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O newsmaking na sociedade líquida

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CAPÍTULO 2 – PRÁTICAS RECONFIGURADAS: NOVAS ROTINAS E OLHARES SOBRE

2.1 O newsmaking na sociedade líquida

Embora sejam muitas as teorias e os olhares científicos sobre o jornalismo, para falar a respeito dos processos produtivos no jornalismo, avaliamos a importância de apresentar e discutir a teoria do newsmaking.

Com estudos desde as décadas passadas, diversos são os autores que sobre esta teoria refletiram, em períodos históricos distintos (TUCHMAN, 1983; WOLF, 1995; ALSINA, 2009; STRELOW, 2010; TRAQUINA, 2012, 2016), o que revela sua relevância no cenário dos estudos do jornalismo. Aline Strelow (2010) assegura que o newsmaking está relacionado a uma hipótese contemporânea de pesquisa em comunicação que se debruça sobre as rotinas de produção no jornalismo.

O olhar dessa hipótese é centrado no emissor, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e a notícia, e dá atenção ao relacionamento entre jornalistas e fontes,

assim como às diferentes etapas de produção: captação, tratamento, edição e distribuição da informação. Envolve a observação da relação entre a cultura organizacional do veículo de comunicação e a cultura profissional dos jornalistas envolvidos (STRELOW, 2010, p. 27).

Sob a compreensão do newsmaking, a notícia deixa de ser fiel à realidade. Ela passa a ser vista de forma industrial e se torna um instrumento de construção social. Miquel Alsina (2009, p.11) afirma que “produzir informação é uma atividade complexa que se realiza industrialmente e no seio de uma instituição reconhecida socialmente”.

A mídia é a primeira que não mostra com facilidade seu processo de produção. Autoimagem que eles pretendem transmitir sobre o seu trabalho é a de receptores e transmissores da informação. A sua atividade se reduz, então à procura pelas notícias e à utilização de uma tecnologia para sua difusão. [...] Dentro da perspectiva da construção social da realidade, posso conceber a construção da notícia como algo especial pertencente à realidade: é a realidade simbólica, pública e quotidiana. Desse ponto de vista, deveríamos falar sobre a construção da realidade social. Os jornalistas são, como todo o mundo, construtores da realidade ao seu redor. Mas também conferem estilo narrativo a essa realidade, e, divulgando-a, a tornam uma realidade pública sobre o dia-a-dia (ALSINA, 2009, p.11).

Traquina (2016, p. 234) parte do pressuposto de que tal visão balançou a ideia de objetividade, imparcialidade e isenção total do jornalista, uma vez que esse profissional está inserido em um determinado contexto social, entre outras coisas, e defende que “os jornalistas não são simplesmente observadores passivos, mas participantes ativos no processo de construção da realidade. E as notícias não podem ser vistas como emergindo naturalmente dos acontecimentos do mundo real”.

E por que observar a produção de conteúdo sob o ponto de vista do newsmaking? Porque, ao avaliarmos os emissores, “são estudados certos fatores exteriores à organização do trabalho, que influenciam os processos produtivos dos comunicadores” (TRAQUINA, 2016, p.161). Sob a ótica do newsmaking, a construção da notícia é vista a partir do interesse social, ou seja, as mensagens são socialmente construídas. A abordagem do newsmaking se articula dentro de dois limites: a cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e dos processos produtivos (TRAQUINA, 2016, p. 169). A metodologia do newsmaking, em síntese, são “As decisões tomadas pelo jornalista no processo de produção de notícias” (TRAQUINA, 2016, p. 235). Traquina defende que o jornalismo ajuda a construir a realidade.

Esta dissertação não privilegia a existência de um sistema automático de filtro das produções dos coletivos de mídia estudados, definido por White (1950), citado por Wolf, como gatekeeper, uma vez que esta pesquisa trata especificamente de produtos midiáticos recentes no cenário da comunicação, tendo como caraterística o não enquadramento nos panoramas convencionais das grandes mídias tradicionais. Isso não significa que não haja filtros ou

critérios de noticiabilidade por parte dessas mídias independentes. O critério de definição da noticiabilidade é restrito ao órgão e aos profissionais que nele atuam, à forma como geram os acontecimentos e selecionam as notícias.

A metodologia do newsmaking se dá sobretudo pela observação sistemática dos processos produtivos, ou seja, pela observação dos fatos influenciadores da produção de notícias. Não de fatos isolados, mas de períodos prolongados, com a rotina da redação.

Os dados são recolhidos pelo investigador presente no ambiente que é objeto de estudo, quer pela observação sistemática de tudo o que aí acontece, quer através de conversas, mais ou menos informais e ocasionais, ou verdadeiras entrevistas com as pessoas que põem em prática os processos produtivos. Os critérios específicos que presidem à recolha e à estruturação do material observativo, que foi sendo acumulado, podem ser diversos, o que importa é que a fase de observação, isto é, da presença do investigador no local, esteja sempre ligada a hipóteses de pesquisa, seja orientada segundo pressupostos teóricos precisos e não indiferenciada e casual. A observação desenrola-se, pois, dentro de dois limites que promovem o seu insucesso: por um lado, a insignificância e a ausência de um plano de pesquisa, por outro, e inversamente, a imposição de uma seleção rígida do material observável. Quanto ao modo como o investigador se comporta na cena social que está a analisar, pode, igualmente, haver amplas variações que vão desde uma atitude de observador passivo, que reduz ao mínimo as interações com os indivíduos analisados, até uma atitude mais participativa e integrada (TRAQUINA, 2016, p.167).

Segundo Traquina, a principal diferença, no que diz respeito aos estudos sobre produção de informação (ou newsmaking), "é que estes não se referem à cobertura de um acontecimento particular mas ao andamento normal da cobertura informativa por períodos prolongados. A problemática do caso excepcional alarga-se ao andamento rotineiro” (TRAQUINA, 2016, p.166).

A exposição dos problemas relativos às fontes divide-se em duas partes distintas: a primeira, referente às fontes propriamente ditas, e a segunda, às agências de informação. Embora estas sejam muitas vezes consideradas, para todos os efeitos, como fontes, a distinção é, por uma questão de princípio, legítima, visto que as agências ‘se diferenciam decisivamente das fontes propriamente ditas. Com efeito, as agências apresentam-se já como empresas especializadas, inerentes ao sistema da informação e executam um trabalho que já é de confecção, enquanto as fontes estáveis, qualquer que seja a sua natureza e o nível em que se situam, pertencem sobretudo à instituição de que são a expressão e, na maior parte dos casos, não se dedicam exclusivamente à produção de informação (WOLF, 1995, p. 199).

Wolf diz que são três as “fases principais da produção informativa quotidiana, ou seja, aquelas que podem encontrar-se em todos os órgãos de comunicação e que mais incidem na qualidade da informação”: a recolha, a seleção e a apresentação. “Cada uma delas dá lugar a routines articuladas e a processos de trabalho, dos quais só alguns aspectos são tratados” (WOLF, 1995, p. 195). Segundo o autor, o recolhimento das informações está, em síntese,

relacionado aos critérios de noticiabilidade e valores/notícia dos veículos. “[...] a recolha se verifica, sobretudo, através de fontes estáveis que tendem a fornecer material informativo já facilmente inserível nos procedimentos produtivos normais da redação” (WOLF, 1995, p. 197). A fase de recolha dos materiais noticiáveis é influenciada pela necessidade de se ter um fluxo constante e seguro de notícias, de modo a conseguir-se sempre executar o produto exigido. Isso leva, naturalmente, a que se privilegie os canais de recolha e as fontes que melhor satisfazem essa exigência: as fontes institucionais e as agências (WOLF, 1995, p. 197).

Segundo o autor, três são as formas de tornar possível uma pesquisa em newsmaking: quando os dados são colhidos no ambiente estudado, “quer pela observação sistemática de tudo o que aí acontece, quer através de conversas, mais ou menos informais e ocasionais, ou verdadeiras entrevistas com as pessoas que põem em prática os conceitos produtivos” (WOLF, 2001, p. 186).

Embora o newsmaking seja uma teoria contemporânea da pesquisa em comunicação, seu estudo requer, em sua essência, a observação dos fatos influenciadores da produção de notícias. Observar um fato, entretanto, um ponto de vista simplista, requer que saibamos quando esse fato começa e termina, e que, ainda, seja possível acompanhar o seu percurso.

As dificuldades em se analisar o processo produtivo sob a ótica do newsmaking no estudo das mídias independentes residem no fato de que, de acordo com os jornalistas das mídias abordadas para esta dissertação, uma reportagem nunca começa e termina no mesmo dia (Tatiana Dias, The Intercept Brasil); uma produção em vídeo, por exemplo, pode começar e terminar em lugares diferentes, até mesmo cidades diferentes, nas quais as diferentes etapas se dissolvem como gravação, edição e publicação (Ana Magalhães, Repórter Brasil e Raíssa Galvão, Mídia Ninja); e, além de estarem em lugares distintos, os profissionais envolvidos na produção de um material podem ser diversos, ou seja, duas pessoas ou até uma equipe inteira (Gabriela Guerreiro, Nexo Jornal). Todos estes profissionais apontam uma quebra das rotinas tradicionais no que se refere a uma ruptura com a rotinização do trabalho jornalístico. Gabriela Guerreiro, do Jota, uma das mídias que se autointitula como um movimento de startup, conforme apresentamos no capítulo 1, explica um pouco dessa fluidez dos processos:

Pra você acompanhar a nossa rotina, por exemplo, se você vier se sentar aqui na nossa redação você vai acompanhar só um pedacinho do que a gente faz. Primeiro, tem um repórter que tá na ponta, que você tem que acompanhar o trabalho dele de reportagem, aí depois ele manda a informação por exemplo para um alerta, que já cai na mão do editor do alerta. Você teria que sentar do lado do editor do alerta para ver como ele está mandando aquela informação. Aí daqui a pouco eu vou escrever uma matéria para o site, aí quem publica para o site é outro. Como nossa redação é descentralizada, você talvez até conseguisse fazer isso numa redação tradicional, onde está todo mundo junto e que está um do lado do outro nessa engenharia. Mas no caso assim dessas novas empresas como o Jota, em que cada um está num lugar

e a gente para economia de tempo mesmo e dinheiro, não precisa ficar você se deslocando de onde você está para a redação, então a gente descentraliza tudo e cada um está fazendo seu trabalho (informação verbal).119

Ainda que as entrevistas possam dar subsídios para essa aplicação da metodologia do newsmaking (WOLF, 2001, p. 186), as teorias precisam ser repensadas, e, segundo Terry Eagleton (2004), adaptarem-se ao mundo que elas refletem. O autor, filósofo e crítico literário britânico, avalia que se as teorias e ideias “insistem, como eles fazem, na necessidade de ver as coisas em seu contexto histórico, então isso também deve se aplicar a eles mesmos” (EAGLETON, 2004, loc. 432, tradução nossa). A fluidez apontada por Gabriela Guerreiro – e por tantos outros profissionais ouvidos para a pesquisa – nos apresenta a fluidez, ou seja, a liquidez de uma sociedade moderna

Isso não significa que não haja uma organização e rotina do trabalho. As dinâmicas concernentes ao processo jornalístico existem, mas a maior parte desse ambiente não possui amarras. Ao contrário do que afirmou Isabel Travancas (2011, p. 16), ao dizer que a empresa jornalística é o local de trabalho do jornalista, inclusive a localizando e caracterizando sua relevância dentro do espaço urbano, o espaço físico da redação perde a centralidade e o protagonismo de outrora.

O espaço em que o jornal se situa no bairro é muito mais amplo do que o ocupado por seu prédio. Ao redor do edifício, em geral grande mas não necessariamente de vários andares, há muitas pessoas ligadas à empresa, carros da redação, office boys que transitam e alguns bares ou botequins sempre movimentados. O jornal ocupa lugar de destaque na região, localizando-se na maioria das vezes no centro da cidade. Em alguns casos, uma rua não é logo identificada por seu nome, mas sim pelo do jornal nela situado (TRAVANCAS, 2011, p. 20).

Enquanto nas mídias tradicionais, redações como de mídias impressas, a exemplo da Folha de S.Paulo, ou de televisão como da Rede Globo, a pauta começava e terminava dentro daquele ambiente. Nas mídias independentes, e muito separado do tipo de conteúdo produzido por elas, seja uma reportagem para o site ou uma produção em vídeo, o material pode ter percorrido caminhos virtuais, passando pelo bloco de anotações de um repórter, um grupo de conversa no Telegram ou WhatsApp, e terminando na tela do computador de um editor que fará sua publicação.

Ao falar sobre a redação tradicional, Travancas a denomina como “o centro vivo do jornal”, sendo o “espaço que funciona 24 horas por dia e no qual se encontra a razão de ser do jornal: a produção da informação. Pois se a notícia se encontra na rua, sua elaboração se faz na

119 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 fev. 2019. A

redação” (TRAVANCAS, 2011, p. 20). Tal noção da redação, como um espaço de profunda produção, não pode ser aplicada ao contexto das sete mídias estudadas neste trabalho. Num cenário de mídia contemporânea, as etapas dos processos produtivos, antes mais demarcadas, estão imbricadas, contínuas e desterritorializadas.

O local de trabalho do jornalista em um contexto de mobilidade e convergência se configura primeiro nas redes (sociais e digitais) e depois nos espaços físicos. Os aplicativos de conversa como Telegram e WhatsApp são locais de trabalho destes novos produtores, muito mais que um endereço físico, como percebemos nas entrevistas com jornalistas de novas mídias digitais. Gabriela Guerreiro, do Jota, conta:

a gente pode trabalhar de qualquer lugar, desde que esteja com computador. A gente tem a nossa sala aqui de apoio, mas os repórteres já ficam na rua naturalmente. Mas você pode estar em qualquer lugar que você está conectado, a gente usa muito a ferramenta Hangout todo dia. O problema é esse também, todo dia tem muita reunião via computador ou celular. [...] Porque como tá todo mundo espalhado e às vezes são funções que estão interligadas. Quando a pessoa está do seu lado é mais fácil, mas quando não tá você acaba tendo que falar com ela por essas ferramentas. A gente usa muito também conferência pelo computador e pelo celular (informação verbal)120.

Além da extrema relevância que confere à redação, Travancas (2010) descreve que os jornalistas têm cargos distintos entre si, estando divididos em categorias, como repórteres, redatores, fotógrafo, diagramador, subeditor, editor, chefe de reportagem, pauteiro etc. Tudo de forma muito definida.

Tal hierarquização não se estabelece, todavia, no contexto atual. Ainda que a autora estivesse designando uma redação de jornal impresso, as relações entre os pares dentro das redações sofreram mutações, ao menos nas mídias independentes estudadas. A exemplo do Congresso em Foco, Repórter Brasil e Jota, editores assumem, por vezes, a função de administradores do veículo, e repórteres tornam-se fotógrafos e cinegrafistas de suas próprias pautas, produzindo conteúdo multimídia. Ana Magalhães, editora da Repórter Brasil, diz que ocorre de cotidianamente assumir mais funções, devido à falta de estrutura/setores como uma mídia tradicional, em que é possível contar com uma secretária, um setor de passagens etc.

Faço reportagem, eu edito texto, eu coordeno projeto, eu faço relatório de projetos, faço orçamento, faço produção de viagem da minha equipe, sou eu quem faço. É muita coisa muito diferente que eu tô fazendo e o tempo todo. É divertido, eu adoro, mas às vezes eu falo, "nossa". E aí, por exemplo, sexta-feira, feriado em São Paulo, eu trabalhei de casa, e eu tive que cinco horas da tarde mandar uma equipe pra Brumadinho. Mas quem teve que fazer essa programação de viagem fui eu. Eu que sentei, que cotei passagem, comprei passagem, aluguei um carro, contratei pessoas. Eu demorei cinco horas para fazer essa produção de viagem. Se o admin do

120 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 fev. 2019. A

administrativo da Repórter Brasil estivesse aberto, ele teria me ajudado, mas era sexta-feira, feriado, a Repórter Brasil não funciona e eu comecei a fazer essa produção seis horas da tarde. Ali o que eu senti falta, estou falando como coordenadora da Repórter Brasil, é de um pouco mais de estrutura mesmo (informação verbal)121.

Travancas faz menção à rotina dos repórteres do jornal impresso, da chegada à redação, ou seja, o local onde se faz o jornalismo, até o fim de seu expediente, que se encerra com a saída da redação. A rotina descrita pela autora nos remete à primeira aproximação com o termo, por meio de seu significado e referência àquilo que é habitual, seguido ou trilhado da mesma maneira, uma conservação da sequência, cronologia de como determinadas atividades devem ser executadas122.

Embora funcione 24 horas por dia, a redação tem seus momentos de pique. Em torno das sete da manhã, há poucas pessoas na sala. Ali se encontram o chefe de reportagem, o pauteiro, alguns contínuos e os primeiros repórteres da manhã que começam a chegar, sem falar nos que trabalharam de madrugada. Por volta das 10 horas, o movimento já é grande e o barulho intenso. Entre 11 e 16 horas, o período é de calmaria - os repórteres estão na rua e os redatores ainda não chegaram. Depois das 16 e até as 20 ou 20h30, o movimento vai não só aumentando como se intensificando, e a ansiedade cresce: veem-se várias pessoas correndo de um lado para o outro, ouvem-se gritos aflitos, motivados pela tensão. Está próxima a hora de fechamento do jornal, que não espera ninguém - é o deadline (linha da morte), ou seja, prazo fatal. Neste momento os telefones tocam intensamente e muitas vezes não são atendidos. [...] Passado este clímax, aos poucos a redação vai se esvaziando, silenciando e, por volta das dez da noite ela já está com mais da metade dos terminais desocupados (TRAVANCAS, 2011, p. 35).

Esse caráter de rotina como caminho já trilhado ou sabido também passa por mudanças. A rotina existe, mas em tempos líquidos. O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (2007) diz que as mudanças acontecem num tempo maior daquele necessário para a sua consolidação (2007, p. 7). Não temos a pretensão de afirmar que a era tudo sólido, no entanto, tem-se a quebra da noção de solidez.

Líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer muito tempo (BAUMAN, 2007, p. 7).

Sobre os líquidos, o autor aponta que eles “fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam” (BAUMAN, 2001, p. 8), ou seja, como as formas sociais da contemporaneidade, não existe uma estabilidade, tampouco uma previsibilidade, como na

121 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 fev.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G desta dissertação.

rotina descrita por Travancas. No século XXI, ao qual Bauman chama de “modernidade líquida”, “as rotinas antigas e aparentemente eternas começaram a se desintegrar; os hábitos antigos e convenções começaram a mostrar sua idade e os rituais, sua debilidade” (2007, p. 100).

Nesse contexto líquido, outro aspecto das rotinas sofreu mudanças: a territorialidade. As redações, como apontou a editora do Jota, Gabriela Guerreiro, perderam o protagonismo, e a desterritorialização e a mobilidade são as novas formas de produzir. Bauman aponta que passamos da modernidade pesada à modernidade leve. A conquista do espaço não é mais o “objetivo supremo”.

A modernidade pesada foi a era da conquista territorial. A riqueza e o poder estavam firmemente enraizadas ou depositadas dentro da terra - volumosos, fortes e inamovíveis como os leitos de minério de ferro e de carvão. Os impérios se espalhavam, preenchendo todas as fissuras do globo: apenas outros impérios de força igual ou superior punham limites à sua expansão. [...] A ‘fábrica fordista' o modelo mais cobiçado e avidamente seguido da racionalidade planejada no tempo da modernidade pesada, era o lugar do encontro face a face, mas também do voto de ‘até que a morte nos separe’ entre o capital e o trabalho (BAUMAN, 2001, p. 133, 134).

Segundo o autor, o espaço agora cede lugar ao tempo:

Na era do hardware, da modernidade pesada, que nos termos de Max Weber era também a era da racionalidade instrumental, o tempo era o meio que precisava ser administrado prudentemente para que o retorno de valor, que era o espaço, pudesse ser maximizado; na era do software, da modernidade leve, a eficácia do tempo como meio de alcançar valor tende a aproximar-se do infinito, com o efeito paradoxal de

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