• Nenhum resultado encontrado

Na atualidade, as organizações estão inseridas em um ambiente de negócios globalizado e em constante mudança, o que caracteriza um cenário de complexidade. Segundo Genelot (2001), um cenário de complexidade é um cenário de imprevistos, incertezas e auto-organização. Dessa forma, este item apresenta a complexidade embutida no ambiente de negócios e na administração de seres humanos, considerando, ao mesmo tempo, a capacidade de auto-organização, a gestão das organizações e as diferentes interações das organizações com o ambiente.

Como afirma Genelot (2001:195), administrar uma empresa é “administrar uma comunidade de pessoas, para fazer com que cooperem com uma obra comum e em um âmbito de dificuldades internas e externas muito diversas”. Além disso, uma das principais reflexões do pensamento complexo é que a organização é um lugar de elaboração de sentido e de enriquecimento pela diversidade. Por isso, os dispositivos de gestão devem evoluir para se adaptarem à complexidade da administração de seres humanos.

Segundo o autor, a gestão de uma organização reúne todas as condições para ser um concentrado de complexidades, pois engloba:

 a complexidade da natureza humana dos membros que a compõem – o ser humano é um dos seres mais complexos do universo. Segundo Genelot (2001), o domínio da linguagem e da comunicação, a inteligência e a capacidade de aprendizado só são possíveis por meio da auto-organização. Portanto, administrar tal diversidade de dinâmicas e interesses individuais imbricados é um desafio da complexidade;  a complexidade das relações entre as pessoas e a organização – a complexidade

está na articulação da diversidade para alcançar a cooperação, e na complexidade das relações dos indivíduos entre eles e com a organização. Como afirma Genelot (2001:196), a “diversidade de aspirações individuais fervilha dentro da empresa, remodelando sem cessar as relações entre as pessoas e seus relacionamentos com a organização. As pessoas têm seus projetos pessoais em uma organização global que visa também um projeto global”. Portanto, trata-se de dois sistemas de autofinalização, e que devem se harmonizar: os indivíduos que possuem sua autonomia e se auto-organizam e a comunidade que faz o mesmo;

 a complexidade cultural e histórica do ambiente – esta trata da dificuldade em construir a organização sobre um terreno cultural. Genelot (2001) explica que as pessoas, em uma empresa, não vivem fora de um tempo, fora de sua história, fora de seu ambiente, elas estão inseridas em um contexto cultural, econômico e social do qual dependem e que as moldam. Portanto, essa dependência recíproca introduz o seguinte fator de complexidade na administração:

Os seres humanos são frutos de uma linhagem, de um povo, de uma região que forjaram suas tradições e suas crenças. Antes da empresa, a escola, a vida familiar e social modelaram o comportamento deles. Cada dia, fora da empresa, vivem seus ritos e seus hábitos; vivem sua cultura e se constroem através dela ao mesmo tempo que a perpetuam e desenvolvem. (GENELOT, 2001:197)

Por este motivo, os autores da complexidade acreditam que a empresa deve ser administrada como um sistema aberto. Segundo Neto (2005:54), sistemas abertos são “um conjunto interdependente de partes, em constante reciprocidade e aberto ao exterior num todo sinérgico voltado à obtenção de objetivos pré-estabelecidos”.

Um sistema aberto não se limita a um conjunto de colaboradores, acionistas, clientes e meios de produção; faz parte de um conjunto mais vasto, no qual a organização encontra sua

utilidade. Portanto, não se pode pensar a organização “separadamente do ambiente cultural, econômico, geográfico, político em que está imersa. A empresa tece interações múltiplas com todas as facetas deste ambiente, moldando a sociedade enquanto é moldada por ela” (GENELOT, 2001:348).

Por este motivo, é fundamental não imaginar a organização como um sistema fechado onde os limites são intransponíveis, pois um sistema aberto é capaz de trabalhar as solicitações imprevistas do ambiente. Como afirma Genelot (2001), a inteligência de um sistema aberto vem da capacidade que seus elementos têm de compreender o ambiente para a construção de uma estratégia coerente. Quanto mais variadas são as conexões do sistema, mais capacidade de reação este possui e, assim, é mais capaz de criar procedimentos de adaptação a um ambiente inesperado e complexo.

Segundo o autor, a melhor gestão para situações complexas consiste em desenvolver a autonomia dos indivíduos, ao mesmo tempo em que se desenvolvem suas competências, sua vontade de agir e também sua capacidade para agir. Isso porque são “nos espaços de liberdade assim constituídos que poderão florescer as iniciativas e serem tecidas redes de inteligência coletiva aptas a traçar o caminho do empreendimento nas turbulências e na complexidade” (GENELOT, 2001:349).

Segundo Rocco (2000), a lógica das empresas complexas é mais orgânica do que mecânica, as organizações são organismos vivos que realizam constantemente trocas com colaboradores, fornecedores, clientes e concorrentes. Portanto, as organizações são parte de um ambiente onde influenciam e são influenciadas, e que de várias formas se relacionam. Ainda, segundo o autor:

Muito da apatia e da falta de motivação encontradas nos ambientes de trabalho são decorrentes do enfoque mecanicista da organização que desenvolve uma racionalidade funcional ou instrumental, encorajando as pessoas a obedecerem ordens e a manterem a sua posição em vez de se interessarem por desafiar e questionar aquilo que estão fazendo. Esse tipo de racionalidade contrasta com a racionalidade substancial dos sistemas que incentivam as pessoas a questionarem a propriedade daquilo que estão fazendo e modificarem a sua ação, apropriando-a e ajustando-a às novas situações. Enquanto a racionalidade burocrática é mecânica, a racionalidade substancial é reflexiva e auto- organizadora. (ROCCO, 2000:33)

A organização viva possui uma autonomia original que a distingue de todos os outros fenômenos; essa autonomia é a auto-organização, autoprodução ou auto poesi. Como afirma Fortin (2005:106), uma organização é autônoma quando comporta sua própria recursividade, ou seja, “se auto-organiza sem descanso, produzindo ela mesma os elementos e processos que são necessários a sua produção”.

Por este motivo, as organizações, no sentido de entidade social coordenada, são sistemas que se auto-organizam e estão habituados a conjugar a ordem e a desordem em um ambiente de complexidade onde há pouca possibilidade de decisão, e a saída ideal pode estar na coexistência de lógicas de naturezas diferentes, o que representa a dialogicidade definida por Edgar Morin, e citada por Genelot (2001), como o motivo de uma das principais dificuldades da gestão na atualidade.

Segundo o autor, o conceito da dialogicidade está na coexistência de lógicas opostas, por exemplo, a lógica do lucro versus a lógica ambiental, a lógica das estratégias de venda versus a lógica dos direitos do consumidor. Essas lógicas se diferem através de uma linearidade perdida na “sinuosidade dos descaminhos, na circularidade e recursividade características do hipertexto que, mesmo que de forma inconsciente, é uma fiel e, provavelmente revolucionária, representação das novas realidades que, ao menos num primeiro instante, parece a melhor forma de representá-las” (NETO, 2005:73).

Portanto, a obsessão pelo planejamento e pelo controle, tradição da gestão baseada na racionalidade instrumental, que tem marcado as práticas e as teorias administrativas, ficou comprometida por uma concepção que leva a acreditar que não é possível gerenciar as realidades complexas. Segundo o autor, é neste momento que a estratégia organizacional perde o caráter planificador e pragmático, que já não é efetivo em realidades complexas, e ganha uma visão de antecipação da condução gerencial.

Nessa visão, como afirma Neto (2005:74), a complexidade, que passa a ser aceita, trabalha a condução das mudanças como um processo de desenvolvimento da autonomia consciente da organização, por meio da antecipação de um futuro almejado e construído, através de práticas flexíveis e interativas de gestão. O gerenciamento estratégico e as áreas de operações passam a trabalhar juntos, em uma nova “realidade que aceita a incerteza não como anomalia e onde a organização deve ser preparada para antecipar as mudanças numa reatividade estratégica

lastreada num sólido conhecimento sobre os valores e as vocações da organização”. Para o autor é essencial:

[...] aceitar que o sucesso organizacional depende de lideranças situacionais, de focos transitórios de residência da autoridade; que a sobrevivência repousa no construir de uma consciência estratégica que exige a maior riqueza e variedade possíveis de pontos de vista para se obter a suficiente abertura prospectiva capaz de abarcar a intrincada sutileza das variáveis e, a partir delas, formular cenários. (NETO, 2005:74-75)

Na perspectiva da complexidade, a criatividade e a liberdade são condições essenciais à sobrevivência da organização que aceita a imprevisibilidade e a desordem, pois sabe que todos os processos de criação da ordem também são processos de criação da desordem. Como afirma Morin (2011:63), a complexidade da relação entre a ordem, a desordem e a organização surge “quando se constata empiricamente que fenômenos desordenados são necessários em certas condições, em certos casos, para a produção de fenômenos organizados, os quais contribuem para o crescimento da ordem”.

Ainda segundo Morin (2011:93), as relações no interior de uma organização estão baseadas numa ambiguidade enorme, pois ao mesmo tempo são complementares e antagônicas, esta desordem “constitui a resposta inevitável, necessária, e mesmo com frequência fecunda, ao caráter esclerosado, esquemático, abstrato e simplificador da ordem”. Fato que pode ser notado nas organizações, da seguinte forma: de um lado se tem o indivíduo e a sociedade, e do outro a empresa com seus programas de produção, suas pesquisas de mercado, seus problemas de relações humanas, de pessoal e de relações públicas, processos inseparáveis e interdependentes, porém conflitantes.

Assim, a partir do momento em que a instabilidade e o desequilíbrio são aceitos como variáveis constantes, a organização é obrigada a se acostumar com a ambiguidade e a incerteza. O que, segundo Neto (2005), obriga a organização a aceitar que sua sobrevivência depende da sua capacidade de ser também instável, tanto quanto o mercado, mas sem que essa característica gere medo ou conflito. Essa mudança de mentalidade permite que a organização caminhe para a auto- organização, e faça com que os indivíduos se acostumem com o caos e se incomodem com a ordem.

A organização possui tudo o que necessita para se auto-organizar, o que só depende da questão do conhecimento organizacional como produto da sua própria cultura. Para Neto

(2005:83), “um constructo é feito a partir das regularidades assinaladas por experiências, num processo de sedimentação cumulativa e referendado pelas estruturas cristalizadas de referência; tais acervos compõem representações externas que conferem significação coletiva à organização”, enquanto uma ação coletiva e criativa da própria realidade que nunca poderá se esquecer da dimensão do poder. Segundo o autor:

Tal visão compartilhada permitirá a definição de problemas na medida em que de um conhecimento concreto e não abstrato e onde a informação tenha, necessariamente, sentido interno e externo ao sistema: será a circulação compartilhada dos dados pela organização que os transformará em informação pela ação indispensável da linguagem enquanto fator óbvio do mutualismo o que, permitindo a autodescrição (identidade) cria, espontaneamente, a auto- poiesis. (NETO, 2005:83)

As modificações estruturais que estão acontecendo no interior do organismo social provocam profundas alterações na forma de se relacionar das organizações. Além disso, motivadas por transformações econômicas, políticas e sociais, as organizações precisam redimensionar sua forma de agir, dinamizando suas atividades e sua capacidade de adaptação a esse novo cenário. “Para sobreviver, as organizações necessitam criar mecanismos que auxiliem nesse processo de transformação e que permitam, em um contexto de redes de informação, uma maior integração com os diversos agentes com os quais interagem” (ROCCO, 2000:33).

Segundo o autor, a empresa precisa se comunicar melhor com a comunidade, com os clientes, os fornecedores, os agentes governamentais, enfim, com as outras organizações ou agentes que também atuam nesse universo em rede. Dessa maneira, a comunicação assume o papel de absorver e divulgar os novos paradigmas organizacionais e age, assim, como poderosa ferramenta estratégica de gestão da complexidade.

O estudo segue com a evolução do conceito de estratégia organizacional até o momento em que o pensamento da complexidade modifica a maneira como é vista a estratégia nas organizações.