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5. O reflexo de diferentes ideologias na percepção do risco: uma análise da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio

5.3. A ciência e as diferentes percepções do risco

A pesquisa realizada com os cientistas brasileiros revela a existência de um conflito em relação às ideologias antagônicas que conduzem a percepção sobre os riscos e a aplicação do princípio da precaução. Se por um lado é consenso entre os cientistas que a sociedade precisa de mais informação e conhecimento sobre as biotecnologias, por outro lado há uma total dificuldade para eles próprios ouvirem e discutirem biossegurança a partir das concepções de outras áreas do conhecimento.

Os 77 questionários aplicados em cientistas da área de biotecnologia no país revelaram que os cientistas têm, em sua maioria, uma visão da biotecnologia orientada pela ideologia tecnocientífica. De forma geral, creem na segurança dos alimentos transgênicos e preconizam que tais alimentos não revelam riscos significativos para a sociedade. Os gráficos 3 e 4 a seguir, ilustram essa percepção geral dos cientistas quanto à segurança e aos riscos relacionados aos OGMs.

Gráfico 3: Percepção dos cientistas quanto ao grau de segurança dos alimentos geneticamente modificados existentes no mercado

Gráfico 4: Percepção dos cientistas quanto ao grau de risco dos alimentos geneticamente modificados existentes no mercado

Fonte: questionários aplicados em 77 cientistas da área de biotecnologia.

De forma geral, os cientistas avaliam os alimentos transgênicos como altamente seguros e, consequentemente, a maioria dos respondentes vislumbra um cenário de riscos quase inexistente. Porém, na análise dos gráficos observa-se que um grupo minoritário de cientistas não demonstra convicção quanto à segurança para o consumo e, consequentemente, aponta riscos ou se posicionam numa situação intermediária (risco médio).

A grande maioria dos cientistas que apoia as biotecnologias afirma que após 15 anos de liberação comercial de produtos transgênicos, nunca foi detectado problemas para a saúde humana e animal. Esse discurso gera uma tendência de minimizar os riscos em torno das biotecnologias. Por outro lado, Fernandes (2007) revela que essa constatação de que em 15 anos não foram apontados riscos para a saúde humana não significa a ausência de risco. Em todo o mundo, são poucos os estudo independentes de biossegurança39. A grande maioria dos estudos é feita pelas empresas e nem sempre são publicados ou acessíveis à população. Além disso, a falta de rotulagem e de rastreabilidade impedem o monitoramento pós-introdução no mercado e, consequentemente, os estudos com a população. Como não há controle do produto, é impossível identificar o surgimento de alergias e resistência aos antibióticos, por exemplo. Também é cedo para identificar efeitos intergeracionais.

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Domingo (2007) analisou o estado da arte das pesquisas sobre segurança dos OGMs e concluiu que durante a primeira década de 2000 praticamente não foram publicados artigos em jornais científicos internacionais referentes a estudos humanos e animais sobre riscos toxicológicos dos alimentos geneticamente modificados. Mesmo assim, as avaliações dos órgãos de regulamentação nacionais afirmam que não existem riscos à saúde humana. O autor questiona a base científica pela qual as agências de biossegurança alegam inocuidade à saúde

Fernandes (2007) revela que, em pelo menos duas pesquisas independentes realizadas, foram detectados problemas de biossegurança. Cita a pesquisa realizada em 1990, por Pusztai e publicada na revista Lancet, em que ratos alimentados com batatas transgênicas apresentaram crescimento retardado, alterações no desenvolvimento de órgãos internos e do sistema imunológico. Outra pesquisa, realizada em 2001 por Chapela e Quist, publicada na Nature, confirma a contaminação por OGMs de variedade nativas de milho em regiões remotas do México.

Essas pesquisas foram contestadas pelas empresas de biotecnologia responsáveis pelos produtos estudados. Porém, como uma pesquisa feita pela indústria revela a inocuidade do produto e uma pesquisa independente revela problemas de biossegurança sobre o mesmo produto?

Essa questão é discutida por Marc Lavielle, matemático e membro do Haut Conseil

des Biotechnologies da França. Para esse matemático, as afirmações sobre a inocuidade

dos organismos transgênicos estão relacionadas às interpretações de dados estatísticos. Segundo ele, os testes efetuados em uma dezena de ratos durante algumas semanas não são suficientes para oferecer certeza sobre a inocuidade do produto, ou seja, com essa amostragem, as pesquisas realizadas pelas empresas garantem cerca de 60% de inocuidade. Uma mesma pesquisa pode concluir um diagnóstico totalmente contrário aos das empresas, baseado nos outros 40% (FOUCART, 2009).

Marc Lavielle discute a controvérsia ocorrida em torno do milho transgênico MON 863, da Monsanto. Os cientistas da empresa concluíram em 2005 pela ausência de diferenças significativas entre as amostras de ratos estudadas e pela inocuidade do produto. Porém, dois anos depois, pesquisadores franceses revelaram que, a partir dos mesmos dados estatísticos utilizados pela empresa, o milho MOM 863 havia provocado perturbações hepáticas e renais em uma parcela da amostra. Essas duas conclusões opostas, retiradas do mesmo experimento, revelam a manipulação de dados estatísticos. Laville salienta que os experimentos não oferecem 100% de segurança e que, por isso, as empresas não permitem acesso aos dados experimentais (FOUCART, 2009).

Por época da liberação do milho MOM 863 no Brasil, os cientistas da CTNBio apoiaram suas decisões nos resultados estatísticos das pesquisas da Monsanto, alegando que as pesquisas independentes, que apontavam problemas hepáticos e renais, não eram confiáveis.

Porém, o método estatístico indica um termo médio ideal de uma conjuntura de fatos e não o quadro de sua realidade empírica. Embora possa fornecer um aspecto incontestável

da realidade, também pode falsear a verdade factual, a ponto de incorrem em graves erros. Neste sentido, nota-se que, frequentemente, por meio da autoridade estatística, os cientistas transmitem uma cosmovisão irreal, uma imagem do mundo que exclui o indivíduo e que se torna alienante. Nesse processo, a razão do Estado é frequentemente exaltada e a verdade científica, calcada na análise estatística, torna-se inviolável e acima da crítica (JUNG, 1999, p. 4 - 7).

Os posicionamentos distintos quanto ao grau de risco e de segurança dos organismos geneticamente modificados são o ponto central do conflito e cindiram a comunidade científica. 68% dos respondentes do questionário reconhecem que existe um conflito em torno dos OGMs no país. Para 18% dos respondentes, o conflito ocorre devido às posições ideológicas de grupos contrários às tecnologias. Esses cientistas não percebem as ideologias que orientam a sua própria conduta em relação aos riscos inerentes às biotecnologias.

5.4. As diferentes percepções de risco na Comissão Técnica Nacional de