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Liberdade e segurança: a instituição das individualidades/subjetividades e comunidades

A ambivalente problemática tecida por Bauman, a questão da liberdade e da segurança, ao longo de seu pensamento refletem a condição humana sob dois prismas: sob a ótica da segu- rança, demanda moderna nos tempos do Estado-nação/Estado providência, da sociedade de construtores e legisladores e, por outro lado, da liberdade, desejo individual também moderno, porém paradoxal para a lógica racional da modernidade produtora/reguladora/legisladora. Na primeira perspectiva, a modernidade sólida e, na segunda, a modernidade fluída, líquida. Em nossa análise, a compreensão dessa ambivalência em Bauman, não é condição para que o so-

24 Acerca da validade e necessidade do diálogo Bauman escreve, em nossa compreensão, baseado em Verdade e

Método, de Hans-Georg Gadamer, que independente de quais sejam os obstáculos, os problemas ―e independente de sua magnitude, a conversa continuará sendo o caminho supremo para um acordo e, assim, para uma convi- vência pacífica e mutuamente benéfica, colaborativa e solidária, simplesmente porque não tem concorrentes, nem, portanto, uma alternativa viável‖ (BAUMAN, 2017b, p. 113-4, grifo no original). Incorporamos a este debate a compreensão de Singly (2006, p. 189), demonstrativa do valor do diálogo, bem como da comunidade, para a constituição do indivíduo: ―O indivíduo não se realiza apenas na discussão, tem também necessidade de outra forma de relação com os outros para descobrir a sua originalidade, a sua autenticidade, a sua interioridade. [...] O eu não pode ser alcançado senão pelo diálogo com um outro significativo, através da formação de relações afectivas, amorosas e de amizade‖. E, na continuidade do debate, Singly, aproximando-se, em nossa compreen- são, do pensamento baumaniano, oposto ao comunitarismo, escreve: ―Incluir na modernidade o amor e a amiza- de como suportes de laços tão importantes como a razão é um dos meios de luta contra o ‗comunitarismo‘. As pertenças recebidas e impostas não são [...] da mesma natureza que as pertenças reivindicadas livremente. Não há pois qualquer motivo para confundi-las sob o termo de ‗comunidades‘‖ (2006, p. 191).

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ciólogo abandone a aposta na possibilidade humana. É a condição humana, temática central da sua elaboração, um constructo sólido, ainda que residual. Dessa forma também compreen- demos que a condição humana representa a tese inalienável de todas as ações e compreensões da ciência, das instituições e dos próprios indivíduos, ressalvadas as especificidades de cada compreensão teórica e das intencionalidades científicas. Contudo, os próprios rumos da ciên- cia determinados pelas racionalidades subjacentes, por subjetividades gestoras, pelo próprio poder – tanto nas suas dimensões micro quanto macro, pessoal quanto globalizado – são ma- nifestações daquilo que também se compreende como a porção sócio-histórica e cultural da condição humana.

O compromisso baumaniano da condição humana acompanha sua obra e é o estrutu- rante nevrálgico de seu pensamento. É o que ocorre ao pensar a liquidez da modernidade, na qual Bauman encontra e, então, preserva a possibilidade da humanidade como um residual de solidez onde seja possível ancorar teoricamente o compromisso ético/moral/social/teórico dos indivíduos25 (BAUMAN, 2011a, p. 20) e a perspectiva de uma nova sociedade. Por isso, afirma um tanto enfaticamente, considerar ―extremamente difícil, quiçá impossível, imaginar a ‗pessoa humana‘ fora da sociedade ou a ‗sociedade‘ independentemente dos indivíduos que a compõem. Se os seres humanos são ‗intrinsecamente‘ alguma coisa, eles são seres huma- nos‖ (BAUMAN, 2011a, p. 53).

O próprio Bauman compreende-se e se assume como eclético, não preso a uma corren- te de pensamento de forma a tornar-se exegeta de textos santificados. Essa condição o deixa- ria deveras desconfortável que assumiu ―a liberdade de beber em qualquer fonte‖, com eman- cipação e crítica que, na sua avaliação fosse ―inspiradora‖ e ―digna de ser bebida‖. Em seu estilo eclético, no trânsito intelectual pelas plurais fontes, desenvolve um pensamento sedento ancorado na pergunta constante e recorrente pela possibilidade do humano, livre para agir a partir da segurança da comunidade. Paradoxalmente, a segurança é que permite a liberdade, seu exercício, sua conquista, exercício que permite ao indivíduo viver sua subjetividade e, desse modo, postar-se mais proximamente da autonomia. Esses ideais liberais/iluministas

25 Keith Tester, no livro Bauman sobre Bauman (2011a, p. 20), expõe essa compreensão acerca do pensamento baumaniano: ―Uma das qualidades mais significativas e interessantes do pensamento de Bauman é seu rigor, sua seriedade moral. Ao contrário de muitos pensadores sociais, ele não acha que questões de moral possam ser reduzidas a gostos pessoais, a posições e experiências de grupos específicos ou a procedimentos metodológicos. Tampouco acredita que questões de moral possam ser analiticamente desprezadas em favor de algo em tese mais fundamental. Em vez disso, Bauman afirma [...] que a moral se refere ao compromisso com o outro ao longo do tempo. A moral não diz respeito a caprichos temporários, mas aos seres humanos na condição de humanos, e não porque são como eu sou. Ele acredita que a moral é a questão humana fundamental porque somos sempre e ine- vitavelmente confrontados em nossas vidas com outras pessoas em geral e com alguns parceiros em particular. Para Bauman, portanto, o pensamento social é indivisivelmente moral em seu contexto e seus interesses. Ele diz respeito à humanidade‖.

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chegam a Bauman por influência do pensamento moderno, na ruptura com o pré-moderno, trazendo a possibilidade da individualidade/subjetividade (PITHAN DA SILVA, 2010, p. 78- 9) caminhos da expressão do sujeito e da condição de suas próprias buscas asseguradas pelas regulações de um Estado que se esboça de direito, contudo ainda, efetivamente, legislativo26.

O Liberalismo enquanto representação política e moral da sociedade moderna se fun- damenta, pois, numa perspectiva individualista da liberdade. Parte dos pressupostos emergentes da modernidade de que o homem é livre para conhecer e agir. Significa, nestes termos, uma ―conquista‖ no que se refere às tentativas de se libertar das crenças postas pela tradição – de que o mundo é governado por um poder transcendente ou di- vino. Torna-se, com isso, potencialidade de instaurar novos valores e, com isso, libe- rar e autorizar uma nova forma de compreender o mundo, a partir da ciência e da ra- zão (subjetiva). Assim, significa a ―utopia‖ de instaurar no seio da sociedade um pro- jeto de autonomia, em nível individual e de democracia, em nível coletivo (PITHAN DA SILVA, 2010, p. 79, grifo no original).

No temor/insegurança/medo, a liberdade é impossibilitada, mas continua latente. A compreensão desse sentido em Bauman faz-se possível a partir daquilo que compreendemos como paradigma da ambivalência e procuramos sustentar nessa tese. Como expressa Bauman (2014, p. 31), ―ninguna transacción pueda considerar-se una solución definitiva al dilema de equilibrar la seguridad con la libertad‖. A tônica de uma ambivalência que dialoga com o in- divíduo enquanto agente da liberdade, da emancipação, de desejos e demandas, somente pos- síveis de serem asseguradas pela coletividade, neste sentido, expressão da segurança. A segu- rança que Bauman apresenta não é aquela do controle absoluto/panóptico do Estado- nação/legislador, sobre os indivíduos, como uma doação; mas aquela construída desde o seio da insegurança/da dúvida/da incerteza pelas ações dos próprios atores/agentes/sujeitos, a par- tir da compreensão de que ela, a segurança, é também uma possibilidade que pode – e deve – ser desenvolvida pelos indivíduos, nas suas relações. Isso nos revela a possibilidade do apren- dizado, da construção, da emancipação27. Aqui nos parece estar a condição da república e da democracia, para Bauman. Nesse sentido Pithan da Silva (2010, p. 80), citando Saviani, com- preende o espírito, numa linguagem hegeliana, e a historia, na linguagem baumaniana, da época:

26 Seguindo no pensamento de Pithan da Silva, há que se considerar também outra chave de leitura baumaniana, a partir da obra Vida Líquida (2009), posto que ―uma série de aspectos rondam a problemática da identidade e da subjetividade moderna. O sentido de fundo‖, então para Pithan da Silva, ―se apresenta aqui aproximado daquele que Adorno utiliza em seus textos sobre educação e emancipação. Não se trata de jogar fora o indivíduo e a subjetividade, mas de questionar os sentidos ou as mediações implicadas na sua constituição. Para a teoria crítica isto significa um modo de evidenciar as contradições sociais e a partir disso questionar as zonas não realizadas da liberdade e da emancipação‖.

27 Essa questão é aprofundada no último capítulo por ser central na argumentação da tese e da temática que se estabeleceu naquele lugar.

36 Na sociedade moderna, capitalista, as relações deixam de ser naturais para serem do- minantemente sociais. Em consequência, a sociedade deixa de se organizar segundo o direito natural e passa a se organizar segundo o direito positivo que é estabelecido formalmente por convenção contratual e se traduz em constituições escritas.

A colocação desse horizonte teórico baumaniano, a ambivalência28 que se expressa por uma das vias pela liberdade na segurança e/ou a segurança da liberdade, amplia as fronteiras da ação humana e oxigena possibilidades de aprendizado coletivo, de criatividade, de iniciati- vas mesmo que individuais com potencialidades universais. Na chave de leitura de Boaventu- ra de Sousa Santos (2007, 2004), esse aspecto pode ser compreendido com o sentido de agir localmente pensando globalmente e, desse modo, enfrentar esse tensionamento liberdade- segurança para superar o ―pensamento abissal‖. Com Sousa Santos nos colocamos na oposi- ção à lógica do capital volátil, flexível, dos tempos líquidos e, aproximados de Bauman (1999a, p. 133) podemos denunciar a ―tremenda vantagem de que desfruta a nova elite glo- bal‖ (BAUMAN, 1999a, p. 133), em certa medida enfrentando a missão de promover a segu- rança e garantir liberdade, atividades do Estado-nação. O capitalismo pós-industrial, é capaz, na sua lógica de flexibilidade, de determinar a nível local e permitir que ―a elite e as leis do livre mercado‖ (BAUMAN, 1999a, p. 133) coloquem-se no horizonte do transnacional, situa- ção em que apenas a ―pobreza é criminalizada‖ (BAUMAN, 1999a, p. 134) e parece ser a responsável pelos erros, catástrofes, abusos e gravidades da sociedade, já que a elite está isen- ta/alheia a essas questões29. Situação que justifica mais controle, mais regulação, por um lado, do Estado e/ou do capital e, por outro, apropriação desse Estado pelo capital/mercado através de redução do tamanho do Estado: Estado mínimo, privatizações, isenções de impostos a grandes empresas, concessões monopolistas e privatistas.

28 Quando compreendemos a ambivalência como um paradigma, e o fazemos a partir de Bauman, precisamos considerar, como faremos no decorrer desse capítulo, sua condição de princípio cognitivo e também como possi- bilidade interpretativa e/ou de compreensão ampliada para dar conta da condição de paradigma. Localizamos, pelo menos, dois desafios para situar Bauman e, nele, o paradigma da ambivalência: o modo de compreender o lugar do intérprete na constituição das teorias e, ainda, o significado da interpretação do real. Isso nos autoriza a considerar que Bauman, em sua última fase, opera no horizonte da linguagem e, por outro lado, continua temati- zando questões caras às tradições da crítica social à modernidade. Contudo, mesmo assim, valendo-se da abertu- ra da nova crítica à modernidade.

29 Na obra Vida Líquida Bauman parece aproximar-se da crítica realizada por Jameson acerca da prepotência e uma espécie de hegemonia volatilizada ao compreender que ―Cada vez mais, os apelos por mais liberdade, a apresentação da liberdade mais ampla como a cura universal para todos os males presentes e futuros, e as de- mandas para desmantelar e tirar do caminho os resíduos de restrições que tolhem os movimentos dos que espe- ram fazer bom uso do fato de estar em movimento são vistos, com suspeita, como uma ideologia da elite global emergente. Caem em ouvidos moucos no que se refere ao restante da população do planeta e estão se transfor- mando rapidamente num grande obstáculo a um diálogo planetário‖ (BAUMAN, 2009, p. 191).

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A influência de Habermas no pensamento baumaniano, para nós, percebe-se desde seus primeiros escritos ingleses, por exemplo, em Por uma sociologia crítica (1977) até os mais recentes. Acompanha, portanto, o percurso do desenvolvimento do pensamento bauma- niano que orbita em torno da ambivalência, empreendimento que buscamos compreender, com o presente esforço, em Bauman. Em nossa análise, vemos, então, Bauman colocar-se, de certa forma, numa espécie de justificação de momentos/atitudes/compreensões mais sólidas, reguladoras e, em outras, advogando acerca das situações líquidas. Desenvolve esse movi- mento com tranquilidade dialógica, próprio da hermenêutica sociológica/hermenêutica plura- lizadora, considerando elementos das diversas tradições do pensamento, o que nos parece dar vitalidade à racionalidade comunicativa de Habermas (HABERMAS, 2003). Assim, a ambi- valência, propriamente enquanto paradigma a pautar a perspectiva teórica baumaniana, se apresenta na aproximação histórica com Habermas, como a necessidade de diálogo, o que evidencia-se ao escrever que ―A principal característica da civilidade é a capacidade de inte- ragir com estranhos sem utilizar essa estranheza contra eles e sem pressioná-los a abandoná-la ou a renunciar a alguns dos traços que os fazem estranhos‖ (BAUMAN, 2001, p. 122)30.

Parece-nos ficar claro o caminho teórico da fundamentação baumaniana, ao debater a pergunta título da 35ª carta do Mundo Líquido Moderno (BAUMAN, 2011b). Nela, escreve: ―Os fundamentos da nova/velha filosofia de vida por ora parecem inabaláveis. A profundida- de e a irreversibilidade da mudança porque passou o mundo na transição para a fase ‗líquida‘ da modernidade manifestou-se na timidez das reações governamentais à maior catástrofe eco- nômica desde o fim da fase ‗sólida‘‖, e acrescenta, acerca do setor financeiro, ―aquela podero- sa força causal e operacional por trás da desregulamentação, a mais importante patrocinadora e adepta da filosofia do ‗começaremos a nos preocupar em atravessar a ponte quanto chegar- mos a ela‘; das ações fragmentadas em episódios vacinados contra assumir a responsabilidade pelas consequências‖ (BAUMAN, 2011b, p. 173-4). As incitações do mercado, do capital financeiro, põem-se na concordância de que ―a ‗ordem do egoísmo‘ tenha precedência sobre a ‗ordem da solidariedade‘‖ (BAUMAN, 2011b, p. 175). Está posta, dessa forma, em nossa compreensão, o tesouro na ―racionalidade da defesa coletiva‖ e bem resguardados os ―atrati- vos da feroz competição individual‖ (BAUMAN, 2011b, p. 176). Esses elementos, o egoísmo, os atrativos do mercado consumidor, os apelos do mercado, as ações do capital financeiro, se constituem em fortes impedimentos que a ação do capital pós-industrial exerce no sentido de

30 Estas aproximações, não suprimem os pontos de divergências, discordâncias e distanciamentos e outros aspec- tos das teorias/compreensões dos dois pensadores.

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bloquear a união de forças coletivas para defesa/manutenção e qualificação das ―liberdades individuais‖.

No livro escrito já neste século, assumindo sua posição liberal, Comunidade: a busca por segurança no mundo atual (2003), Bauman referencia, entre outros pensadores, Max We- ber e resgata do pensamento dessa fonte a noção de comunidade constituída não a partir da ―similaridade de condições e status‖, porque elas ―não asseguram automaticamente uma ação unificada, da mesma forma que a dissimilaridade não leva necessariamente ao conflito. Para que ocorram unidade e conflito‖, o que seria, então, ―um mero agregado de unidades similares tem que ser transformado antes numa comunidade agindo em uníssono [...]‖continua Bauman (2003, p. 78). Em consonância com Weber, Bauman destaca a necessidade do ―engajamento‖ como um requisito fundamental para a formação da comunidade. Engajamento em torno de objetivos comuns/de ações que promovam/despertem uma identificação entre os membros da comunidade. Não é natural a constituição, na comunidade, de diferenças. Compreendemos bem que elas são produções do grupo de indivíduos. Mas a comunidade mais autêntica, ―agindo em uníssono‖, é aquela que se institui a partir das diferenças. Aí transparece o espíri- to da comunidade que habita na capacidade de agregar os diversos membros, os indivíduos distintos que assumindo suas diferenças, mantém-se em ideais próximos. Se compreendemos bem, paira também nesse diálogo baumaniano-weberiano, a instituição da comunidade como autoinstituição viabilizada pela potência que representa a racionalidade comunicativa na in- corporação e qualificação das relações entre diferentes. Etnias, objetivos, ideários, metodolo- gias, conhecimento/ciência e interpretações distintas podem, via diálogo, estabelecer proximi- dades. Quando Bauman diz ser o verdadeiro diálogo aquele estabelecido entre diferentes, nos parece estar lecionando justamente nesse sentido instituinte – na compreensão habermasiana e bem aproximada também da castoridiana – da comunidade. Engajamento, nessa concepção, são estreitos laços que formam as comunidades e as mantém em contatos permanentes na per- secução das suas demandas e ações.

Percebemos, nesse movimento baumaniano, a tendência pluralizadora de Bauman e a transcendência à burocratização das relações sócio-políticas e filosóficas. Se ―o diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você‖ (BAUMAN 2016a), o compromisso dos indiví- duos, da comunidade é a integração, a ―agregação‖, como diz Weber, a incorporação de novos e diferentes indivíduos-membros o que representa forte compromisso/vínculo com o humano. Especialmente com a condição humana de estar no mundo e nele realizar-se, ser um aconte- cimento. Os membros de uma comunidade não se anulam ante a comunidade, mas mantendo

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suas constituições/interpretações/ideais, asseguram-se de que ela é seu porto seguro na conse- cução da pretendida liberdade. Compreendida assim, a liberdade individual não é isolada, egoísta, mas acontece na relação forte/madura da comunidade que acolhe o diferente e lhe permite – não no sentido de concessão, mas de segurança – empreender sua caminhada pesso- al. A comunidade autentica e assume as demandas subjetivas porque compreende estar na liberdade a fonte de sobrevivência, continuidade e qualificação da própria comunidade. Não se refere à comunidade homogênea do ―Estado jardineiro‖, cultura lógica da limpeza étnica, mas comunidade plural, instituída pela diversidade e multiplicidade de vozes, características republicanas.

A comunidade agregada, como Bauman compreende de Weber, colocada como sinô- nimo da comunidade humana, de Bauman – embora este último sentido se coloque mais avançado e notoriamente ampliado na concepção baumaniana – reconhece a ação da educação na formação – note-se que não estamos nos referindo à formatação31 – dos indivíduos pela práxis. O simbólico desenvolve-se aqui pela ação da comunicação, da relação dialógica e ins- titui-se como um resíduo de solidez na continuidade da comunidade, símbolo de segurança e na realização do indivíduo em sua demanda de liberdade, assegurando-se da possibilidade de ser como é/assumir sua condição humana. Nessa relação dialógica, pode desabar o temor que a diferença nas suas variadas manifestações – étnica, religiosa, social, cultural, econômica – provoca e a diferença passa a ser elemento de crescimento, de ampliação, de qualificação das relações sociais e da efetivação da dignidade humana. Bauman trabalha, então, na nossa com- preensão, no sentido da superação da comunidade burocrática/de juris e desenvolvimento da comunidade de fato. A educação, não apenas no seu aspecto formal, mas também no não-

31 E nesse sentido, distante de formação como instrumentalização, nos associamos a Hans-Georg Gadamer, para dizer que ―Formar não é fazer. A formação está, pois, intimamente associada à representação daquilo para o qual algo se formou de modo a ser assim e assado. A formação não pode, portanto, significar o desenvolvimento de determinadas capacidades em habilidades. A capacidade de [clicar] num botão no momento certo e, desse modo, servir correctamente um processo de produção, também é decerto uma habilidade, que tem de se aprender com esforço e dela ter um domínio efectivo. Quando se trata de formação, não está em causa esta possibilidade de formar capacidades; trata-se de ser de tal modo que se consiga servir, com sentido, das suas capacidades. Não se confunda a formação com a aprendizagem de habilidades. São coisas necessárias, e a nossa educação deveria desenvolver as capacidades dos nossos sentidos com mais força e de um modo mais racional do que acontece no nosso sistema escolar, que é dirigido pelos interesses político-económicos da sociedade industrial. Mas que o desenvolvimento de tais habilidades constitua a formação de alguém de modo a ser uma pessoa culta, um ho- mem com sentidos cultivados, implica ainda, claro está, outra coisa: distância ao seu poder-fazer próprio, distân- cia às suas predisposições e unilateralidades, à autoconsciência do seu poder-fazer específico. Só é, pois, real- mente culto também nos seus sentidos quem, com a ajuda da sensibilidade de todo o seu ser, consegue ver, estar atento, observar e entrar em acordo com outros‖ (GADAMER, 2001, p. 114). Gadamer e nós, no seu lastro, concebemos que ―A formação exige e suscita a capacidade de poder olhar as coisas também com os olhos dos outros‖ (GADAMER, 2001, p. 115). Esta inferência, acreditamos, contribui no sentido da hermenêutica plurali-