• Nenhum resultado encontrado

Produção fluida, móvel e convergente

No documento Download/Open (páginas 77-80)

CAPÍTULO 2 – PRÁTICAS RECONFIGURADAS: NOVAS ROTINAS E OLHARES SOBRE

2.2 Produção fluida, móvel e convergente

O jornalismo das mídias independentes contemporâneas analisadas nesta pesquisa tem em comum a produção fluida, móvel e convergente, que se estabelece em redes (CASTELLS, 1999), como dissemos no Capítulo 1. Dentro de uma perspectiva de produção midiática em uma sociedade líquida, apontada por Bauman, as rotinas jornalísticas tornam-se processos jornalísticos dinâmicos, que rompem com a linearidade, entre outros aspectos. Essa não linearidade na rotina tem a ver com o fim, por exemplo, da necessidade de comprometer-se com uma publicação constante de materiais, ou seja, uma nova relação com o tempo. Ana Magalhães, editora da Repórter Brasil, aponta que a sensação do tempo dentro da Repórter Brasil é diferente. Sem estar preso ao número de entregas por dia, a possibilidade de fazer jornalismo investigativo é real. Como eles não têm a obrigação de publicar uma matéria por

dia, por mês ou por semana, os repórteres trabalham com maior profundidade nas pautas. “[...] a gente coloca com frequência os nossos repórteres, às vezes uma semana, às vezes duas semanas, investigando o mesmo assunto. E eu acabo de colocar um repórter um mês investigando o mesmo assunto” (informação verbal)123.

Um exemplo de como a convergência, aliada à mobilidade, resulta em um novo formato de trabalho, que passa muito longe daquilo que é praticado na mídia tradicional, está na forma de organizar os fluxos na Mídia Ninja. Segundo a jornalista Marielle Ramires, “tudo funciona por chats” (informação verbal)124. O mesmo ocorre no Jota, onde segundo a editora Gabriela Guerreiro, não existe uma preocupação com a presença física do repórter. E “se a gente precisa de deslocamento, Uber” (informação verbal)125.

Tatiana Dias, editora do The Intercept Brasil, aponta esse desprendimento com a presença física, mesmo para ela que é editora. “Eu trabalho em casa [...] No Rio de Janeiro tem a redação. E aí eu vou pra lá uma vez por mês para trabalhar de lá” (informação verbal)126.

A fluidez e a mobilidade da rotina no Nexo Jornal podem ser vistas, por exemplo, no fato de a mídia não funcionar "fisicamente" nos finais de semana e não ter plantões rígidos, ambos característicos da mídia tradicional. “Ninguém trabalha de findi, a menos que seja o plantonista. Em geral, os plantonistas são os editores. Eles publicam as matérias que ficam prontas, a não ser que seja uma coisa muito quente que rolou”, diz a editora Olívia Fraga. Segundo ela, seu plantão ocorre uma vez a cada seis semanas, ou seja, não são todos os meses. “Você só fica responsável por moderar comentário no Facebook e publicar, programar matérias prontas. [...] a gente faz de casa. No sábado em geral é muito leve. [...] No domingo é um pouquinho mais extenso. Porque você prepara a newsletter pra segunda” (informação verbal)127. Embora o jornal conte com cinco bases físicas (duas casas coletivas e três bases parceiras), a editora Raíssa Galvão explica que até mesmo a organização física da Mídia Ninja é muito móvel, “porque a gente tem uma mobilidade muito grande. A gente acaba não se

123 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 fev.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G desta dissertação.

124 Entrevista gravada da editora da Mídia Ninja, Marielle Ramires, concedida para a pesquisa no dia 23 mar.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta dissertação.

125 Entrevista gravada da editora do Jota, Gabriela Guerreiro, concedida para a pesquisa no dia 07 fev. 2019. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação.

126 Entrevista gravada da editora do The Intercept Brasil, Tatiana Dias, concedida para a pesquisa no dia 31 maio.

2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice H desta dissertação.

127 Entrevista gravada da editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 mar. 2019. A

prendendo a territorialidades” (informação verbal)128. Segundo ela, se um projeto escolhido como prioridade será no Rio de Janeiro, por exemplo, “vai uma equipe para o Rio, ou então, eu preciso me deslocar na semana pra participar de outras atividades, então eu vou e circulo. Então, não tem muito uma territorialidade definida” (informação verbal)129. Este trabalho, segundo Raíssa, ocorre em fluxo e é pensado de forma estratégica, considerando as bases existentes. “Ah, nesse momento é mais legal a gente estar com o grupo inteiro de redes junto. Ah, agora não precisa mais, vamos juntar a TV. A gente vai definindo meio em fluxo assim” (informação verbal)130.

Outro aspecto presente nas mídias estudadas é o tamanho das equipes e estruturas, que costuma ser menor que a mídia tradicional. Tal característica, segundo os profissionais entrevistados, pode estar relacionada à fluidez nos processos, que são menos burocráticos e engessados. Ana Magalhães, da Repórter Brasil, acredita que o fato de esta mídia ser menor gera alguns pontos muitos positivos.

Uma estrutura hierárquica muito menor, eu não tenho que prestar contas pra ninguém, ninguém vai vetar o meu trabalho. Se algum dia eu decido fazer uma matéria mais ousada, com um título mais ousado, tenho espaço pra isso. E além disso, uma coisa que é muito importante, que no mundo dos negócios do jornalismo, comparando as startups com as grandes empresas, é que você tem muito mais agilidade de processos. Os fluxos são muito mais rápidos. Então, isso aí, eu acho até essa estrutura menos burocrática e menos hierarquizada, ela gera muito mais margem para processos criativos (informação verbal)131.

O The Intercept Brasil, que também conta com uma equipe pequena, diz que não tem a pretensão de fazer uma cobertura full time. Segundo a editora Tatiana Dias:

a gente não tem nem a pretensão de cobrir o dia a dia porque a gente não conseguiria. A gente escolhe em quais brigas a gente vai entrar. Quais os temas que a gente vai entrar. Tem coisa que a gente simplesmente decide mudar porque a gente não vai conseguir cobrir isso como a Folha tá dando. A gente pode até retweetar eles, a gente não vê problema nenhum em retweetar os outros, acho ótimo, a gente coopera. A Repórter Brasil é superparceira. A gente, enfim, dá audiência para os brothers também. A gente escolhe no que a gente vai entrar e o que a gente consegue cobrir

128 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

129 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

130 Entrevista gravada da editora das redes sociais e da rede de colunistas da Mídia Ninja, Raíssa Galvão, concedida

para a pesquisa no dia 11 maio. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação.

131 Entrevista gravada da editora da Repórter Brasil, Ana Magalhães, concedida para a pesquisa no dia 05 fev.

melhor. Então a gente é muito mais criterioso na escolha das pautas (informação verbal)132.

Ainda sobre isso, Tatiana diz que é “muito raro a gente publicar uma coisa de um dia para o outro. Isso quase nunca acontece. Agora, a gente tá fazendo coisas pras próximas quatro semanas, assim. A gente tem planejamento para médio prazo aí” (informação verbal)133.

Na contramão das demais mídias estudadas, no aspecto do tamanho da equipe e da estrutura, a Mídia Ninja consegue reunir um número de pessoas muito alto, num contexto de organização colaborativa, em redes (CASTELLS, 2013) e em diversos pontos do país. A editora Raíssa Galvão enumera tanto quem trabalha efetivamente no veículo quando o público alcançado:

A gente tá contando hoje com uma escala de 50 pessoas no Conselho Editorial; 500 colaboradores que estão mais no dia a dia, que já estão envolvidos, que já fizeram cobertura, que estão dentro do nosso chat; a gente tem 5 mil pessoas que já se inscreveram de alguma forma em alguma atividade que a gente fez, seja numa oficina, seja num edital que a gente lançou; 50 mil pessoas que comentam nas nossas redes, comentam e interagem, geralmente; a gente tem 500 mil que a gente alcança; 5 milhões de seguidores, se somar todas as redes; e 50 milhões que dependendo da semana a gente alcança também. Então a gente tem essa escala (informação verbal)134.

No documento Download/Open (páginas 77-80)