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5.1 O lócus dos participantes enquanto avaliadores

5.1.1 A competência implícita X competência teórica

De acordo com Rolim (1998), todo docente carrega uma competência implícita sobre avaliar. Esse conhecimento, por sua vez, é decorrente de suas crenças, intuições e experiências passadas, como a forma que seus professores ensinaram ou a forma como aprenderam. Adicionadas a essas experiências estão suas convicções compartilhadas com colegas de trabalho e ainda sua experiência cultural e social. Todos esses elementos são “deflagrados no habitus do professor” (ROLIM, 1998, p. 44).

Concordando com Rolim (1998) que o modo de atuar do professor e sua cultura de avaliar se constroem a partir de diferentes influências, nos parece pertinente iniciar a análise e discussão dos dados a partir da experiência dos participantes enquanto avaliadores, pois poderemos entender com maior clareza até que ponto essa competência implícita é determinante na avaliação de leitura de ELE dentro do corpus de análise.

Através da entrevista, foi perguntado aos participantes quando começaram sua trajetória como avaliadores. Todos afirmaram que começaram a avaliar quando começaram a lecionar, uma vez que é uma atividade inerente ao trabalho docente. Dois participantes (P2 e P4) relataram que suas primeiras experiências foram em cursos de idiomas e que avaliar nesse contexto se restringe à correção de provas.

Com o intuito de perceber se também tinham alguma competência teórica sobre o assunto, também perguntamos se já haviam estudado avaliação em algum momento e obtivemos diferentes respostas. Dois participantes (P1 e P6) afirmaram ter estudado avaliação, sendo que P6 não estudou o tema aplicado ao contexto de línguas; quatro docentes (P2, P3, P4 e P8) responderam ter assistido algum tipo de instrução sobre tema, ainda que fossem estudos breves como palestras ou seminários; e três participantes (P5, P7 e P9) afirmaram nunca ter estudado o assunto.

Os dois participantes que declararam ter estudado avaliação consideram que esse estudo foi válido e proveitoso, como pode ser exemplificado através da fala de P1:

Pesquisadora: e como é que foi esse estudo?

P1: foi interessante porque me abriu::... me abriu... é.... me deu ideias e me abriu a cabeça para entender o processo de avaliação de um outro jeito que eu pensava não o clássico a que eu fui submetido

Pesquisadora: e qual seria esse clássico?

P1: só de prova escrita... e gramática... e aplicação de gramática pra/ pro aprendizado de língua

Pesquisadora: e aí com o curso... passou a pensar como a avaliação:?

P1: que a gente tem que avaliar o aluno:: nas quatro habilidades... que é na compreensão escrita... leitora... na oralidade e na compreensão auditiva

P1 afirma que estudar avaliação lhe “abriu a cabeça”, pois possibilitou pensar o tema a partir de outros ângulos. A partir de sua fala também podemos inferir que sua experiência como aluno – submetido a um modelo clássico de avaliação – exerceu influência em sua prática enquanto docente, ou seja, sua competência implícita esteve inicialmente calcada nas suas experiências passadas, nos termos de Rolim (1998). A nosso ver, a fala de P1 reforça a importância do letramento em avaliação para os professores, pois sem reflexão e conhecimento sobre o tema o professor-avaliador tende a reproduzir os modelos avaliativos aos quais foi submetido e esses modelos podem não estar alinhados com as perspectivas atuais de ensino, especificamente de ensino de LE.

Chama-nos a atenção que tanto P1 quanto P6 afirmaram que os estudos sobre avaliação ocorreram em cursos de especialização que realizaram, ou seja, em momento posterior ao início da docência. A nosso ver, se a função de avaliador se inicia com a atuação como professor caberia às licenciaturas promover os estudos iniciais na área, pois assim os futuros docentes chegariam à sala de aula mais preparados e conscientes de suas escolhas no momento de avaliar.

Entre os participantes que afirmaram ter participado de alguma palestra ou formação em avaliação, três entendem que foram estudos muito rápidos. P8 afirma ter visto algo na graduação, contudo, sua fala deixa transparecer que não foram estudos significativos:

Pesquisadora: e você já estudou avaliação em algum momento? P8: éh:: os tipos de avaliação?

Pesquisadora: avaliação no geral

P8: ah estudar assim de pegar teórico essas coisas mais na faculdade mesmo... só Pesquisadora: e você lembra de alguma coisa que você tenha estudado?

P8: de nome não ((risos))

Scaramucci (2006, p. 51), argumenta que o estudo sobre avaliação não é oferecido de modo satisfatório dentro dos cursos de licenciatura (seja de LE, seja de LM), pois a avaliação, quando tratada de forma mais focalizada, acaba restrita a um conjunto de “técnicas complicadas, na maior parte das vezes dissociadas das questões de ensino, de planejamento, metodologias e materiais didáticos, como se fosse um mero apêndice”, o que pode ter acontecido no contexto de P8. Se transportarmos essa realidade para as formações continuadas que ocorrem dentro das escolas, parece não haver muita diferença do que ocorre nos cursos de licenciatura, como podemos depreender através do discurso de P3:

Pesquisadora: você já estudou avaliação em algum momento?

P3: então já tive::… já tive formações de avaliação mas acho que elas não se encaixam muito na questão de língua estrangeira né...serve mais pra matemática… estudos sociais uma coisa assim e… na escola a gente éh: o departamento de línguas actúa um pouco independente tá… nós funcionamos mais sozinhos… língua estrangeira Como é possível observar, P3 afirma que a formação recebida não é aplicável à sua realidade, uma vez que o departamento de língua “funciona mais sozinho”. Concordamos com Vasconcellos (2003) que uma das dificuldades de mudança na avaliação é o não saber como fazer do docente, isto é, por não receber orientações mais próximas à sua realidade, o professor prefere não mudar e continuar com sua prática já testada, como parece acontecer no contexto de P3.

Para Scaramucci (2006), as formações em avaliação devem levar o professor a refletir sobre suas concepções, conceitos de avaliar, de ensinar e de aprender dentro de seu contexto de atuação, isto é, o letramento em avaliação só é possível dentro das práticas situadas. Ao não reconhecer a aplicabilidade dos conhecimentos sobre o tema, o professor-avaliador dificilmente refletirá sua prática e, consequentemente, continuará atuando/avaliando da mesma forma.

Concordamos com Quevedo-Camargo e Scaramucci (2018) que o letramento em avaliação em contexto de línguas requer competências adicionais, como o entendimento do que é saber uma língua para então refletir sobre as formas de avaliá-la. Desta maneira, acreditamos que as formações em avaliação de LE deveriam ser conduzidas por profissionais da área, para que questões específicas do ensino de LE fossem discutidas e refletidas, permitindo que o professor deixe de “trabalhar sozinho” e possa receber orientações mais próximas ao seu cotidiano, vislumbrando sua aplicabilidade.

A necessidade do letramento em avaliação também é compartilhada pelos participantes que informaram não haver estudado o tema. P9 reconhece que esse conhecimento é necessário para que a prática avaliativa não seja intuitiva:

P9: é uma coisa que eu preciso aprender mais... eu precisaria aprender mais de avaliação... uma coisa que eu nunca estudei... você faz avaliações mas... você faz baseado no que é a teoria... a pouca teoria que você viu... qual é?... você tem que basear...

Já P7 sinaliza que seu conhecimento sobre avaliação se deu através de sua experiência e pela busca autônoma de informação:

Pesquisadora: e você já estudou avaliação em algum momento?

P7: não ((risos)) o que eu sei é de leitura e de curiosa que sou porque eu vou pesquisando na internet… vendo relatos… blogs …(entendeu?) o que as pessoas estão falando… daí eu vou construindo meu repertório.

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P7: então a gente acaba meio que aprendendo na marra… esse exercício dá certo esse não dá… esse tá muito/ o nível está muito alto… tá muito baixo… então tem que contar um pouco com o feeling ali de:: de:: do que cobrar … dá prioridade à cobrança… o que vai ser cobrado né...

Entendemos que oferecer a formação em avaliação ao professor não garante por si só que mudanças ocorram, pois quando o professor é exposto a algum tipo de formação ele começa a oscilar entre o que “colocam para ele como desejável, teoricamente desejado, e aquilo que ele traz consigo, que sustenta seu ensino” (ROLIM, 1998, p. 44). Por outro lado, acreditamos que se esse letramento alcançar, em diferentes graus, os demais envolvidos (coordenadores, diretores, alunos e pais), mudanças mais significativas podem ocorrer, promovendo a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

Os discursos dos participantes corroboram com Rolim (1998, p. 46) ao afirmar que “a relação entre ensinar, aprender e aprender a ensinar é decorrente das experiências passadas dos professores, manifestadas na prática a partir daquilo que acreditam ser relevante ao ensino aprendizagem de uma língua”. É possível notar nos trechos aqui expostos que as experiências como aluno ou como professor (que tem que “aprender na marra”) estão latentes no fazer docente e que a prática avaliativa, para maior parte dos participantes, ainda é conduzida de modo um pouco intuitivo. Também é possível observar que há o reconhecimento de que o letramento na área seria de grande serventia, se conduzido dentro das especificidades do ensino de LE por pessoas capacitadas para isso. Uma vez comentadas as competências implícita e teórica, a partir das informações dadas pelos participantes da pesquisa, passamos ao poder de agência desses docentes.