• Nenhum resultado encontrado

O dia a dia na mídia independente

No documento Download/Open (páginas 81-86)

CAPÍTULO 2 – PRÁTICAS RECONFIGURADAS: NOVAS ROTINAS E OLHARES SOBRE

2.3 A visão de protagonistas

2.3.1 O dia a dia na mídia independente

As semelhanças com a prática jornalística nas mídias tradicionais ainda existem, mas não é a pretensão deste estudo discutir se elas são positivas ou negativas. A intenção e o que mostram os jornalistas entrevistados quando do cotidiano do fazer jornalístico nas redações (sejam como forem essas redações) é uma tendência maior à adoção e proximidade de questões como mobilidade, horizontalidade e menor hierarquia nas sete mídias independentes estudadas. Em todas elas, os fluxos produtivos têm novas formas de se estabelecer, ainda que incipientes. Reuniões de pauta, processo produtivo da pauta, relação com os pares e superiores. Tudo isso assume uma nova perspectiva em redações não necessariamente físicas, e em contextos de redes (do ponto de vista da rede mundial de computadores, das redes sociais e da produção em redes).

Uma das mídias com um processo mais próximo à mídia tradicional, quando falamos sobre o nascer da pauta, é o Nexo Jornal. Segundo a editora Olívia Fraga, o veículo faz reuniões de pauta semanalmente e presencialmente, no ambiente da redação. “Eu tenho reunião de pauta uma vez por semana com a minha equipe e o Conrado com a de economia e política, uma vez por semana. Mas de dois em dois meses a gente tem uma geralzona, de todo mundo” (informação verbal)135. Na mesma linha, o editor do Congresso em Foco, Edson Sardinha, diz que as reuniões de pauta acontecem, a exemplo da mídia tradicional, sendo o fator presencial determinante para definir essas reuniões, uma vez que os colegas precisam de certa forma estar juntos para que elas aconteçam. Nesta mídia, os encontros acontecem uma vez por semana, às segundas-feiras, que é o único dia que está a equipe toda na redação. “Como é um dia que geralmente não tem [sessões no] Congresso, a gente vai, se reúne, e aí meio que pensa a semana, mas não é uma camisa de força. Mas existe um momento ali de trocas, pra estar junto” (informação verbal)136.

A Repórter Brasil também conta com um processo de reunião presencial e periódico, no entanto, segundo a editora Ana Magalhães, como eles têm “menos gente, porque são cinco pessoas, eu acho até que elas [as reuniões de pauta] têm uma vantagem, elas são mais soltas”

135 Entrevista gravada da editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 mar. 2019.

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice F desta dissertação.

136 Entrevista gravada do editor do Congresso em Foco, Edson Sardinha, concedida para a pesquisa no dia 07 fev.

(informação verbal)137. O mesmo ocorre no The Intercept Brasil. Segundo a editora Tatiana Dias, com uma equipe menor e reunião de pauta conjunta “é muito mais fácil conseguir emplacar uma ideia, muito mais horizontal, a gente discute muito juntos o projeto, de uma maneira mais de igual para igual, eu acho. Reuniãozona todo mundo pitaca, do estagiário ao pessoal da arte” (informação verbal)138.

Por outro lado, as outras mídias analisadas apresentam um processo mais dinâmico. Na Mídia Ninja, as reuniões de pauta acontecem em ambientes virtuais. A jornalista Marielle Ramires explica que o processo ocorre por chats139. Tudo começa no chat editorial, onde as pessoas recebem o conteúdo, “tudo que é radar chega ali, esse radar é muito variado. Tem inbox de todas as redes, as pessoas mandam muita coisa por inbox [...]. Então é muita coisa. De buraco da rua até assassinato de ativistas, denúncias” (informação verbal)140. Em relação a isso, a editora das redes sociais da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, detalha o processo: “a gente pega o que a gente vai fazendo e vai colocando no Telegram, em chats diferentes. Então, tem chat de design, chat de TV, chat de redes, chat de cada coisa” (informação verbal)141. Além da “virtualidade” das reuniões de pauta, na visão de Raíssa, esses encontros não têm mais horário marcado para acontecer e passam a ser constantes. “Porque, assim, a gente faz algumas reuniões, mas no geral ela é constante, né. O tempo inteiro é uma reunião de pauta” (informação verbal)142.

Por outro lado, algumas das mídias analisadas não contam com essa rotina de reuniões. Bruno Torturra, fundador do Estúdio Fluxo, diz que sente falta do trabalho em uma redação, como jornalista, por conta das reuniões de pauta que ocorriam lá. “Reunião de pauta para mim é uma das coisas mais incríveis que tem [...] Em revista é especialmente legal, porque você [...] cria junto com designer, fotógrafo, com fotógrafos diferentes, com designers diferentes” (informação verbal)143.

137 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 fev.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G desta dissertação.

138 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 maio.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

139 Em tradução literal significa conversação ou mais informalmente bate-papo. O termo designa aplicações de

conversação em tempo real.

140 Entrevista gravada da editora da Mídia Ninja, Marielle Ramires, concedida para a pesquisa no dia 23 mar.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta dissertação.

141 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio.2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

142 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

143 Entrevista gravada do fundador do Estúdio Fluxo, Bruno Torturra, concedida para a pesquisa no dia 30 nov.

O dia a dia nessas mídias, que em sua maioria contam com um menor número de profissionais quando comparadas a uma mídia tradicional, exige que os jornalistas façam mais coisas, ainda que não sejam cobrados para fazer publicações diárias (cumprindo uma agenda de postagens). No Congresso em Foco, por exemplo, Edson diz que o jornalista que começa com a pauta pensa nela toda, “Nossa equipe sempre foi pequena e sempre teve essa característica. A gente tem que fazer de tudo. De tudo mesmo, desde pensar a pauta, apurar fontes, publicar, ir até lá” (informação verbal)144. Dessa forma, o próprio editor diz que reveza as edições em dois turnos com um colega, para darem conta de tudo.

Embora atue como editora, Olivia Fraga, do Nexo Jornal, destaca que, ao contrário da grande mídia onde já atuou, mais de uma pessoa participa do processo de edição da pauta. Ela edita tudo, mas quando a pauta é mais melindrosa uma outra colega editora edita, ou até mesmo a diretora geral.

Tem coisa que só o cara que está especializado na área pode ver. Então esse jogo no Nexo é possível, apesar de ser muito corrido [...]. Não tinha isso na redação tradicional. Posso dizer que não rolava, nem na Globo nem no Estadão. Então a gente tem as pautas, essas pautas caras, os assuntos que a gente quer cobrir, tem o jornalismo de dados e a gente quer explorar o máximo possível do que o texto pode apresentar também (informação verbal)145.

No The Intercept Brasil, a editora Tatiana Dias diz que às vezes escreve matérias e reportagens, mas em pouca quantidade. “Mas minha função é editar, pensar na pauta do dia, cuidar dos freelas. A gente tem uma rede de colaboradores. A gente tem um monte de pauta encaminhada para as próximas semanas. Então organizar o quê que entra tal dia” (informação verbal)146.

Em relação à distribuição e à produção de pautas, Marielle explica que tudo é feito em uma dinâmica rica e complexa, e que os procedimentos dependem das situações.

Por exemplo, vai ter uma mobilização indígena, a gente fala assim, com uma liderança indígena, a Sônia, e a gente já é bem próximo com a Sônia. Ela fala ‘gente, semana que vem vai ter uma mobilização nacional indígena e tem 80 cidades que vão participar’. Ela manda essa lista. A gente faz a nossa chamada ‘mobilização nacional indígena, faça parte da cobertura’. E a gente mapeia com ela quem são as pessoas de cada lugar que são os pontos de referência. Porque as lideranças locais, elas mapeiam já quem vai tirar foto, quem vai fazer vídeo (informação verbal)147.

144 Entrevista gravada do editor do Congresso em Foco, Edson Sardinha, concedida para a pesquisa no dia 07 fev.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta dissertação.

145 Entrevista gravada da editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 mar. 2019. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice F desta dissertação.

146 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 maio.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

147 Entrevista gravada da editora da Mídia Ninja, Marielle Ramires, concedida para a pesquisa no dia 23 mar.

No Jota, Gabriela Guerreiro avalia que não tem muita diferença do processo de produção de uma mídia tradicional. Segundo ela, a estrutura é muito parecida com qualquer redação, uma vez que, para além de realizarem reunião de pauta toda semana, na dinâmica de edição adotada por eles:

Os editores pegam as pautas com os repórteres, a gente tem um esquema assim: os repórteres de cada área, os editores daquela área, tem o que a gente chama de editores executivos, que eu sou um deles, que a gente fica entre os editores e os sócios, que os sócios também estão lidando com outras questões, mas existe um sócio que cuida da parte também da reportagem e que fala direto comigo. Mas a gente tem essa hierarquia para não ficar 10 pessoas falando com o repórter. Se não também inviabiliza o processo. Eu preciso de alguma coisa que o repórter faça, eu peço pro editor dele. E o editor dele repassa. A gente segue direitinho (informação verbal)148.

A apuração da pauta por parte do repórter, segundo Gabriela, também não muda muito, “é o repórter que está lá na ponta, que vai atrás da informação, que vai apurar, que vai escrever e que vai mandar. [...] Entrevista, grava, pergunta, toma café, conversa, almoça”. No entanto, segundo a jornalista que trabalhou em uma mídia tradicional como Folha de S.Paulo, mas também na Agência Brasil e Rádio CBN, o que muda é no processo entre a apuração e o produto final. “Aí entra nosso sistema interno de como isso vai funcionar. [...] Têm informações que vão primeiro para assinantes, depois vão para o site. Então, a gente tem um fluxo interno de controle da informação” (informação verbal)149.

Do ponto de vista do fluxo produtivo, tradicionalmente falando na pauta, na produção, na edição e na distribuição, Raissa Galvão diz que na Mídia Ninja o processo é mais fluido.

A gente tem a pauta que a gente define, que eu acho que é o mais dinâmico. A gente define tanto nesse Núcleo de Redes quanto no Conselho Editorial, quanto do próprio público, do comentariado, de parceiros, com os movimentos sociais que estão puxando campanha etc. E aí chega a pauta a gente vai pensar como a gente fazer. ‘Ah, isso aqui é um meme, ah, isso aqui só um tweet já dá conta, isso vamos fazer tal coisa…’ Isso a gente decide nesse núcleo de editoria, as redes, e se a gente ali já resolver nós mesmos se já damos saída ou se a gente passa pro design fazer uma peça, ou se a gente passa pra TV, pra TV fazer uma peça. Aí a gente faz o roteiro, passa pra eles e eles já fazem pra gente e posta. Aí a distribuição, ela vai ser de acordo com o que foi pensado (informação verbal)150.

Na Repórter Brasil, Ana Magalhães explica que o processo de edição de um material é muito mais colaborativo. “Eu dou sugestões, eu devolvo o texto pro repórter dizendo, senti falta

148 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 fev. 2019. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação.

149 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 fev. 2019. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação.

150 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

disso aqui. É uma edição interativa [...] é uma edição conjunta. O repórter tem uma voz ativa. O repórter é muito mais valorizado”. Segundo ela, a valorização do repórter tem centralidade nesse processo, porque “a partir do momento em que você tem uma estrutura hierárquica muito menor e menos rígida, não tem como, você precisa valorizar a base que é teu repórter” (informação verbal)151.

Não são os processos de produção ou apuração de pautas que se distinguem, mas para a editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, é no conteúdo do site - das reportagens e matérias - que ela vê as maiores diferenças com a grande mídia. Segundo ela, como o site é financiado pelo público, os jornalistas precisam “entregar coisas que sejam relevantes e grandes e ambiciosas, e a gente está sempre correndo atrás de projetos. No jornal grande, têm quinhentos editores e diretores pra você pedir uma verba. É uma burocracia, como qualquer empresa grande. O The Intercept tem um, dois”. [...] Para Tatiana, com uma equipe e organização menores, “é muito mais fácil emplacar coisas, projetos e ideias [...]. E que não dependa de outras fontes de grana. Claro que a gente tem que buscar financiamento, financiamentos alternativos”, diz Tatiana (informação verbal)152.

Sobre as diferenças entre as rotinas do Nexo e do The Intercept, mídias independentes na qual a jornalista já atuou, Tatiana diz que no Nexo a produção era mais intensa, com muitas coisas em um mesmo dia, enquanto no The Intercept o fluxo é muito menor. “O Nexo, às vezes, você faz uma matéria em uma manhã. Você pega um monte de apanhadão e pá, pá, pá. [...] No The Intercept não. A gente nunca faz uma matéria baseada em outros jornais. Sempre é uma atuação própria. É outro ritmo”, diz Tatiana (informação verbal)153.

A horizontalidade é outro fator cotidiano que tem interferência no contexto produtivo de uma mídia. Todas as mídias analisadas se veem mais horizontais que a mídia tradicional, pela qual eles passaram154. Edson Sardinha aponta que, no Congresso em Foco, onde todos estão ao lado do chefe, a liberdade é maior. Ao comparar essa realidade com a mídia tradicional, na qual ele atuou, analisa “você não pega nem o elevador com o dono do veículo. [...] [Na mídia independente] Você se sente parte do projeto. Você sabe quais são os propósitos que estão te

151 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 fev.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G desta dissertação.

152 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 maio.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

153 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 maio.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

154 A exceção da jornalista Raíssa Galvão, da Mídia Ninja, que foi a única entrevistada que não atuou em mídias

guiando e que estão guiando o veículo. E muitas vezes na grande mídia você não sabe o rumo que está indo” (informação verbal)155.

Olívia Fraga, do Nexo Jornal, tem posicionamento semelhante em relação à mídia em que atua. Segundo ela, no Nexo a dinâmica é mais horizontalizada. “A equipe é pequena, eu tenho seis repórteres, o Conrado tem cinco, o Zé tem uns cinco ou seis também, dados são uns quatro, vídeo são uns três. Se você juntar tudo não dá trinta pessoas. Mas é isso, a gente conversa, todo mundo discute essas pautas mais cabeças. [...] Redação pequena é boa por causa disso, todo mundo tá junto. É mais democrático” (informação verbal)156.

Sobre a mobilidade na rotina, Ana diz "É mais criativo, é mais informal. Muito mais informal. O clima lá na Repórter [Brasil], você viu, você olhou, é mais informal, mais pessoal" (informação verbal)157.

No documento Download/Open (páginas 81-86)