• Nenhum resultado encontrado

Reestruturação dos Conselhos de Saúde e a efetiva democratização das políticas de

5 A PROTEÇÃO JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE

6.1 A IMPORTÂNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFERÊNCIAS DE SAÚDE

6.1.3 Reestruturação dos Conselhos de Saúde e a efetiva democratização das políticas de

As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relação às informações e conhecimentos necessários a uma efetiva participação nas deliberações) interferem diretamente na qualidade do processo decisório empreendido no âmbito dos Conselhos, sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condições equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diálogo e a um aperfeiçoamento do grau de legitimidade dos processos de deliberação373.

Para tanto, é fundamental se examinar as variáveis inerentes à qualidade desse processo decisório as quais envolve, dentre outros, pontos relevantes para se aferir o nível de efetividade do controle social sobre as políticas de saúde como: a existência ou não de debates prévios às decisões; a pluralidade dos interesses envolvidos; o nível de autonomia dos sujeitos para sustentar suas posições; e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na construção da agenda dos assuntos a serem enfrentados374.

Quanto a essas nuances, identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos Conselhos nas tomadas de decisão, especialmente da parcela de conselheiros representante

372

Considerado conselho-referência no ano de 2009 por apresentar um alto nível de amadurecimento e realizar um bom trabalho no controle da saúde municipal, o Conselho Municipal de Saúde de Pará de Minas/MG, por exemplo, divulga na imprensa local todas as suas ações sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da comunidade da região. Orientações para conselheiros de saúde / Tribunal de Contas da União – Brasília : TCU,

4ª Secretaria de Controle Externo, 2010, p.54. Disponível em:

http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057626.PDF . Acessado em: 15/06/2013.

373 Pertinente à celeuma do déficit democrático dos Conselhos de Saúde é a crítica de Diego Valadés, perfeitamente também adequada a estes espaços democráticos, acerca da crise de qualidade representativa dos partidos políticos e o consequente enfraquecimento da participação popular no âmbito dos mesmos. Na visão do referido autor, sob um prisma de democracia constitucional, é necessária uma regulação jurídica mais eficaz dos partidos, que ao exercerem um quase monopólio das vias de participação, precisam ter internamente garantidos um mínimo de qualidade democrática, evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor. Neste viés, aponta o mesmo que a participação popular e soberania do povo não é contrária a governabilidade, ou contra a legitimidade dos partidos e eleições como instrumentos básicos de divisão do poder. Contudo, na democracia constitucional se exige algo a mais que a mera adesão as propostas programáticas e listas eleitorais, se tratando de uma cumulação de direitos, com a possibilidade de se exigir contas, avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadão, propostas que se enquadram perfeitamente as necessidades da participação nos Conselho de Saúde. VALADÉS, Diego. Cinco grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI. In: Revista Latino- Americana de Estudos Constitucionais. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2010, p. 598-612.

374 TATAGIBA, Luciana & TEXEIRA, Ana Claudia Chaves. O papel do CMS na Política de Saúde em São Paulo. In: Caderno n.° 29 do Observatório dos Direitos do Cidadão. São Paulo: Pólis/PUC-SP, 2007. p. 10.

dos usuários, visto que, quando o governo propõe a inclusão de determinado tema na pauta dos mesmos, os programas e políticas quanto a esta temática já são quase sempre pré- definidas, ocasionando certo esvaziamento do papel prévio dos Conselhos, os quais ficam com suas atividades restritas à questões meramente formais acerca da execução e implementação da política já previamente elaborada, sendo raro a oportunização de se discutir no âmbito dos Conselhos os aspectos referentes à etapa de elaboração375.

Vislumbra-se, desta forma, que o governo, na maioria das vezes, apenas cumpre o rito de apresentação e informação acerca da implementação de uma política elaborada, havendo uma clara dissociação entre a agenda das políticas e a dos Conselhos, prática que atenta contra a própria natureza de tais órgãos de deliberação e enfraquece sua essência democrática uma vez que, quando são convocados para a discussão do que já foi previamente elaborado, aos mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidência sobre o núcleo duro das políticas de saúde376.

Desta maneira, vê-se que a configuração dos Conselhos de Saúde como efetivos espaços de deliberação das políticas de saúde depende diretamente do comprometimento do Poder Público em compartilhar com tais órgãos um nível simétrico de capacidade tanto de elaboração quanto de decisão com relação a agenda das proposições e prioridades a serem seguidas.

Nesse sentido, a simples criação de tais espaços deliberativos, por si só, não significa garantia de efetividade para a democratização das políticas de saúde, a qual somente poderá ser alcançada com a correção dos inúmeros problemas práticos identificados na organização dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsões constantes na Resolução n.º 333/03 do Ministério da Saúde e na Lei n.º 8.142/90 já examinadas377.

375

Nesse sentido, os conselheiros representantes dos usuários muitas vezes não possuem papel relevante na discussão, a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovação dos anseios dos gestores. ESCOREL, Sarah & MOREIRA, Marcelo Rasga. Desafios da participação social em saúde na nova agenda da reforma sanitária: democracia deliberativa e efetividade. In: Participação, Democracia e Saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2009, p. 240. Disponível em: http://www.cebes.org.br/media/File/livro_particioacao.pdf. Acesso em: 15/06/2013.

376PONTUAL, Pedro. Desafios à construção da democracia participativa no Brasil: a prática dos conselhos

de gestão das políticas públicas, p. 11. Disponível em: http://www.polis.org.br/uploads/534/534.pdf . Acesso em: 16/06/2013.

377Reforçando esse raciocínio, Pedro Pontual pondera que: “apesar do avanço que representaram os conselhos em muitos aspectos, no sentido da democratização e maior controle social das políticas públicas, tal experiência não teve ainda a força e as qualidades necessárias para produzir os impactos políticos necessários para alterar a lógica clientelista que marcou historicamente a relação do Estado com o sistema político-partidário que dá sustentação á eleição dos representantes pelo voto universal. Tal lógica é a matriz de velhos e conhecidos mecanismos de corrupção, fisiologismo e apropriações privadas de recursos públicos que de há muito são praticadas em relação ao Estado e aos recursos públicos. Esta lógica adquiriu tal força que até mesmo as forças sociais e políticas que lutam pela sua alteração radical não estão imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se presas do clientelismo tão combatido. PONTUAL, Pedro. Desafios à construção da democracia participativa

Corroborando com a visão acima, diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378 comprovam a ineficiência dos Conselhos de Saúde e retratam os problemas conjunturais supra mencionados, o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata reestruturação de tais instrumentos379, sobretudo a partir da atuação do Ministério Público na fiscalização do implemento das obrigações legais dos mesmos, vislumbrando-se possível a atuação judicial no sentido de que a legislação mencionada do tema seja respeitada e eficientemente cumprida na prática.

Além do apoio do Ministério Público na fiscalização quanto ao respeito das diretrizes funcionais de tais Conselhos, é certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir uma melhor abertura desses espaços democráticos, como é o caso das Organizações Não Governamentais ligadas à área de saúde e as comissões de saúde tanto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias públicas que podem, mediante ações específicas, incentivar (sobretudo, pelas redes sociais na internet), a maior participação da sociedade380 a partir da divulgação de detalhes quanto as reuniões, eleições e estruturação dos Conselhos.

Os Tribunais de Conta, por sua vez, também exercem papel relevante nessa jornada. Já foi visto que, devido às previsões constantes no art. 77, III, § 3° do ADCT e no art. 33 da Lei do SUS, foi conferido aos Conselhos de Saúde o importante poder de fiscalizar os recursos

destinados às ações e serviços públicos de saúde “sem prejuízo do disposto no art. 74” da CF,

ficando implícito, com tal ressalva, que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao no Brasil: a prática dos conselhos de gestão das políticas públicas, p. 17. Disponível em:

http://www.polis.org.br/uploads/534/534.pdf . Acesso em: 16/06/2013. 378

Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos é baixa e na maioria das vezes suas atividades são focadas em procedimentos burocráticos, constatações refletidas na falta e capacitação dos conselheiros os quais, na maioria das vezes, não foram instruídos de modo a ter a exata noção acerca de suas relevantes atribuições. Nesse sentido, confiram-se, dentre outras:

http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=165:conselhos-de-saude-sao- ineficientes-e-nao-representam-a-populacao&catid=34:ciencias-da-saude;

http://www.sociologia.ufsc.br/npms/ines_pelizzaro_raquellen_milbratz.pdf;

http://www.scielo.br/pdf/rap/v43n6/07.pdf . Acessadas em: 15/06/2013. 379

Muitas vezes a própria autonomia que é concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejável que é o fato de as disposições constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar seguindo fielmente as diretrizes da Resolução n.º 333/2003, ou até mesmo subvertendo-as, quadro que termina engessando a atuação desses órgãos deliberativos e enfraquecendo a própria efetividade democrática dos mesmos.

380Dados do relatório final da 14° Conferência Nacional de Saúde ocorrida em 2012 respaldam a importância da participação da população nesses fóruns deliberativos, sendo destacado que para a realização da mesma ocorreram previamente 4.374 conferências municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca de 78% do total das conferências esperadas, marca que pode ser considerada como histórica no quadro de lutas pela saúde pública no país. Relatório final da 14ª Conferência Nacional de Saúde. Todos usam o SUS: SUS na

seguridade social: Política pública, patrimônio do povo brasileiro / Ministério da Saúde, Conselho Nacional de

Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012, p. 9.

Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/img/14_cns%20relatorio_final.pdf. Acessado em: 17/06/2013.

controle interno do próprio Executivo o qual, por sua vez, tem a finalidade de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional, sendo este exercido com o apoio dos Tribunais de Contas.

Depreende-se desse raciocínio que os Conselhos de Saúde podem atuar em parceria com os Tribunais de Contas e essa relação torna-se benéfica para uma maior eficiência no desenvolvimento das funções de ambos381, o que contribui para a ampliação, na sociedade civil, da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das políticas públicas382. Nesse raciocínio, os Tribunais de Contas ganham, já que suas ações são reforçadas pela cooperação das comunidades diretamente envolvidas; os Conselhos de Saúde, também, uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto público e na identificação dos recursos transferidos; e, finalmente, a população, que fica respaldada por uma fiscalização mais incisiva contra a má utilização dos recursos e corrupção. A ideia defendida nesse tópico, portanto, é a de que os Conselhos de Saúde, autênticos canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das políticas públicas em saúde, são importantes mecanismos de concretização do direito à saúde no ordenamento pátrio e, como não é dada a atenção necessária aos mesmos (uma vez que a configuração legal prevista para o mesmo é subvertida na prática por inúmeros vícios383), o apoio de outros atores (incluindo-se o papel do Judiciário ao primar pelo cumprimento do arcabouço legislativo que rege tais Conselhos) é medida salutar para a melhoria da eficiência democrática desses espaços384.

Outro aspecto essencial à concretização do direito à saúde a ser estudado a seguir diz respeito aos gastos em saúde e a consequente necessidade de que o caráter prioritário desse

381

O Tribunal de Contas da União já realizou inúmeros projetos ligados ao estímulo do controle social, sobretudo, com relação aos Conselhos de Saúde, destacando-se, por exemplo a elaboração do documento Orientações para conselheiros de saúde / Tribunal de Contas da União elaborado pela 4ª Secretaria de Controle Externo do TCU no ano de 2010, o qual pode ser consultado no sítio eletrônico a seguir:

http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057626.PDF . 382

ZELENOVSKY, Maria Antonia Ferraz. O Tribunal de Contas da União e os Conselhos de Saúde: possibilidades de cooperação nas ações de controle. 2006. p. 15. Disponível em:

http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2054998.PDF. Acesso em: 14/06/2013.

383 Alguns vícios, já apontados, como a burocratização dos conselhos, o corporativismo, a partidarização, a falta de representatividade são indicativos claros para essa reflexão e eventuais mudanças de enfoque, ou mesmo, adoção de novas iniciativas. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. A construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006, p. 237.

384

Corroborando com esse posicionamento, Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posição renovada de controle com relação à saúde é marcada não só pela criação dos Conselhos de Saúde, como também pelo fortalecimento das ações do Poder Legislativo, através das Comissões de Saúde das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais; pela maior participação do Ministério Público e pela nova posição do Judiciário agindo energicamente no combate aos maus gestores. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Direito Constitucional atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 345.

direito seja garantido desde a fase orçamentária, destacando-se, nesse ponto, temas importantes como a possibilidade de se criar, em todas as esferas de governo, mecanismos de participação e controle social do ciclo orçamentário.

6.2 A PROBLEMÁTICA DOS GASTOS EM SAÚDE PÚBLICA E A NECESSIDADE DE