncios de eletrodomésticos, oriundos, na maior parte das vezes, da América do Norte, para as habitações modernas. Mas esse incentivo não ocorreu isoladamente. Na verdade, fazia parte do processo pelo qual o país estava vivendo.

93 MACHADO, 1998, p.253.

A segunda Guerra Mundial mudou o mundo. A década de 50 foi repleta de acontecimentos que envolvem desde a arte até convulsões e profundas transformações sociais passando por desenvolvimento e progresso. Em 1960, no Brasil, o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília, com planejamento urbano de Lúcio Costa e arquitetura de Oscar Niemeyer.

Juscelino Kubitschek de Oliveira enfocou o seu Plano de Metas, cujo símbolo maior foi a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Foram anos de intensa atividade econômica – com a reordenação do sistema de energia e transportes, instalação de estruturas industriais e de bens de produção (siderurgia, elétrica pesada, máquinas, construção naval) e o nascimento da industria automobilística brasileira – e de não menos intensa penetração do capital estrangeiro. Governando dentro de uma concepção empresarial e desenvolvimentista, sem levar em conta os custos, Juscelino atuou sob um lema que ficou famoso: “50 em 5”, ou seja, fazer o país crescer cinqüenta anos em apenas cinco. Cabe referir o papel prioritário dos Estados Unidos em termos de investimentos na indústria brasileira, que foi ampliada nos anos 50 absorvendo também capitais europeus e japoneses. Segundo Rodrigues, em 1958 estavam registradas como brasileiras 1353 firmas,

das quais 522 eram associadas ao capital norte-americano95.

A partir dos anos 50 o Brasil intensificou a construção de uma economia moderna. Era fabricado o aço, na Siderúrgica Nacional, na Cosipa, na Usiminas, na Acesita, em Tubarão, etc; o petróleo e sus derivados, que saíam da Petrobrás e de suas subsidiárias;

cresceram e se modernizaram as indústrias do alumínio, do cimento, do vidro e do papel96.

Essa aparente prosperidade era acompanhada, ao ritmo do surgimento da Bossa Nova no Rio de Janeiro, pelos dois campeonatos mundiais de futebol conquistados pelo Brasil e pela grande divulgação da arquitetura brasileira, sobretudo com as expectativas em torno de Brasília. A chamada “Era JK” (iniciais do presidente) trouxe uma série de inovações no quadro econômico brasileiro, mas deixou uma herança

crítica com inflação alta e déficit da balança de pagamentos97.

Além disso, durante os anos 50 o modo de vida dos moradores dos grandes centros urbanos mudou, adaptando-se a um ritmo cada vez mais acelerado. Para

95 RODRIGUES, 1992, p. 67. 96 MELLO, 1998, p. 562. 97 SEGAWA, 1999, p. 160.

uma parcela da sociedade mais abastada, o carro, fiador da liberdade de ir e vir, e símbolo do progresso, passou a ser visto como indispensável para vencer as

distâncias das cidades que se agigantavam98.

As senhoras que antes iam ao centro fazer compras, das quais fazia parte uma pausa para o repousante chá da tarde em elegantes salões, como o do Mappin, em São Paulo, foram substituindo este hábito pelo do “pulinho” rápido ao comércio do bairro, que cada vez mais se diversificava e se ampliava, oferecendo facilidades de estacionamento. Gradativamente as senhoras trocaram o “papinho” matinal com o dono do armazém ou da quitanda pela impessoalidade e rapidez oferecidas pelos

supermercados que, em São Paulo, começaram a ser instalados em 195399.

Toda esta penetração econômica ensejou, naturalmente, a necessidade de ampliação da penetração cultural, sobretudo, via cinema e imprensa, inclusive e principalmente como forma de intensificar a difusão e consumo de produtos norte- americanos. No que diz respeito ao ideário familiar norte-americano tratava-se de divulgar a imagem de uma família realizada, vinculando-a, concretamente, a produtos que poderiam ser consumidos em território nacional. Neste sentido – e com muito sucesso – penetrou a famosa família feliz: a família seven up (1945). Nos cartazes publicitários estão retratadas uma arquetípica família norte-americana se divertindo ao ar livre. A beleza jovial, os largos sorrisos, o pai tranqüilo (o pai está segurando uma vara de pesca) e a clara simbologia apresentam a bebida como um produto saudável, refrescante. No geral, em anúncios apresentados em revistas americanas vemos o conjunto da família - o pai, a mãe e o filho - todos com um franco sorriso no rosto, fazendo uso e apreciando os diversos benefícios e facilidades que os produtos

oferecem (Fig. 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127 e 128).

O consumo do alimento industrializado, já empacotado de fábrica em sacos de plástico, encantou a dona de casa brasileira. Chegou o extrato de tomate, a lata de ervilha, o leite condensado, a lingüiça e outros embutidos, a batata chips. A sociedade como um todo aderiu ao consumo, como o de refrigerantes que se multiplicou, a coca- cola, depois a pepsi-cola; o primeiro sorvete industrializado, o Kibon; os chocolates, o

Bis, o Sonho de Valsa e o Alpino; o chiclete Adams, depois o de bola, o Ping-Pong100.

98 RODRIGUES, 1992, p. 34. 99 RODRIGUES, 1992, p. 34. 100MELLO, 1998, p. 565.

Conforme Correia101, a “máquina de morar” apresentada pelo Movimento

Moderno, através de Le Corbusier, converteu-se em “máquina de consumir”. O período em questão foi foco de criação de necessidade subjetivas, promovendo o consumo de produtos de valor meramente simbólicos.

Entre as camadas altas e médias da população urbana brasileira assiste-se a uma padronização do consumo provocada pela expansão da propaganda, instrumento básico para a ampliação do comércio e da produção. Fios sintéticos, alimentos enlatados, eletrodomésticos e utensílios saltavam das coloridas páginas das revistas semanais criando novos hábitos e despertando necessidades. Esta é a época em que o avanço dos meios de comunicação de massa – imprensa, rádio, TV e cinema – marca o início da indústria cultural no Brasil. Seu poder homogeneizador, embora bastante forte, não pode ser tomado como absoluto. A padronização dos hábitos, do consumo e dos comportamentos atinge apenas parcelas da população, em parte devido ao baixo padrão de vida do brasileiro. Nossa cultura, até hoje, continua diferenciada e

marcada por conflitos de classe e por desníveis regionais102.

117 118 Fig.117 - Anúncios de geladeira. Fonte:The American Home, March 1980.

Fig.118 - Anúncios de geladeira. Fonte:The National Geographic Magazine, June 1950.

101CORREIA, 2004, p. 76. 102RODRIGUES, 1992, p. 35.

Fig.119 - Anúncio:“ O sensasional novo jeito de pintar”. Fonte: The American Home, March 1950.

Fig.120 - Anúncio:“ Congowall - Mágico e Moderno para as paredes americanas”. Fonte: The American Home, March 1950.

Fig.121 - Anúncios.

Fonte:The American Home, March 1950.

119 120

122 123 Fig.122 - Anúncio: “Crosley a cozinha completa”.

Fonte: The American Home, March 1950. Fig.123 - Anúncios.

Fonte: The American Home, March 1950.

124 125 Fig.124 - Anúncio de sofá cama.

Fonte: The American Home, March 1950. Fig.125 - Anúncios.

Cada vez as mulheres foram obrigadas a se igualar aos homens buscando trabalho “fora de casa”. Em 1960 a porcentagem de mulheres no mercado de trabalho era de 16,5% sobre o total da população feminina do País, contra 14,7%

do início da década anterior103.

A imprensa brasileira completa as transformações em curso durante a década anterior. O ritmo cada vez mais acelerado da vida moderna exigiu adaptações que tornassem o jornal um veículo dinâmico para a notícia e para a propaganda. Em 126

127 128 Fig.126 - Anúncio: “ O novo Zenith - rádio portátil”. Fonte:The National Geographic Magazine, June 1950. Fig.127 - Anúncio de televisão. Fonte:The American Home, March 1950.

Fig.128 - Anúncio do ar condicionado Carrier. Fonte: June, 1950.

função disso, modernizou-se a impressão, o aspecto gráfico, as técnicas de redação e lançaram-se suplementos semanais. As redações passaram a ser ocupadas por pessoal especializado, saído dos cursos de jornalismo criados no Rio de Janeiro e São Paulo no final da década de 40. Com eles vieram as técnicas do jornalismo americano, que, gradativamente, suplantaram a tradição francesa da imprensa brasileira.

Embora assumindo cada vez mais um papel significativo devido à rápida expansão urbana, os jornais não atingiam circulação nacional. Entre as revistas semanais, apenas O Cruzeiro, fundada em 1928, e a Manchete, lançada em 1952, alcançavam todo o país. Na década de 50 começou a aparecer nas bancas de jornal, então em franca expansão, um grande número de publicações dedicadas ao consumo em larga escala; entre elas inúmeras histórias em quadrinhos, revistas especializadas em rádio, TV e cinema, além de outras direcionadas especialmente

ao público feminino104.

A propaganda estabeleceu a conexão entre o consumo do apartamento e os novos produtos de higiene e conforto doméstico, representado por máquinas, equipamentos e técnicas importadas. Os anúncios intensificaram a presença nos jornais cariocas a partir de 1922, e contemplavam desde fogões à gás alemães “Otto”, até antena coletiva (para rádio) no prédio, passando por “Frigidaire”, louças

sanitárias, climatizadores “Carrier” e incineradores “Kieruf”105.

Encontrava-se à disposição as novidades para o conforto doméstico: o ferro elétrico, o fogão à gás de botijão, as panelas de pressão ou frigideiras de alumínio, o liquidificador, a batedeira, o secador de cabelos, a máquina de barbear, o aspirador de pó, a enceradeira, o rádios transistorado, com AM e FM, a televisão

preto e branco, depois à cores106.