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5 A PROTEÇÃO JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE

6.1 A IMPORTÂNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFERÊNCIAS DE SAÚDE

6.1.1 Participação e saúde pública

A noção de uma democracia participativa liga-se ao próprio processo evolutivo da democracia ao longo da história, o qual é marcado pela passagem de uma soberania popular meramente formal, calcada na busca pela sustentabilidade e justificação dos governos, para uma visão material, em que se verifica a real preservação do exercício do poder político

343 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 3° ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 51.

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Sobre a questão democrática, Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema, que não se traduz num conceito único, mas em profunda controvérsia sobre a melhor versão possível da democracia. Na visão do referido autor, o debate circunda em torno da premissa majoritária como um ponto central, no sentido de que esta premissa indica que os procedimentos políticos devem se conduzir de tal forma que a decisão alcançada seja a resolução que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadãos, ou favoreceria se tivesse informações adequadas e tempo suficiente para esta reflexão, ao menos que esta direção valha para questões importantes.DWORKIN. Ronald. La lectura moral de la constituición y la premisa mayoritaria. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Universidade Nacional Autónoma de México, 2002. pp. 03-29.

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BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 509 apud CARNEIRO, Rommel Madeiro de Macedo. Teoria da Democracia Participativa: análise à luz do princípio da soberania popular. In: Revista Jurídica da Presidência da República, v. 9, n.° 87, out./nov. 2007, p. 29.

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A pretensão deste tópico é apenas alertar para a importância dos Conselhos de Saúde como instrumentos de aperfeiçoamento de uma democracia participativa, não se pretendendo, assim, desenvolver um exame a fundo das diferentes teorias acerca da democracia. Contudo, para o aprofundamento da questão, sobretudo acerca das diferenciações entre as correntes democráticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento de democracias procedimentais ou substantivas, conferir BIELSCHOWSKY, Raoni Macedo. Democracia Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013.

voltado aos fins coletivos, em um quadro de maior participação e responsabilidade dos governados.

Corrobora com esta visão o raciocínio, desenvolvido por Paulo Bonavides, no sentido de que, no processo de releitura da democracia, esta deixa de ser simplesmente uma espécie de regime político e passa a ser encarada como um autêntico direito (de quarta geração) que juntamente com o direito à informação e ao pluralismo formam a tríade necessária para a concretização da sociedade aberta, compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da liberdade dos povos347.

Nesse contexto, as concepções democráticas contemporâneas tidas como contra- hegemônicas acabam rompendo com a ideologia clássica de que o regime democrático seria uma elaboração teórica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a defender uma leitura da democracia como uma gramática de organização social e da relação entre estado e sociedade348. Dentre essas concepções, destaca-se as construções teóricas de interpretação da Constituição como elemento de uma sociedade aberta (Peter Häberle) e de democracia deliberativa (Jürgen Habermas).

De maneira sucinta, a concepção procedimental de democracia desenvolvida por Habermas buscou abrir espaço para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como prática da sociedade e não apenas como método de constituição de governos e a partir da noção de esfera pública (tido como o local em que os indivíduos pudessem discutir os problemas em busca de consensos), o referido autor propôs uma sistemática de superação dos limites da democracia representativa, baseada na capacidade da sociedade influenciar o processo político de tomada de decisão a partir de uma aberta discussão349.

A ideia de democracia deliberativa é, desta maneira, o ponto de partida para a compreensão dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participação política, como é o caso dos canais de participação que são abertos a partir dos Conselhos de Saúde e suas relevantes funções350.

347 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 17° ed,. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 571. 348 SANTOS, Boaventura de Sousa & AVRITZER, Leonardo. Democratizar a democracia: os caminhos da

democracia participativa. Porto: Edições Afrontamento, 2002. p. 15. Disponível em:

http://pt.scribd.com/doc/52853920/Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da- democracia-participativa . Acesso em: 14/06/2013.

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SILVA, Lillian Lenite de & AMORIM, Wellington Lima. Um balance teórico sobre a teoria da democracia deliberativa - As críticas de Joshua Cohen a Jürgen Habermas. In: Revista Interdisciplinar Científica Aplicada. v. 4, n. 1, Blumenau, 2010. p. 146.

350 Sobre a noção de democracia deliberativa, Cláudio Pereira de Souza Neto aponta que: “a democracia deliberativa surge, nas duas últimas décadas do século XX, como alternativa às teorias da democracia então predominantes, as quais a reduziam a um processo de agregação de interesses particulares, cujo objetivo seria a escolha de elites governantes. (...) A democracia deve envolver, além da escolha de representantes, também a

Conforme se verá mais adiante, uma das grandes problemáticas com relação aos Conselhos de Saúde é exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construídos a partir dos debates realizados e, quanto a esta questão, é pertinente o pensamento de Joshua Cohen com relação a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem das decisões políticas.

O referido autor também tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de democracia deliberativa, contudo, a preocupação do seu raciocínio é a operacionalização dessa deliberação a partir da institucionalização de arranjos de modo a efetivar não somente a participação, mas também as decisões dos cidadãos. Pugna, portanto, pela ampliação do pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera pública não devem só meramente influenciar as decisões políticas, uma vez que a legitimidade da democracia encontra-se exatamente na possibilidade das decisões serem tomadas conjuntamente entre Estado e membros da sociedade351.

Noutro pórtico, também merece atenção as lições de Häberle, cuja construção teórica tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do círculo de intérpretes da Constituição e na noção de interpretação como um processo aberto e público ínsito a sociedade plural352.

Desta maneira, ao trazer para a ciência hermenêutica a importância de uma interpretação da Constituição a partir de uma sociedade plural, elevando o povo à condição de intérprete e democratizando o processo de interpretação das normas constitucionais, referido autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os critérios determinantes do processo interpretativo e, por isso, o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353.

Para tanto, faz-se necessário, de modo a se alcançar a viabilidade prática da aludida teoria, a existência de uma Constituição aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de democracia participativa, podendo-se defender, nesse contexto, que a atual Constituição de 1988 se enquadra nessa moldura e a previsão da participação da comunidade no âmbito do SUS é um dos vários exemplos que respaldam esse enquadramento.

possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas (...) mas para que essa função se realize, a deliberação deve se dar em um contexto aberto, livre e igualitário. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação Pública, Constitucionalismo e Cooperação Democrática. In: BARROSO, Luís Roberto (org.) A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 43-44. 351

SILVA, Lillian Lenite de & AMORIM, Wellington Lima. Um balance teórico sobre a teoria da democracia deliberativa - As críticas de Joshua Cohen a Jürgen Habermas. In: Revista Interdisciplinar Científica Aplicada. v. 4, n. 1, Blumenau, 2010. p. 152.

352

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 17° ed, São Paulo: Malheiros, 2005. p. 465-466. 353 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 13.

Pois bem: feitas tais considerações, tem-se que já foi visto na presente pesquisa que o reconhecimento do direito à saúde como questão intrínseca à democracia e à participação social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na própria Constituição Federal (fruto dos esforços da base político-ideológica da Reforma Sanitária Brasileira) ganhando vida a partir dos Conselhos e Conferências de Saúde institucionalizadas como autênticos espaços de participação e controle social na saúde354.

Tal característica, ímpar entre os direitos sociais, além de corroborar com a ideia já defendida de estar o direito à saúde posicionado em uma espécie de primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreterível e polifacético, significa a adoção no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das políticas públicas em saúde devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo, reforçando a importância da democracia participativa na concretização do direito à saúde.

Desta maneira, são os Conselhos de Saúde e as Conferências as instâncias colegiadas que materializam a participação da comunidade na gestão do SUS, funcionando como relevantes instrumentos para a correção das problemáticas encontradas na efetividade do direito à saúde no cenário hodierno pátrio já que possuem responsabilidades tanto na elaboração das diretrizes das políticas em saúde como também no controle e fiscalização do atingimento das metas pactuadas.

Daí se dizer que tais Conselhos constituem instâncias de cogestão pública integrantes de um novo tecido social descentralizado e participativo, o qual possibilita o reconhecimento da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito à saúde dos ideais democráticos355, devendo-se, portanto, serem buscadas medidas que garantam o eficiente funcionamento dos mesmos.