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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO ASSOCIADA AO AMBIENTE DA

Ao iniciar esta subseção, é interessante relembrar alguns trabalhos publicados na década de 90, entre os quais o de Belluzzo (1989, p. 37, grifo nosso) que conceituava alguns serviços, desenvolvidos na biblioteca como, por exemplo, a educação de usuários como um “[...] processo pelo qual o Usuário interioriza comportamentos adequados com relação ao uso

da Biblioteca e desenvolve habilidades de interação permanente com os sistemas de

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Esse termo tem sido utilizado para designar um tipo de material auto-instrucional disponibilizado em meio digital cujo conteúdo é organizado e estruturado em formato de hipertexto. (HASTSCHBACH, 2002).

informação.” De acordo com o entendimento da autora, a educação de usuário é um aprendizado contínuo pautado em comportamentos de uso dos serviços biblioteca.

Desta forma a educação do usuário realizada continuamente no ambiente da biblioteca pode potencializar o uso da informação, proporcionando uma compreensão da informação como um elemento favorecedor e subsidiário da construção do conhecimento e do desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes.

Quando se analisa os manifestos da Internacional Federation of Library Associations e Institutions (IFLA)15 e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)16 que tratam sobre a importância do acesso das pessoas a informação, verifica-se que embora centrados na missão da biblioteca pública ressaltam a biblioteca como mediadora do acesso às informações organizadas. Como também destacou Gomes (2006, p. 15), a biblioteca é “[...] um ambiente de mediação entre as ações de condensação, de expressão e de registro de um conhecimento produzido.”

Neste sentido, a biblioteca passa a ser compreendida como um contexto indispensável que contribui para a introdução nas práticas informacionais e para o fortalecimento do aprendizado de estratégias e procedimentos que favoreçam a aquisições de conhecimentos, apoiando, enfim, a construção de sujeitos autônomos e mais ativos no processo de transformação de sua realidade social, especialmente se as atividades de formação do usuário se derem de modo permanente, iniciando-se nas primeiras etapas da educação e se prolongando por toda a vida.

Nos Estados Unidos, a discussão acerca da competência em informação inicialmente estava relacionada às ações pedagógicas em sistemas de bibliotecas escolares daquele país, o que ressaltou a função educativa da biblioteca. (CAMPELLO, 2002). Porém, ao associar a competência em informação ao processo pedagógico, como alerta Gasque (2008a, p. 155), as discussões acerca das competências em informações “[...] precisam ser intensificadas, principalmente no âmbito da educação básica, uma vez que a escola, de maneira geral, não tem contemplado em seu currículo o desenvolvimento das competências para buscar e usar a informação.

Percebe-se que no Brasil, os estudos que buscam ampliar a compreensão sobre a função educativa da biblioteca estão mais centrados no ambiente da biblioteca escolar. De um

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Federação Internacional das Associações e Instituições Bibliotecárias. Foi fundada em 1927 e é uma das primeiras organizações não-governamentais.

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A UNESCO foi fundada em 1945. Dentre suas atuações, a Organização serve também como agência do conhecimento para disseminar e compartilhar informação e conhecimento em todo o mundo

certo modo, isso se justifica pelo fato de que aeducação do usuário deve ser iniciada desde a sua formação escolar básica, já que

[...] é na escola que o indivíduo irá conviver com o universo formal educativo, desde os primeiros anos de vida. Lugar onde ocorrerão também, quase sempre, os primeiros contatos com o livro, leitura, biblioteca, pesquisa e socialização do conhecimento. Assim, a qualidade da escola de educação infantil, ensino fundamental e médio se refletirá na educação superior e no resultado de seus estudantes (CAVALCANTE, 2006, p. 53).

A “sociedade da informação” representa um momento histórico, no qual se exige cada vez mais o desenvolvimento de habilidades e competências diversas, que permitam as pessoas resolverem um número cada vez maior de problemas associados a informações. Tais habilidades e competências devem ser adquiridas em processo contínuo de aprendizado, que inicie no âmbito educacional e perpasse a outras fases da vida dos indivíduos. É um processo que se inicia com a necessidade de buscar informações com uma intenção determinada e se finaliza com o uso dessa informação, para um fim específico.

Talvez essas novas exigências da “sociedade da informação” tenham contribuído para que o movimento da competência informacional surgisse como uma reação de bibliotecários, no sentido de adotar uma posição pró-ativa da biblioteca, devido a crescentes mudanças para conviver na sociedade da informação. (CAMPELLO, 2003). A biblioteca pode oferecer aos seus usuários várias possibilidades de práticas informacionais, bem como pode contribuir para o processo de construção do conhecimento e, tais práticas poderão ser utilizadas nas diversas etapas de suas vidas.

Desta forma, esse processo de compreensão do potencial da biblioteca pode ser iniciado a partir da vivência dos estudantes enquanto usuários das bibliotecas escolares e, posteriormente, com outros tipos de bibliotecas. Mas, torna-se importante citar a biblioteca escolar, nesta dissertação, por se entender que esse espaço é vital para o início dos processos de leitura e de pesquisa. Os atos da leitura e da pesquisa desenvolvidos no espaço da biblioteca escolar têm um papel fundamental na aprendizagem dos estudantes, os quais levarão essa experiência para outras fases da educação e de suas vidas.

Porém, nem sempre a biblioteca foi ou é vista como um local importante, dinâmico e efetivo de práticas informacionais, integrada ao ensino-aprendizagem e construção de conhecimento na escola. Ao revisitar a história inicial das bibliotecas, observa-se que as mesmas representavam lugares sagrados de “[...] preservação dos saberes acumulados pela sociedade humana.” (GOMES, 2006, p. 20). Essa mesma sociedade não tinha acesso e

tampouco podia fazer uso daqueles saberes ali reunidos para apoiarem a geração de novos saberes. Isso ocorria porque o acesso somente era permitido a alguns. Observa-se que havia uma preocupação maior, no que se refere à preservação e reunião do conhecimento em detrimento do acesso e uso dos conhecimentos produzidos.

Neste sentido, é importante registrar que “Há muito tempo à biblioteca deixou de ser considerada apenas como um local de preservação de livros e informações e passou a ser vista numa perspectiva educativa, isto é, como espaço de construção do conhecimento.” (CAMPELLO, 2002, p. 99). A ideia de considerar a biblioteca como um local apenas para guarda de livros, de ação estática como um fim em si mesma, já não é mais aceita. Hoje, a biblioteca deve ser entendida como um espaço flexível de possibilidades de acesso às informações necessárias ao processo de construção do conhecimento.

A sociedade passa por profundas mudanças e de forma cada vez mais rápida, principalmente, mudanças relacionadas à explosão informacional. Com isso, surgem também novas formas de desenvolver atividades, processos e serviços eficientes, exigindo dos indivíduos novas competências e habilidades para lidar com um grande volume de informações.

Campello (2002) registra que há uma tendência em se valorizar mais os aspectos referentes à estrutura que engloba a biblioteca e as atividades lúdicas, a exemplo da hora do conto, do que se preocupar com as atividades as quais possam realmente contribuir para a ação educativa da biblioteca. Assim, partindo dessa ideia, Campello (2002, p. 100) considera que

A simples disponibilização de um acervo bem formado e adequado aos programas curriculares da escola não é suficiente para propiciar uma aprendizagem profunda e duradoura e que dê ao aluno condições de aprender de forma independente e para a vida toda. Também não é suficiente o oferecimento esporádico de atividades de ensino de uso da biblioteca e de fontes de informações desligadas dos conteúdos curriculares, ou de atividades assistemáticas de leitura [...]

De acordo com o pensamento da autora, o papel da biblioteca está muito além de ser apenas um acervo que possibilita a guarda e o uso de produtos, serviços e recursos. Desta forma, não se pode considerar que uma biblioteca, porque possui recursos, fontes de informações, e atividades interativas esteja desenvolvendo de forma plena o seu papel de mediadora do acesso às informações ali disponíveis junto aos estudantes, nem tampouco “A

mera organização dos acervos, dos catálogos, índices, bibliografias e bases de dados é insuficiente ao uso proficiente das fontes de informações”. (GOMES, 2006, p. 27).

É preciso que todo o aparato da biblioteca: acervo, recursos, produtos e serviços estejam integrados, fazendo parte, ao mesmo tempo, das atividades que favoreçam o estabelecimento de relações entre o conhecimento já adquirido e novas informações. Isso porque o seu trabalho está voltado ao processo de construção do conhecimento, que não acontece dissociado das práticas de leitura, pesquisa e escrita.

Dentre as atividades de leitura, pesquisa e escrita pode-se dizer que a leitura “[...] ocupa um lugar central tanto nas atividades de ensino-aprendizagem, quanto nas de pesquisa e produção da escrita.” (GOMES, 2008, p. 02). Desse modo, as bibliotecas precisam desenvolver atividades contínuas e sistematizadas, desenvolvendo, assim, a ação educativa da biblioteca, permitindo que esta se constitua em um espaço legitimado de construção de conhecimentos, no qual os estudantes desenvolvam competência em informação.

Essa calorosa discussão sobre a importância do papel da biblioteca no ensino- aprendizagem indica que tantos os estudos de Campello (2002) quanto os de Gomes (2000, 2006, 2008) há uma preocupação com relação a essa questão, o que nos leva a considerar que as ideias defendidas por cada uma dessas autoras, embora relacionadas a tipos diferenciados de bibliotecas: a escolar e a universitária, podem servir de alerta, no que se refere aos modelos de bibliotecas existentes, bem como às práticas informacionais realizadas nesses ambientes. Qualquer que seja o tipo de biblioteca, esta deve ser vista como um lócus dinâmico, como um “organismo em crescimento” como já preconizava Ranganathan17 há cerca de 80 anos ao elaborar as cinco leis fundamentais instituídas para a Biblioteconomia. Segundo uma dessas cinco leis, os responsáveis pela biblioteca devem estar sempre atentos à expansão e uso da biblioteca (uso de informações) pelos usuários, bem como à atualização desta, colocando em destaque o lugar central que o usuário ocupa nas atividades de uma biblioteca.

No caso de bibliotecas escolares e universitárias, parte significativa de seus usuários é formada por estudantes, cuja formação representa uma das mais importantes metas das instituições de ensino e, conseqüentemente, dessas bibliotecas. Se as instituições de ensino, sejam elas escolas de primeiro ou segundo graus ou universidades, precisam formar sujeitos autônomos na construção do conhecimento, precisam, para tanto,

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Pensador indiano Shiyali Ramamritam Ranganathan bibliotecário e professor de matemática. Autor do livro

[...] preparar seu aluno para o uso inteligente da informação disponível através da tecnologia, em todos os aspectos de sua vida. O processo aprendizagem a partir de uma ampla variedade de fontes é o desafio crítico para as escolas na sociedade da informação. (KUHLTHAU, 1999, p. 9). Por outro lado, esse é um processo que apenas se dá através da ação integrada de setores, currículos, alunos, professores, bibliotecários e gestores, entre outros, independentemente de se tratar de uma instituição de ensino fundamental, médio ou superior.

A percepção dos indivíduos para lidar com a informação parece bastante próxima daquelas ligadas a formação, proporcionada pela educação formal, já que nela se intensifica o acesso ao conhecimento consagrado e registrado em publicações. Por esse motivo, é que alguns autores que tratam do tema de competências em informação alertam, como o faz Campello (2006), que esta deve ser entendida sob “perspectiva de escolarização.” A autora defende que o desenvolvimento da competência em informação deve estar inserida nas práticas de letramento18, executadas nas primeiras fases de educação das crianças. As práticas de letramento, sugeridas por Campello, devem proporcionar aos estudantes um aprendizado mais amplo do que as do ensino da leitura e da escrita.

Tal aprendizado é entendido como a capacidade do aluno desenvolver habilidades e competências para depois usá-las, associadas às práticas de informação e dar a essas práticas algum sentido em um determinado contexto, de modo que as mesmas façam parte da sua vida e, com isso, o estudante passe para um novo estado. Neste sentido, pode considerar então que a sociedade, o indivíduo também nessa condição passa a dominar às práticas sociais da leitura e da escrita, dando-as um novo sentido. (SOARES, 2003). Essa condição pode-se dizer que é o novo estado de conhecimento do estudante.

Ao analisar as responsabilidades da educação, Kuhlthau (1999), em estudo realizado definiu três responsabilidades como básicas:

a) a preparação do estudante para o mercado de trabalho; b) a preparação do aluno para exercer a cidadania e, c) a preparação do aluno para a vida cotidiana

No que diz respeito à educação básica, o Ministério da Educação (MEC), quando publicou a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)19, buscou orientar que, no âmbito desse segmento educacional, tem-se por objetivo “[...] desenvolver o educando,

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A palavra letramento é uma tradução para o português da palavra inglesa literacy. É entendida aqui no texto como a capacidade do aluno desenvolver práticas de leituras e escrita e dar a essas práticas algum sentido em um determinado contexto, de modo que as mesmas façam parte da vida do aluno.

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assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.” (BRASIL, 1996, p. 7).

O exercício da cidadania e o bom desenvolvimento no trabalho e nos estudos demandam a competência em informação, especialmente em um mundo, no qual o processo de mudança é quase contínuo e veloz, sempre gerando um grande volume de informações. Nesse sentido, é que Dudziak (2003, p. 33) defende que hoje “[...] as bibliotecas enfrentam o desafio de se transformarem, de repositório de informações e prestadoras de serviços, em organizações provocadoras de mudanças nas instituições em que atuam.” (DUDZIAK, 2003, p. 33), sugerindo ainda que esta transformação se inicie a partir da inovação das práticas da biblioteca e reflexão quanto à cultura organizacional da mesma. (DUDZIAK, 2003).

A biblioteca exerce um papel importante no que se refere ao desenvolvimento de práticas informacionais iniciais que fornecem condições básicas para um aprendizado contínuo dos indivíduos. Partindo dessa assertiva, Cavalcante (2006) propõe que a competência em informação esteja presente no processo educacional dos estudantes, sugerindo ainda que esse processo se dê por todas as etapas de sua educação, ou seja, um aprendizado que se realize ao longo da vida (DUDZIAK, 2008).

Tal proposta requer uma nova postura daqueles que constituem esses espaços de ensino-aprendizagem. Deve-se trabalhar em direção a construção de novas ações que priorizem, principalmente, a previsão nos currículos de um trabalho integrado entre a sala de aula e a biblioteca, de forma que se possa trabalhar os conteúdos e também o desenvolvimento de competência em informação para um bom desempenho nos processos de leitura, pesquisa e produção textual.

Essa integração também é necessária no ensino superior, especialmente, porque nesse nível de formação educacional, o estudante é ainda mais exigido a realizar pesquisas e produzir textos. Como destaca Gasque (2008b, p. 67)

Mesmo na universidade, lócus de ensino, pesquisa e extensão, parece haver pouca preocupação em sistematizar um programa de aprendizagem com esses conteúdos integrados aos conteúdos conceituais da área de estudo específico, extensivo ao corpo docente e discente. Especialmente na pós- graduação, em que os alunos devem apresentar uma dissertação e tese final dos cursos de mestrado e doutorado, é inevitável, durante a pesquisa, a apreensão de algumas habilidades para produção do conhecimento [...]

Cada vez mais o sucesso dos indivíduos depende de autonomia para a busca e o uso das informações, de modo que as mesmas permitam mudanças no estado de conhecimento das pessoas. Neste sentido, torna-se fundamental o desenvolvimento de estudos sobre o processo de práticas informacionais, no contexto do ensino superior, mais especificamente, desenvolvidas na esfera da biblioteca universitária. Dentro desta visão, buscou-se, na subseção a seguir, tratar da competência em informação no contexto da universidade.