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A compaixão como valor e a crítica ao valor da compaixão piedosa

1. A compaixão como ensaio

1.2. A compaixão como valor e a crítica ao valor da compaixão piedosa

Em consonância aos autores com os quais estamos trabalhando, assumidamente influenciados por Nietzsche, discorreremos nesta sessão a respeito de uma ideia deste autor, bem como de uma noção cunhada por ele, qual seja, a valoração e a transvaloração. Gostaríamos ainda de ressaltar estas ideias relacionando-as à questão do ensaio11. A palavra

ensaio viria, segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Houaiss, 2014), do latim tardio exagium, 'ato de pesar', e por extensão, 'ponderar, avaliar'. Remontando à frase de ádo o,àdeà ueàoàe saioà efleti iaà oàa adoàeàoàodiado ,àte osàaàideiaàdeàa aliar e estimar, ou, na linguagem de Nietzsche, a valoração. Em alemão, valoração se diz Wertschätzung. Tal ideia aparece na primeira dissertação de A Genealogia da Moral e, segundo o tradutor Paulo César de Souza, Wert é valor e schätz, estimar, avaliar. Daí a tradução como valorar. Aparece ai daà oà )a atust a :à Valo esà foià oà ho e à ueà p i ei a e teà p sà asà oisas,à pa aà seà conservar – foi o primeiro a criar sentido para as coisas, sentido humano! Por isso ele se ha aà ho e ,àistoà ,àoàesti ado . à12 O verbo no infinitivo nos indica que valorar é um

modo, um procedimento; um fazer que se dá no infinito, não esgotando-se numa determinada ação. Daí a valoração desembocar numa transvaloração, algo próprio à vida e que a filosofia assume como tarefa: estar sempre fazendo a crítica aos valores estabelecidos como sagrados e inquestionáveis, com vistas à criação de novos valores (Nietzsche, 2009, p.17).

A grande crítica de Nietzsche será à valoração do juízo moral do não egoísmo, onde se insere sua crítica à compaixão piedosa, judaico-cristã (entendida como autonegação, alt uís o :à j à e à p i ípioà aà pala aà o à não é ligadaà e essa ia e teà aà aç esà oà egoístas à o oà ue à aà supe stiç oà da uelesà ge ealogistasà daà o al à i id.,à p.à .àà

11 Na Terceira Dissertação da Genealogiaà daà Mo al,à i tituladaà Oà ueà sig ifi a à osà ideaisà as ti os? ,à oà

afo is oà ú e oà à fi alàdoàli o ,àoàfil sofoàa u iaà ueàest àp epa a doàu aào aà ha adaà áà o tadeàdeà poder: ensaio deàt es alo aç oàdeàtodosàosà alo es .à ,àsu li hadoà osso,àp.à137.)

12I po ta teà àoà o e t ioàl i o àdoàt aduto à‘u e sàTo esàFilho:à — ho e ,àistoà :àoàesti ado à—

Me s h,à dasà ist:à de à “ hatze de :à na origem da palavra Mensch, mannisco, substantivação do velho-alto-

alemão mennisc (humano), encontra-se o radical indo-germânico men — (pensar), o mesmo que em latim deu

mens (mente) e mensurare (medir). Talvez Nietzsche se refira a este último sentido, tanto mais que "pensar"

guarda lembrança de: tomar o peso, ponderar. Schätzen por: estimar, avaliar, apreciar, daí Schätzende, o que estima, o taxador — "estimar, tesouro": schãtzen, Schatz — aqui é o e oà ueà de i aà doà su sta ti o. à (Nietzsche, Obras Incompletas, Coleção Os Pensadores, 1999, p. 217). Este comentário é reproduzido em nota por Paulo César de Souza, e àsuaàt aduç oàdoà )a atust a ,ào deàeleàta àfazàestaàdis uss oàeti ol gi a.à (Nietzsche, 2011, p. 320).

Estaríamos incorrendo num preconcepção ao equivaler não egoísmo e valor, quando este seria apenas um modo de valoração – existindo outros na história – não existindo uma ordem moral natural ao mundo.

A ideia nietzschiana da genealogia vem a ser justamente o questionamento da origem, por assim dizer, puramente racional dos conceitos. Segundo sua concepção de método genealógico, ao nos debruçamos sobre as nuances históricas que uma palavra vai adquirindo ao longo do tempo, cabe sempre perguntar: como enxergar nestas mutações os efeitos de relações de poder? Neste sentido, Nietzsche utiliza a pesquisa etimológica como apazà deà da à p e iosasà i di aç esà pa aà oà estudoà hist i oà daà e oluç oà dosà o eitosà o ais à i id.,à p.à .à Eà e e plifi aà o à aà ideiaàdeà ueà osà o eitosà deà o à eà au,à ueà podem ser tomados no sentido moral, espiritual, teriam a princípio origem numa o eituaç oà so ial.à Po à det sà deà o eitosà pu a e teà espi ituais ,à ossoà ge ealogistaà encontra relações de poder e desvela ainda a origem de uma crença bastante arraigada, qual seja, a da oposição de valores, como o bem contra o mal, o moral e o imoral, o espiritual e o mundano... Em realidade, tais dualismos seriam signos da oposição entre classes sociais. O o à se iaà o oà oà o e,à oà a isto ti o,à seà autode o i a,à e à oposição ao plebeu, o homem simples (aqui Nietzsche aproxima schlecht, ruim em alemão, de schlicht, simples). Dessa maneira, o filósofo chama atenção para que os sentidos dos conceitos não sejam t atadosà o oà iaç esà doà ada ,à ouà o oà alo esà ete os,à asà o o práticas contingentes (porém nunca aleatórias): valorações.

Podemos assim, tentar explicitar agora, o que queremos dizer ao falar que tomamos aà oç oàdeà o pai oà o oàu à alo .àCe ta e teà oài pli aàe àade i àaà e tosà alo esà hu a os àu i e sais,à asàsim em propor ensaiá-la, experimentá-la e prová-la, de modo a enriquecer seus sentidos, evocando as relações de poder e as disputas em torno destes. Não encontramos melhores palavras do que estas de Gilles Deleuze, numa entrevista, em 1968, para nos ajudar a elaborar a questão:

A noção de valor é estritamente inseparável: 1) de uma crítica radical e completa do mundo e da so iedade,àtalà o oàoàte aàdoà feti he àe àMa ,àouàoàdosà ídolos àe àNietzs he.à àdeàu aà iaç oà não menos radical, como a transvaloração de Nietzsche, a ação revolucionária de Marx. Ora, inevitavelmente, neste pós-guerra, o conceito de valor era utilizado, embora completamente neutralizado, já que lhe retiraram todo o sentido crítico ou criador (Deleuze, Sobre Nietzsche e a imagem do pensamento, 2006, p. 176).

A ideia central aqui é a do valor como crítica e criação – tal como interpreta Deleuze, o conceito nietzschiano de transvaloração – Umwerthung, termo que foi cunhado pelo

filósofo em Para Além do Bem e do Mal. O tradutor e estudioso de Nietzsche, Paulo César de “ouza,ài di aà ueàoàp efi oàale oà um àsig ifi aà o i e toà i ula ,à eto o,à uedaàouà uda ça .à Oà t aduto à e à uest oà optaà peloà te oà t es alo aç o,à j à ueà segu doà ele,à apenas o prefixo tres da iaà o taàdaà adi alidadeàda uda ça ,àsig ifi a doà pa aàal àouà at a sà de à 13. Outra tradução possível (presente em algumas traduções espanholas,

portuguesas e francesas, como a de Gilles Deleuze) seria transmutação de valores, termo que é ruim por não trazer o vocábulo relativo a valor, fundamental no original, porém interessante, segundo Paulo César de Souza, por remeter a alquimia, a uma operação mágica capaz de transformar algo sem valor, um elemento qualquer, em uma pedra valiosa. Optaremos pelo termo mais corrente entre os estudiosos brasileiros, (consagrado por ‘u e sà To esà Filhoà aà t aduç oà dasà O asà I o pletas à deà Nietzs heà aà Coleç oà Os

Pensadores), transvaloração, apesar de estarmos tomando como referência a tradução de

Paulo César de Souza.

Segundo Nietzsche, já teria havido, em realidade uma transvaloração na cultura ocidental que foi a passagem dos valores aristocráticos da antiguidade greco-romana, para os valores do cristianismo. A coragem de um ethos guerreiro, valorizada na moral antiga é substituída, com a ascensão das religiões cristãs, por um ethos do autossacrifício, cujo epítome seria a morte de Deus na cruz. Como lemos na seguinte passagem do Zaratustra, na seç oài tituladaà DaàGue aàeàdosàGue ei os :à

Dizeis que a boa causa santifica até mesmo a guerra? Eu vos digo: é a boa guerra que santifica toda a causa. A guerra e a coragem fizeram mais coisas boas do que a compaixão e o amor ao próximo. Não a vossa compaixão, mas a vossa bravura, salvou até agora os desventurados (2011, p. 47).

Éàaà oaàgue a ,à o a guerra que destrói o outro, mas sim a guerra em que se pode edi àfo ças,à ueà à alo izadaàpeloàfil sofo.àâàgue aà sa ta ,à ueàa eitaàaàdest uiç oàdeàsiàeà do outro como consequência inevitável de um bem maior, onde a morte é heroicizada como um sacrifício por valores maiores, Nietzsche contrapõe a metáfora da guerra como imagem de forças em conflito, onde é fundamental o modo de guerrear e a forma de perceber o adversário. Onde o outro com quem se guerreia é fundamental ao exercício da própria força e pot ia.àOài i igoà oà à au ,à o oàpa aàoàho e àdoà esse ti e to,à asà àta à

13 Posteriormente, em outra obra de Nietzsche onde o mesmo termo ocorre, Paulo César de Souza irá reconsiderar esta tradução; fazendo uma autocrítica, virá a considerá-laà e us ada:à oàsoaà atu alà o oàaà e p ess oà o igi alà soaà pa aà u à ale o .à “uge eà e t o,à e à ota,à e i a oltaà dosà alo es .à Nietzs he,à Crepúsculo dos Ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo, 2006).

u à o ,àse doà o side adoàu àopo e teà àaltu a:à Qua taà e e iaàaosài i igosà oà tem um homem nobre! – eà talà e e iaà à j à u aà po teà pa aà oà a o ... ,à dizà Nietzs heà (200 àe à áàGe ealogiaàdaàMo al à p.à .à

Já os valores morais provenientes do cristianismo, que pregam a renúncia de si, seriam valores que tornam a vida enfraquecida em sua potência, daí a necessidade de uma e i a olta àouàu aàsegu daàt a s alo aç oàdosàvalores. Assim, Nietzsche irá atacar, com ironia, tais valores, quando critica a compaixão (Mitleid) e a aponta, como um psicólogo, o oàu aàesp ieàdeàdisfa eàpa aàaàfaltaàdeàa o àp p ioàdoàho e à ode o:à Eleàsof e,à padece: mas para sua vaidade, apenas o pade e à14. O ideário compassivo seria, assim,

signo de uma decadência do homem moderno, extenuado com a má-consciência, vítima de séculos de propagação de ideais misantropos e hostis à vida. Nas palavras de Nietzsche:

Ao falar de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos força a estabelecer valores, ela mesma valora através de nós, ao estabeleceremos valores... Disto se segue que também essa antinatureza de moral, que concebe Deus como antítese e condenação da vida, é apenas um juízo de valor da vida – de qual vida? De qual espécie de vida? – Já dei a resposta: da vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo, 2006, p. 37)

Nosso filósofo-psicólogo está falando, portanto, da crítica à moral, dominante na modernidade ocidental, que se constitui enquanto um poder de julgar a vida. Encontra-se e à uest oà oà pode à dasà Ig ejas ,à todaà aà op ess oà dasà i stituiç esà – inclusive as pretensamente laicas - no cristia is o.àTodasàasà iol iasàe à o eàdeà ideaisà o es .àOà filósofo apresenta frequentemente a imagem do animal domesticado, o animal do rebanho, di i uídoàe àsuaàpot iaà sel age .àT azàai daàaài age àdoà esse ti e toàpo à eioàdeà imagens de animais peçonhentos e viscosos, ou produtores de teias que nos prendem, como asàa a hasàouàta tulas.àNoà )a atust a ,àa u da àasài age sàdoà ei oàa i alàeàaàfa osaà i age à dasà t sà eta o foses à ,à pp.à -29), onde são dois animais do deserto, solitários e resistentes (ao contrário dos animais de rebanho), os animais de sua eleição. Das três metamorfoses, a primeira é a do camelo, alegoria para o pesado, animal de carga, reverente e persistente, que diz sim à existência em todo seu peso. Depois ele se metamorfoseia em leão, animal que figura a altivez criadora, a nobreza e enfrenta o d ag o àdoà N oàfa s à o àu à Euà ue o! :à Todoàoà alo àj àfoià iado,àeàtodoàoà alo à

14 Em nota, o tradutor Paulo C sa àdeà“ouzaà ep oduzàoào igi al:à Er leidet: und seine Eltelkeit will, das er nur

ità leidet .à Eà e pli aà ueà oà e oà mitleiden – o pade e -se,à te à o pai o à – é composto de Leiden

[sofrer, padecer] e do prefixo mit [com]. O substantivo é composto apenas deste verbo substantivado: das

criado – souàeu.àE à e dade,à oàde eà aisàha e à Euà ue o!à .àássi àfalaàoàd ag o .à ,à p. 28.) E assim, vemos como aparece ainda um animal imaginário (lembrando que, antes de qualquer coisa, Nietzsche se apresenta como psicólogo): esse dragão, a quem o leão diz o seuà aisà est o dosoà N o! ,à se iaà aà alego iaà deà alo esà ile a esà ueà seà e p essam de fo aà p oi iti aà ouà i positi aà eà seà ue e à ú i os:à N o-fa s15 chama-se o grande

d ag o .à i id. .ààáoàe f e ta àoàd ag o,àoàle oà iaàaàli e dadeàpa aài e ta à o osà alo es.à Daí é que ocorre a terceira metamorfose, onde não basta dizer não, mas u àdize à si ! .àOà dizer sim, a afirmação da vida na criação de novos valores é a terceira e última metamorfose, a do leão em criança, signo da inocência e da abertura, do esquecimento do peso das tradições e mais ainda – do esquecimento como não ressentimento e atividade orgânica de oa-digest o à Fe az,à .àTal ezàhaja,à aà efe iaà à Va aàMalhada ,à o oà idadeàe à que Zaratustra se encontra ao pronunciar este discurso, uma alusão a este mastigar dos u i a tesà o oàpot iaàdeà oaàdigest o à– embora o tradutor Paulo César de Souza, em ota,àta à e io eà Va aàMalhada à o oàse doàoà o eàdeàu aà idadeà ueàoàBudaà te iaà isitadoàe àsuasàa da ças à Nietzs he,à ,àp.à .

Nietzsche suspeita do exercício da compaixão piedosa, tanto do lado de quem a recebe, como do lado de quem a exerce. Do lado de quem é objeto da compaixão, haveria pa aà ossoàauto ,àu àap isio a e toàe à o eàdaàp oteç oàaosà aisà f a os .àPo àisso,àaà obediência deste trará sempre em si, sob a capa da mansidão e da humildade, o resse ti e toàeàoà pe igoàdaà o dida 16. A periculosidade deste que recebe a compaixão

vem, portanto, de um sentimento de vida contrariada, que pode vir a revoltar-se. Será coincidência o termo pena ser tanto sinônimo de castigo quanto de piedade e comiseração? A pena, os trabalhos forçados, a domesticação, a escravidão, o racismo e o genocídio em

o eàdosà aisà o esàideais,àdaà p oteç o .à

Com relação a quem exerce a compaixão, vemos em A Genealogia da Moral, no capítulo sobre o ideal ascético, como o sentimento de culpa é fundamental. O sacerdote se

15Oàt aduto ,àPauloàC sa àdeà“ouzaà e eteà àli guage à í li a,àespe ifi a e teàaosà Ma da e tos ,ào deàaà

li guage àdoà oàfa s à àe p essaà aàfo aàdoà tuàde es ,àt aduç oàliteral do alemão du sollst, como em

Duà sollstà i htà t te à[N oà ata s]. Eàta à le aà ueà oà d ag o-se pe te àeà oà a i alà deà es a as à aparecem em alguns pontos da Bíblia, notadamente em o Apocalispse e no Livro de Jó (Nietzsche, 2011, p. 318).

16 Sobre a mordida, veja-se a nota 53 em Assim Falou Zaratustra, onde Paulo César de Souza comenta a explica

que, tanto em alemão quanto em português, a palavra remorso seria particípio passado da forma verbal latina

remordere, vinculando má consciência, culpa e agressi idadeà eati a.à Co oà aà e p ess o:à C edeà e à i ,à

utiliza deste para vincular sofrimento à maldade, dando desta forma, uma interpretação ao

sofrimento. Assim, ele produz a ideia do sofrimento como expiação do pecado, tornando-o

suportável e até mesmo desejável; intolerável seria sua falta de sentido. Assim, segundo esta interpretação, seria por meio da mobilização desta culpa que o sacerdote ascético comandaria o rebanho. Onde, buscando um alívio para o sofrimento da culpa, o indivíduo no rebanho promoveria a fuga de si próprio em direção ao outro, vivenciando tal renúncia a si como um sentimento sublime. Como podemos ler em A Genealogia da Moral, tratar-se-ia de uma espécie de embriaguez ou intoxicação:

Quisera saber quantos carregamentos de arremedo de idealismo, de atavios de heróis e matracas de ressonantes palavras, quantas toneladas de licorosa compaixão (nome da firma: la religion de la

souffrance [aà eligi oàdoàsof i e to] ,à ua tasà uletasàdeà o eài dig aç o àpa aàso o oàdosàp s-

chatos do espírito, quantos comediantes do ideal cristão-moral deveriam ser exportados hoje da Europa, para que seu ar se tornasse novamente respirável... (2009, p. 136).

Nietzsche está criticando, portanto, o sentimentalismo compassivo, como forma retórica, ideológica, mobiliza doà o aç esàeà e tesàe àto oà à o e ializaç oà o eàdaà fi a àdoàsof i e to.à

Talvez, a partir desta discussão sobre a crítica da compaixão em Nietzsche, possamos te à out aà o p ee s oà aà espeitoà daà fa osaà di isaà ietzs hia a,à Deusà est à o to .à Talà asse ti a,à uaseà u aà à o ple e tadaà ua doà itada:à Deusàest à o to;à o euàdeàsuaà o pai oà pelosà ho e s à ,à p. .à áà o pai oà ataà oà Deusà iado ,à ueà o eà – torturado na cruz – para expiar os pecados da humanidade. Nietzsche não quer que venhamos também, em nome da compaixão, a matar o homem, ou mortificá-lo, abrindo mão da criação como potência da vida, como um sacrifício em nome de uma crença no pecado e no mal, por oposição ao bem17.

As Igrejas são vistas como barbárie do cristianismo e a compaixão europeia como niilismo e ódio à vida, porque forma de cultivar esse espírito de rebanho, da obediência, em grande parte baseado na culpa e no ressentimento. Esta discussão torna-se especialmente relevante para nossa pesquisa, pois a figuração da compaixão, como endereçada aos pobres e desvalidos e ligada a uma determinada forma de exercício de poder é o ponto de

17 Em comunicação pessoal, a terapeuta e professora de psicologia Elizabeth Pacheco (2015) evoca, aqui,

reminiscências aos famosos versos de Arthur Rimbaud: Oisiveà je eusse/áà toutà asse vie/Pa à deli at sse/à J aià

perdu ma vie. Em tradução de Augusto de Campos (2002): Inútil beleza/A tudo rendida/Por delicadeza/Perdi

partida para as críticas às pretensões compassivas – seja da ação revolucionária, seja dos saberes e práticas das ciências humanas – e seu ide ioà p og essista à18.

Tendo apresentado aqui, de maneira resumida, a crítica de Nietzsche à compaixão piedosa, judaico-cristã, pretendemos ensaiar a seguir algumas ideias concernentes a compaixão budista, karuna. Será possível ensaiar, nesta aproximação. A transvaloração – ou transvariação – do tema da compaixão e, por meio desta reflexão, ensaiar a criação de novas maneiras de ser e de nos relacionar?