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2.2 OS ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS E A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS

2.2.2 A compartimentação geomorfológica e o mapeamento de solos

A cartografação dos compartimentos do relevo se constitui em uma importante etapa para a compreensão da distribuição espacial dos solos. Daniels e Hamer (1992) ressaltaram que o tipo de superfície (com predominância dos processos erosivos ou de deposição) determina a duração da formação dos solos e ajuda a predizer a variabilidade dos materiais dos solos.

Daniels e Hamer (1992) demonstraram a necessidade do cientista em entender os processos da paisagem para concluir adequadamente e interpretar corretamente seus experimentos. Neste sentido, Ruhe (1960) defendeu que qualquer estudo que conduz a um melhor entendimento do solo deve estar acompanhado de uma avaliação geomorfológica e de todo o contexto paisagístico. Existe, assim, uma relação entre o modelado do terreno e as classes de solos, havendo também paralelos entre o mapeamento do solo e o mapeamento da paisagem (CHRISTIAN; STWART, 1964).

Nesse sentido, Costa-Junior (2008) destacou que a dinâmica do sistema solo- geomorfologia resulta da “combinação de influências externas como a atividade tectônica, flutuações climáticas e mudanças internas como intemperismo, movimento de massa e mudanças no uso da terra” (COSTA-JUNIOR, 2008, p.178).

Segundo Salgado (2005), na linha pedogeomorfológica, o pedólogo utiliza os dados geomorfológicos para realizar a caracterização regional ou em uma primeira aproximação de unidades espaciais para coletas de amostras. Assim, os conhecimentos do solo e do relevo

46 podem propiciar um entendimento da dinâmica e do comportamento da cobertura pedológica (MORESCO; CUNHA, 2003; SALGADO, 2005).

Nesse sentido, é relevante discutir a vertente como categoria de estudo da geomorfologia. Assim, a vertente é uma unidade da paisagem comumente utilizada para os estudos de solos, pois é nela que ocorrem as variações de drenagem que permitem a variação lateral dos solos. De acordo com Ruhe e Walker (1968), a vertente pode ser definida geomorfologicamente como uma inclinação de uma parte da superfície da terra.

Para Christofoletti (1980), as vertentes são resultantes da interação dos processos endogenéticos (orogenia, epirogenia, vulcanismo) e exogenéticos (meteorização, movimentos de massa, ablação, transporte, deposição). Christofoletti (1980) considerou ainda que as vertentes se constituem em objeto primordial da geomorfologia, pois são componentes básicos de qualquer paisagem. A descrição das vertentes fornece, dessa maneira, informações básicas necessárias à caracterização de determinada área.

Ruhe e Walker (1968) propuseram uma classificação dos componentes geomorfológicos para o perfil da vertente, dividindo-a em: summit (topo), shoulder (ombro), backslope (encosta),

footslope (sopé ou sopé coluvial) e toeslope (sopé colúvio-aluvial), como demonstrado na

Figura 06.

Figura 06: No perfil da vertente encontram-se o topo (summit), que está na parte superior da mesma, e

sucessivamente encontra-se o ombro (shoulder), a encosta (backslope), o sopé ou sopé coluvial (footslope) e o sopé colúvio-aluvial (toeslope).

Fonte: Ruhe e Walker (1968).

O topo é caracterizado por ser uma parte convexa ou relativamente plana situada na porção mais elevada da vertente, também caracterizada por ser um divisor de água (interflúvio) entre dois ou mais sistemas de drenagem (KAMPF; CURI, 2012). O ombro comumente apresenta forma convexa-arredondada, situado entre o topo e a encosta, que por sua vez é linear. O sopé coluvial é, ao mesmo tempo, uma área de erosão e deposição, e a parte mais côncava da vertente. O sopé colúvio-aluvional, por sua vez, é resultado da deposição de sedimentos tanto

47 oriundos da erosão remontante da própria vertente, como da drenagem, se prolongando até a base da vertente (RUHE; WALKER, 1968).

Kampf e Curi (2012) explicitaram detalhadamente os processos gerais que ocorrem nos referidos compartimentos da vertente e algumas características pedológicas à eles associados em áreas úmidas (Quadro 02).

Quadro 02: Características dos elementos da vertente.

ELEMENTOS

DA VERTENTE CARACTERÍSTICAS

TOPO (INTERFLÚVIO)

- Acumulação de grande parte de água da chuva; área mais estável; e movimento vertical da água da chuva no solo, resultando em um solo com uma maior uniformidade;

- Maior movimento lateral nas proximidades do ombro e nas áreas de ondulações do interflúvio.

OMBRO

- Área convexa;

- Escorrimento superficial máximo, configurando uma superfície altamente erosional e relativamente instável;

- Dependendo do grau do declive o movimento lateral do material solo se constitui em um importante processo;

- Movimento subsuperficial importante, mas não uniforme.

ENCOSTA

- Predomínio do processo de transporte lateral de material e de água superficial e subsuperficialmente;

- Relativa instabilidade;

- Transporte superficial por escorrimento uniforme nas encostas relativamente suaves;

- Erosão em sulcos e acelerada se for uma área cultivada, sem vegetação protetora.

SOPÉ

- Área de deposição de material coluvial proveniente dos elementos da vertente que encontram-se acima e material trazido em solução via superfície;

- Suave concavidade com predomínio do escorrimento superficial; - Comuns afloramentos de água;

- Elevada retenção de água. SOPÉ

COLÚVIO- ALUVIONAL

- Predominância da deposição;

- Materiais aluvionais originados a montante do vale e material coluvial originados na encosta e no sopé;

- Ambientes fluviais com superfícies distintas, como o canal do curso d’água, o albardão e a planície de inundação.

Fonte: Adaptado de Kampf e Curi (2012).

De acordo com Kampf e Curi (2012), os solos localizados nos topos (interflúvios) mais largos (largura superior a 30m) tendem a ser mais profundos e uniformes, devido ao predomínio do movimento vertical da água. Em oposição os solos localizados nos topos mais estreitos e nas proximidades do ombro, em geral são menos drenados e menos profundos, devido à maior taxa de erosão. Kampf e Curi (2012) ressalvam que quando os interflúvios são muito amplos, pode ocorrer de os solos serem menos drenados que os solos dos topos estreitos ou próximos ao ombro. Bigarella et al. (2003) observaram que no interflúvio ocorrem processos pedogenéticos associados com a movimentação vertical da água subsuperficial no solo.

48 Oliveira (2013) ressalta que o relevo é determinante no controle entre a taxa de pedogênese (formação do solo) e a taxa de erosão. Como demonstrado na Figura 07, para a autora, de modo geral, a topografia plana favorece maior taxa de pedogênese, gerando solos mais evoluídos. No relevo íngreme, a taxa de erosão está diretamente proporcional à declividade, dando origem à solos mais rasos, ou mesmo a inexistência de solos. É importante ressaltar que existem exceções para esse modelo a depender das condições climáticas, geológicas, vegetacionais e até mesmo do uso atribuído à um solo.

Figura 07: características pedológicas em condições do relevo.

Fonte: Oliveira (2013).

Nos Tabuleiros Costeiros, Costa-Junior (2008) observou que, nos topos convexos e alta encosta (ombro), são encontrados Argissolos, enquanto nas demais superfícies das vertentes, que formam os vales, a ação da morfodinâmica elabora, principalmente Cambissolos e Neossolos, que se caracterizam por serem mais rasos ou pouco evoluídos nos seus horizontes pedológicos e, neste caso, refletem as características faciológicas do Grupo Barreiras (COSTA- JUNIOR, 2008).

Nunes (2011) defendeu que, nos Tabuleiros Costeiros, o entalhamento do relevo criou ambientes de drenagem diferenciados ao longo da vertente. O topo começou a funcionar como ambiente de saturação temporária de água, favorecendo o avanço da xantização (amarelecimento), enquanto que nas encostas a drenagem superficial é mais eficiente, dando

49 lugar à manutenção temporária de solos vermelhos. Desse modo, Nunes (2011) e Nunes et al. (2011b) sugeriram que a tendência atual dos solos vermelhos dos Tabuleiros desenvolvidos sobre os diamictitos ferruginosos ou ferricretes é o amarelecimento progressivo, com diminuição dos teores de ferro livre, iluviação progressiva de finos e transformação de solos com horizontes moderadamente coesos (textura média) para fortemente coesos (textura média/argilosa, arenosa/média ou arenosa/argilosa).

Bigarella et al. (2003) afirmaram que os segmentos próximos ao topo (ombro) são resultado do rastejamento do solo e do impacto das gotas de água da chuva. Para Kampf e Curi (2012), o ombro é uma zona com fluxo subsuperficial concentrado onde pode ocorrer o incremento na eluviação resultando em horizontes E (álbicos) mais espessos. Além disso os autores ressaltaram que em áreas em que a água se aproxima da superfície ocorre concentrações de Fe, Mg ou CaCO3. No entanto, a espessura e teor de matéria orgânica (MO) são menores devido à erosão.

Em geral, ocorrem nas encostas solos com horizonte A menos espessos, enquanto o horizonte B pode ser mais espesso em virtude da melhor drenagem e pode apresentar forte desenvolvimento da estrutura devido aos ciclos de umedecimento e secamento. Quando as encostas são muito íngremes, há o desenvolvimento de Neossolos Litólicos ou Regolíticos (KAMPF; CURI, 2012).

Para Bigarella et al. (2003), nas partes retilíneas da encosta predominam os processos erosivos representados pelo movimento de massa e pode haver afloramentos de rocha. Segundo Kampf e Curi (2012), é possível também que haja uma concentração do movimento subsuperficial da água nas proximidades da base da encosta ou na transição para o sopé, produzindo frequentes afloramentos d’água (surgências), formando horizontes gleizados e acumulações de Fe e Mn, originando Plintossolos e Gleissolos.

Na parte mais côncava da vertente, sopé, há as formas de relativo equilíbrio de transporte e deposição (BIGARELLA et al., 2003). Nesta área, os solos podem ser parcialmente gleizados e os leques deposicionais encobrem parte da superfície original quando ocorrem canais no segmento da encosta. Os solos tendem a apresentar maiores teores de bases, MO e, a depender do ambiente, concreções de Fe, Mn ou de CaCO3, além disso, os solos são muito heterogêneos devido aos depósitos coluviais oriundos dos movimentos de massa, drenagem irregular e deposição desuniforme. Há, ainda, a possibilidade de drenagem menos eficiente do que nas posições mais elevadas da vertente (KAMPF; CURI, 2012).

50 Por fim, no sopé colúvio-aluvional, os solos são muito variáveis (Planossolos, Plintossolos, Gleissolos, Neossolos Quartzarênicos, Neossolos Flúvicos, Organossolos), refletindo inundações periódicas, canais abandonados e fontes múltiplas de materiais. Nas partes mais baixas e de lençol freático alto desenvolve-se o perfil de solo mínimo (Neossolos Flúvicos). Quando há o aumento da distância em relação ao curso d’água ocorrem solos mais drenados e com características de maior desenvolvimento do perfil, com mosqueados, fragipãs, duripãs e horizontes Bt (KAMPF e CURI, 2012).

Por meio da compreensão do desenvolvimento dos solos nos diferentes compartimentos da vertente, entende-se que os solos formam uma espécie de continuum na natureza, sobretudo, ao longo das vertentes, que podem ser bruscas ou graduais e são passíveis de serem mapeadas de acordo com suas variações de atributos (LEPSCH et al., 2015)