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A compreensão de independência nas mídias escolhidas

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CAPÍTULO 1 JORNALISMO CONVERGENTE E MÓVEL: MÍDIAS INDEPENDENTES

1.3 A compreensão de independência nas mídias escolhidas

Neste subtítulo damos início à fala dos entrevistados, sendo que a transcrição completa das entrevistas encontra-se nos apêndices deste trabalho, identificadas com a letra maiúscula do

alfabeto. Como já foi dito na introdução, trabalhamos com sete mídias brasileiras, que se caracterizam como independentes, dentro dos critérios estabelecidos, são estudadas: Congresso em Foco, Estúdio Fluxo, Jota, Mídia Ninja, Nexo Jornal, Repórter Brasil e The Intercept Brasil — colocadas em ordem alfabética a fim de não deslegitimar e/ou prestigiar uma mídia em detrimento da outra. Este dado é importante, pois as entrevistas estarão presentes no trabalho inteiro.

Ser ou não uma mídia independente e, de fato, haver ou não a prática de um jornalismo independente é uma questão que, tal como ocorre aos autores supracitados, ocorre também a todos os profissionais das mídias estudadas nesta pesquisa. Oito jornalistas de sete mídias foram entrevistados nesta dissertação, sendo que todas elas constam na íntegra nos Apêndices da mesma.

Ao serem questionados sobre o que praticam nas mídias em que atuam e como veem o jornalismo independente no Brasil, os jornalistas entrevistados realizaram, quase em sua totalidade, uma autorreflexão que vai muito além de questões contemporâneas, e/ou meramente financeiras etc. O resultado diz respeito às visões que divergem na profundidade e relevância do uso do termo, mas que em alguma medida se complementam.

Para Tatiana Dias, editora do The Intercept Brasil, por exemplo, a questão da independência não diz respeito somente às mídias ditas independentes, mas também à grande mídia, e a todo o campo do jornalismo. Segundo a jornalista, o The Intercept Brasil é um veículo independente, no entanto, pontua que não existe nem uma mídia e nenhum profissional completamente independente de tudo. "Você sempre vai ser comprometido com alguma coisa, vai ser comprometido com sua linha editorial, seu financiador, vai ser comprometido com seus patrocinadores, com seus anunciantes" (informação verbal)21. Mas Tatiana relativiza:

por outro lado, quando surgiu a primeira leva de blogs independentes nos anos 2000, na primeira metade assim, blogs de esquerda, blogs que chamavam a mídia de “pig”, o partido da imprensa golpista. Eles eram independentes? Depende do jeito que você olha. Eles recebiam um monte de dinheiro do governo. Eles, com certeza, apresentavam um outro olhar pras coisas, mas eles eram independentes? Depende. Dependendo de onde você olha, a Folha era mais independente que eles naquela época, né. Então eu acho que o conceito de dependência é bem relativo. Acho que hoje em dia é isso, você não consegue pensar independência se não pensar no modelo que sustenta, que banca o fazer. Isso é fundamental. (informação verbal)22.

21 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 de

maio de 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

22 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 de

Bruno Torturra, fundador do Estúdio Fluxo, analisa que o conceito de mídia independente se aplica ao veículo no qual ele atua, já que para ele o termo diz respeito à natureza do jornalismo. "Ou é independente, ou não é jornalismo". Mas concorda que no contexto brasileiro, ele precisa ser repensado e relativizado.

Eu acho um termo que significa aquilo que as pessoas querem que ele signifique. Eu me considero independente porque eu não devo satisfações ideológicas a ninguém. Mas eu acho que se isso deveria ser quase que, se não um princípio, pelo menos um objetivo de qualquer pessoa que é jornalista. Como hoje eu dependo quase que exclusivamente do apoio do meu público, e ele que sustenta o trabalho independente que eu faço, me considero bem independente. [...] No Brasil, ele acaba significando muito mais uma mídia relacionada à independente talvez fora do modelo tradicional, mais experimental. Mas esse termo no Brasil acho que tem uma definição meio diferente, mas vem muito de uma posição antagônica quase à mídia comercial. É uma mídia que nasce da própria crítica à mídia (informação verbal)23.

Edson Sardinha, editor-executivo do Congresso em Foco e que tem vários prêmios por sua atuação no veículo, fala sobre a sua escolha por trabalhar em uma mídia independente e explica que ela está impregnada de um certo idealismo, de identificação com o projeto, de se reconhecer como protagonista.

É essa coisa de você sentir que está fazendo um trabalho relevante para a sociedade, que às vezes você se sente ator naquilo. Quando você está num grande veículo você é só mais uma engrenagenzinha. Acho que tem um pouco de idealismo assim, sabe, de você acreditar naquilo ali e fazer alguma coisa. De ter aquilo como um trabalho e não como um emprego (informação verbal)24.

Quando questionado sobre o fator financeiro do jornalismo independente, Sardinha avalia que, embora o Congresso em Foco tenha publicidade e, em "casos pontuais", verbas do governo, para ele, a independência ideológica está associada à independência de discurso.

a gente acaba tendo que recorrer ao que existe no mercado. Mas assim, por exemplo, a gente não depende de governo. E aí acho que entra uma coisa nessa coisa de mídia independente que é de qual mídia independente a gente tá falando né. Porque tem alguns veículos que se autodeclaram independentes mas que são muito alinhados, ou à esquerda ou à direita (informação verbal)25.

Na mesma linha, Gabriela Guerreiro, editora do Jota, avalia que o veículo não tem ativismo nenhum, mas também tem independência em relação ao seu financiamento. O site não tem anunciantes, e é mantido por assinantes. Do ponto de vista ideológico, Gabriela diz que:

O Jota é zero, a gente não é nada a ver com ativismo nenhum. Então assim, se for independente nesse sentido, do ponto de vista editorial nosso, que a gente escolhe o

23 Entrevista gravada do fundador do Estúdio Fluxo, Bruno Torturra, concedida para a pesquisa no dia 30 de

novembro de 2018. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta dissertação.

24 Entrevista gravada do editor do Congresso em Foco, Edson Sardinha, concedida para a pesquisa no dia 07 de

fevereiro de 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta dissertação.

25 Entrevista gravada do editor do Congresso em Foco, Edson Sardinha, concedida para a pesquisa no dia 07 de

que a gente vai cobrir, de acordo com nossas demandas. Olhando por esse ponto de vista, eu acho que é independente. Mas se for independente quando eles falam desse tipo de engajamento não (informação verbal)26.

Marielle Ramires, jornalista que participa da Mídia Ninja desde antes de sua fundação e atualmente é membro do conselho editorial do veículo, acredita que a independência está num repórter, ou produtor de conteúdo, ou na liberdade de noticiar algo, e "na possibilidade de contar a história como ela é né. Como se vê" (informação verbal)27, ou seja, algo mais relacionado à liberdade de discurso.

Olívia Fraga, editora-executiva do Nexo Jornal, enxerga o veículo em que atua como uma mídia de jornalismo independente e vê relevância nisso. Para ela:

o independente ficou mais importante. Eu não sei se todo mundo tem noção do que é na prática ser independente, que é: não aceitar anúncio é um jeito de ser independente. [...] O independente tem sua razão de ser e eu acho que agora mais do que nunca. A confiança, desenvolver a confiança. Ninguém vai dar, eu não vou dar um nó na notícia para colocar ela de pé. Se ela não tá valendo, não vai sair. O Nexo tem uma mega responsabilidade nesse assunto (informação verbal)28.

Além da questão editorial, Olívia avalia que a independência do Nexo também se dá do ponto de vista do modelo de negócio.

E aí o que eu acho que vale, talvez, como trunfo é essa cara nova e a captação de recursos. É você não depender dos bancos para investir. É um modelo novo que cada um cria de um jeito. [...] O Nexo tem um diferencial, que acho que tem um apelo quando ele surgiu, ele falou muito alto ao coração dos jornalistas que estavam na imprensa tradicional, porque ele fala: ‘a gente vai se financiar com uma grana própria, mais assinatura’. Não tem anúncio. Eu lembro quando surgiu, que uma galera do Estadão já não estava mais no Estadão, estava morando fora. E uma galera foi contratada. ‘Ah, a gente tá indo porque a gente acredita que pode ser um futuro (informação verbal)29.

Para a editora executiva da Repórter Brasil, Ana Magalhães, o ápice da independência de um veículo é ser 100% financiado pelos leitores. "Porque aí, de fato, você não tem rabo preso com ninguém. Podem falar 'ah, você tem o rabo preso com o seu leitor'. Bom, o meu leitor me financia porque ele gosta do que eu faço. Ou do olhar que eu tenho" (informação verbal)30. Sobre esta realidade na Repórter Brasil, Ana explica que 98% dos recursos para a agência de

26 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 de fevereiro de 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação.

27 Entrevista gravada da editora da Mídia Ninja, Marielle Ramires, concedida para a pesquisa no dia 23 de março

de 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta dissertação.

28 Entrevista gravada da editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 de março de

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice F desta dissertação.

29 Entrevista gravada da editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 de março de

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice F desta dissertação.

30 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 de

jornalismo da Repórter Brasil é proveniente de financiamentos internacionais. Embora haja esse financiamento, Ana problematiza que é possível manter-se livre editorialmente, uma vez que na parceria que se estabelece entre a mídia e o financiador, há um processo de confiança plena. Tem gente que já me trombou nos bares e falou assim ‘Você é uma vendida para a Fundação Ford’. E eu falo: ‘Amigo, você sabe como é a minha relação com a Ford? A Fundação Ford financia uma parte da Repórter Brasil’. Agora, eu quero entrar nesse detalhe técnico que pode ser interessante vocês entenderem. O financiamento dessas instituições, ele está vinculado a um projeto. E dentro desse projeto, você está um pouco preso ali. [...] Mas o financiador não interfere jamais em como exatamente o que você vai publicar, como vai publicar, quando e por quê. Entende? (informação verbal)31.

Segundo a jornalista, nesse tipo de relação ela não pede, em hipótese alguma, autorização para publicar conteúdo. "Jamais, qualquer um dos nossos vários financiadores interferiram no nosso trabalho para dizer isso não pode, ou você publicou isso e eu fiquei chateado, despublica”. E então considera que a palavra independente se aplica ao caso da agência. “Então eu continuo achando que cabe a palavra independente sim. A Repórter Brasil é independente” (informação verbal)32.

Embora muitos dos jornalistas entrevistados tenham entendimentos contrários e até indefinidos acerca da compreensão e uso do termo independente para as mídias nas quais atuam, isso não torna a discussão e emprego do mesmo irrelevante, sobre o ponto de vista de Karppinem e Moe, caso contrário, segundo os autores poderíamos contestar a relevância de outros conceitos normativos, incluindo a liberdade de mídia e a democracia. Por isso, compartilhando dos entendimentos de Karppinem e Moe (2016), compreendemos que:

Em termos gerais, a independência refere-se à ausência de controle externo. Independência significa liberdade da influência de outros, mas também descreve a capacidade de um indivíduo ou instituição tomar decisões e agir de acordo com sua própria lógica. Como princípio normativo, a independência pode ser debatida em diferentes níveis e vinculada a uma variedade de estruturas e discursos. No nível da teoria social geral, a independência pode ser rastreada até a diferenciação funcional da sociedade moderna de várias esferas ou campos da vida social, discutida em trabalhos sociológicos clássicos de Weber a Bourdieu. Em tais contextos, a independência diz respeito à autonomia; autogoverno ou o direito de uma instituição de criar suas próprias regras e administrar seu próprio negócio (KARPPINEN; MOE, 2016, p. 106, tradução nossa).

31 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 de

fevereiro de 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G desta dissertação.

32 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 de

No documento Download/Open (páginas 34-39)