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A normatividade dos princípios jurídicos e a distinção entre regras e

3 A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURÍDICO DOS DIREITOS

3.2.3 A normatividade dos princípios jurídicos e a distinção entre regras e

A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e, na sequência, por Robert Alexy95, desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princípios a qual foi difundida no Brasil ao final da década de oitenta e ao longo dos anos noventa do século passado. Essa Teoria é fruto do pensamento jurídico contemporâneo que, reconhecendo o sistema jurídico como um sistema aberto a partir de uma rede axiológica e hierarquizada de normas, prima pela atribuição de normatividade aos princípios e reconhece uma distinção de grau e qualidade entre regras e princípios.

A compreensão de que os princípios não seriam mais meras linhas gerais de conduta

destituídas de eficácia, mas sim autênticas espécies do gênero “normas jurídicas”, partiu da

constatação feita por Dworkin de que, assim como as regras, os princípios também possuiriam um caráter deontológico já que a solução dos chamados hard cases na maioria dos casos somente seria alcançada por meio da ponderação96 de princípios no caso concreto denotando,

93 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pp 78 e ss.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. In: Revista Interesse Público. Porto Alegre, v. 12, p. 91-107, 2001.

95 Sobre a noção de princípios de ambos autores conferir DANTAS, David Diniz. Interpretação Constitucional

no Pós-positivismo: teorias e casos práticos. 2° ed. São Paulo: Madras, 2005, p. 70.

96 Sobre a relação entre ponderação e o princípio da proporcionalidade, Daniel Sarmento aponta que: “na ponderação de bens, assume importância ímpar o princípio da proporcionalidade, sob a égide do qual devem ser efetivadas todas as restrições recíprocas entre os princípios constitucionais. (...) Conforme a doutrina mais autorizada, o princípio da proporcionalidade é passível de divisão em três subprincípios: (a) da adequação, que exige que as medidas adotadas tenham aptidão para conduzir aos resultados almejados pelo legislador; (b) da necessidade, que impõe ao legislador que, entre vários meios aptos ao atingimento de determinados fins, opte

portanto, o caráter normativo dos mesmos97. Desta maneira, admitida tal normatividade, passou-se a ser relevante a delimitação dos traços distintivos entre regras e princípios.

Nesse contexto, tal distinção tem como ponto de partida a análise do modo de aplicação dos enunciados normativos. Condensando as ideias dos doutrinadores acima citados, pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou princípios98. Os com caráter de regras são aplicados conforme a chamada máxima do “tudo ou

nada”, mediante subsunção, funcionando como “mandados ou comandos definitivos ou de definição” já que funcionam de maneira objetiva, sem abertura de margem para valoração por

parte do intérprete, ao qual caberá apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipótese de incidência, ou não, em caso negativo concluindo-se, desta maneira, que uma regra somente deixará de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for inválida99.

Por outro lado, os enunciado normativos que emanam princípios abrigam um valor, um fim a ser atingido e em uma ordem jurídica pluralista como a vigente, há a possibilidade de eventuais colisões. Desta maneira, como de iguais hierarquia, impossível a aplicação na

modalidade “tudo ou nada” devendo vigorar a ideia de “mais ou menos”, a partir do emprego

da técnica do sopesamento ou ponderação a qual avalia a dimensão de peso de cada princípio na situação concreta específica, optando pela proeminência de um, mas sem eliminar completamente o outro princípio. Nesse panorama, os dispositivos que emanam princípios

funcionam como “mandados de otimização”, visto que devem ser realizados na maior

intensidade possível. Daí dizer que os direitos neles fundados são direitos100prima facie, já que poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível.

sempre pelo menos gravoso; (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que preconiza a ponderação entre os efeitos positivos da norma e os ônus que ela acarreta aos seus destinatários. SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. In: TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2°. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 57-58.

97 Nessa linha, citando Alexy, Mariana Filchtiner assevera que tanto princípios como regras dizem o que deve ser, podendo ser formulados a partir da ajuda das expressões deônticas básicas do mandado, da permissão e da proibição configurando razões para juízos concretos de dever ser. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos

fundamentales. Tradución Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p.83 apud FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e

efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 107.

98Assevera Robert Alexy que: “tanto regras quanto princípios são normas, por que ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 87.

99BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Revista Jurídica UNIJUS, v. 11, n.15, Uberaba-MG, 2008, p; 13- 38.

100 SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. In: Revista de Direito do Estado 4. p. 23-51, 2006. p. 27.

Saindo um pouco do parâmetro do modo de aplicação da norma, outros traços distintivos entre regras e princípios podem ser apontados: a) os princípios têm um grau de abstração mais elevado que as regras; b) os princípios apresentam um grau de determinabilidade menor101 que as regras, visto que necessitam de mediações concretizadoras e as regras são aplicáveis diretamente; c) somente os princípios possuem um caráter estruturante na sistemática das fontes do direito; d) os princípios funcionam como fundamentos das regras jurídicas frente a sua natureza normogenética; e) ao passo que as regras congregam conteúdo meramente funcional, os princípios se aproximam mais da ideia de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigências de justiça; e f) para o conflito entre regras, a hermenêutica conta com os conhecidos cânones da anterioridade, especialidade e hierarquia, enquanto aos princípios é permitida a colisão que se resolve pela preponderância de um sobre outro à cada caso102.

Ultrapassados os tópicos anteriores, faz-se necessário fechar o raciocínio desenvolvido sob à ótica específica das diferentes facetas que o direito à saúde pode assumir, para só então analisar a problemática concernente a eficácia do cunho prestacional dos direitos sociais e suas implicações no que refere-se ao direito à saúde.