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A classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

3 A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURÍDICO DOS DIREITOS

3.2.1 A classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

Algumas das críticas tecidas quando do exame das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais serão aqui retomadas e servirão de base para a compreensão da problemática existente no atual cenário de crise na efetividade dos direitos sociais80, prestigiando-se o afastamento de certas construções doutrinárias em prol da prevalência de uma visão mais alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno.

Nesse sentido, importantes premissas devem ser postas: primeiro, a noção de universalidade e interdependência entre os direitos fundamentais conduz a insuficiência da tradicional distinção entre direitos positivos e negativos; segundo, é equivocada a afirmação de que somente direitos de segunda geração importam em uma ação do Estado que demanda custos financeiros; terceiro, o critério funcional de classificação dos direitos fundamentais que melhor se adéqua à nova ordem jurídica é o que divide os direitos em: direitos de defesa e direitos a prestações; e finalmente, a compreensão de que todas as normas constitucionais, até mesmo as ditas programáticas81 são aptas a produzir efeitos jurídicos independentemente de integração normativa.

Esmiuçando cada um dos pontos acima alinhavados, de início, tem-se que frente aos pressupostos de universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos fundamentais é vulnerável a classificação entre direitos negativos e positivos, visto que, na prática, a

80 STRECK, Lenio Luiz. A crise da hermenêutica e a hermenêutica da crise: a necessidade de uma nova crítica do direito. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 108.

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Nesse sentido, Artur Cortez Bonifácio expõe que: “de fato, até mesmo as normas de caráter institutivo ou de natureza programática, desprovidas de eficácia positiva, portam eficácia negativa, destinando as suas inferências para obstar o desenvolvimento de ações dos poderes constituídos, em contrariedade ao seu ambiente material. BONIFÁCIO, Artur Cortez. Normatividade e Concretização: a Legalidade Constitucional. In: MOURA, Lenice S. Moreira de (org.). O novo constitucionalismo na era pós-positivista: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 219.

positividade ou negatividade não reside no direito em si, mas, no dever consequentemente imposto pelo direito correlato.

Desta maneira, torna-se imprecisa a pura correspondência entre direitos de primeira dimensão como sendo negativos e de segunda dimensão como sendo positivos visto que, não só os direitos sociais, econômicos e culturais demandam, para serem assegurados, uma intensa atividade estatal, mas também os direitos civis e políticos, pelo menos no que se refere à proteção contra interferência de terceiro, bastando lembrar os encargos oriundos da atividade de polícia, segurança, defesa, justiça etc. Noutro pórtico, os direitos de segunda dimensão também possuem um viés de não interferência, típico dos direitos de primeira dimensão, pois tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruição desses direitos pelos respectivos titulares. Ressalte-se, ainda, que existem direitos sociais de efeitos genuinamente negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical).

Interligada a essa primeira premissa e reforçando a interdependência entre os direitos de primeira e segunda dimensão está a noção de que todos os direitos reivindicam custos ao erário para serem efetivados independente de sua classificação. Assim, se não de forma direta como ocorre com na disponibilização do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensão, pelo menos indiretamente, a garantia da livre fruição dos direitos civis e políticos exigem um alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como são os gastos com segurança pública e com as eleições, por exemplo, demonstrando-se impreciso e ingênuo82, portanto, o argumento de que certas nações só poderiam assegurar os direitos de primeira e não os de segunda dimensão.

Avançando, aduz-se que a classificação que melhor demonstra a natureza dos direitos fundamentais no contexto do ordenamento pátrio é a que divide os direitos em: de defesa e a prestações. O raciocínio é simples: os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos indivíduos, funcionando como limites ao poder estatal já que são outorgados direitos subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerência indevida do Estado e dos demais particulares; enquanto os direitos a prestações atrelam-se a ideia de direito do cidadão a uma ação dos poderes públicos objetivando, assim, não somente proteger o âmbito individual de liberdade e autonomia do indivíduo frente ao Estado mas também, assegurar a liberdade por intermédio do Estado83.

82HOLMES, Stephen & SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton 2000 apud FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 35.

83 Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificação se reporta às lições de Alexy depois desenvolvidas por Canotilho e adaptada ao ordenamento pátrio por Ingo Sarlet. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito

É importante ressaltar que essa faceta prestacional não engloba somente atos que importem prestações fáticas84 (como é a disponibilização do serviço de saúde pública) ao indivíduo, mas abrange, também, os atos que atribuem ao indivíduo uma posição relevante para a defesa de outros direitos, aproximando-se dos direito de participação na organização e no procedimento, bem como atos de proteção perante outros cidadãos, como por exemplo, por meio das normas penais.

Fechando o raciocínio proposto, relevante trazer à baila a visão de que todas as normas constitucionais, incluídas, portanto, as que dispõem sobre os direitos sociais, são perfeitamente aptas a produzir efeitos jurídicos independentemente de integração normativa. Isso ocorre porque, pelo simples fato de existirem, tais normas: (i) revogam os atos normativos contrários ao seu comando independentemente de controle, bem como serve de parâmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir; (ii) vinculam o legislador à obrigação de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de flagrante omissão inconstitucional; (iii) funcionam como parâmetro para interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e, embora não gerem direitos subjetivos propriamente ditos, (iv) dão origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o Estado se abstenha de atuar em sentido contrário ao seu disposto.

Desta maneira, desmistificando certos posicionamentos já ultrapassados, pode-se afirmar que todos os direitos fundamentais, sejam de garantia ou prestacionais, apresentam um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem são aptos a produzir certos efeitos jurídicos, formando-se, assim, um sistema unitário e aberto dentro da ordem constitucional pátria.

3.2.2 As dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla