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Esforço de síntese conceitual hermenêutica: arqueologia do paradigma da ambivalência

―Ambivalência‖, conforme discutido ao longo deste capítulo, aproxima-se – também com sentido ambivalente – de ambiguidade, a partir de quando a compreensão baumanina diz que, ―Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual‖, então, de acordo com o pensamento, eles, os ―mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais‖ (BAUMAN, 1998, p. 10). Nessa concepção, ―Cada ordem tem suas próprias desordens; cada modelo de pureza tem sua própria sujeira que precisa ser varrida‖ (BAUMAN, 1998, p. 20). O paradig- ma da ―ambivalência‖ assume a arqueologia da ―infixidez da situação‖, a ―aflição da incerte- za‖. Podemos dizer que ―um modo de conhecer é tão bom, ou tão ruim (e certamente tão volá- til e precário) quanto qualquer outro‖ (BAUMAN, 1998, p. 36). A ―ambivalência‖ admite que ―apostar‖ – a ideia aqui é do jogo gadameriano – ―é a regra‖. Para Gadamer (2005, p. 159-60),

O próprio jogo é um risco para o jogador. Só se pode jogar com possibilidades sérias. Isso significa, evidentemente, que alguém se engaja ao ponto de permitir que elas o superem e se imponham. O atrativo que o jogo exerce sobre o jogador reside exata- mente nesse risco. Desfrutamos assim de uma liberdade de decisão que está correndo riscos e está sendo inapelavelmente restringida.

A ―certeza‖, outrora procurada, convive germinal com ―arriscar-se‖; a ―teimosa busca de objetivos‖ (BAUMAN, 1998, p. 36), contém-se ante o movimento do ―prazer‖, da ―satisfa- ção‖, do ―momento‖. O jogo, o risco, situações presentes no mundo humano, presentificam no concreto e no imaginário ―a ameaça‖ como ―projeção da ambivalência interna da socieda- de sobre seus próprios recursos, sobre a maneira como vive e perpetua seu modo de viver. A sociedade insegura da sobrevivência de sua ordem desenvolve a mentalidade de uma fortaleza sitiada‖ (BAUMAN, 1998, p. 52), o mundo privado, a ―política vida‖, na terminologia bau- maniana. ―Ambivalente‖, nessa lógica de pensamento, é desprovido de soluções patenteadas, de remédios isentos de efeitos colaterais e de movimentos isentos de riscos. ―Ambivalente‖ é necessidade de incerteza, caráter inconclusivo, subdeterminação. ―Ambivalência‖ é forma

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nunca conclusiva, nunca verdadeiramente satisfatória; portanto, é contingente. O próprio Bauman evidencia essa noção ao compreender, a partir do pensamento de Canguilhem, que ―o transe existencial humano é incuravelmente ambivalente, [...] o bem está sempre combinado ao mal‖, de tal forma ser ―impossível traçar com segurança a linha entre a dose benigna e a venenosa de um remédio para as nossas imperfeições‖ (BAUMAN, 1998, p. 104). Desse mo- do, ―ambivalência‖, é ―Convite ao misterioso, à tolerância e à equanimidade; ao inconstante, não inteiramente determinado, compreendido e previsível‖. Em O mal-estar da pós- modernidade (1998), Bauman, situa a ―ambivalência‖ no status de ―Contingência e polifonia de verdades. Colapso da ordem em todos os seus níveis teóricos. Ausência da visão de uma boa sociedade capaz de dispor de um consenso. Incoerência dos desejos e atitudes, derrocada da ordem mundial, falência da energia e compreensão intelectual‖ (BAUMAN, 1998, p. 247)67.

Na obra Modernidade e Ambivalência, Bauman (1999b), apresenta características para esse modo de ser e compreender, típico da contemporaneidade, dos tempos presentes. O que diz sobre ―ambivalência‖ nos permite, também, estratificá-la como paradigma: é característi- ca, ação, vida própria da modernidade. Desenvolver uma razão dualista: uma que controla, ―legisla‖, preocupada com ―segurança‖ e outra que realiza a auto-crítica, muito mais ―intér- prete‖ e adepta da ―liberdade‖; uma razão que domina e sabe, é científica, e a outra, do senso comum, do conhecimento da vida. Ambiguidade, desse modo, é inseparável da humanidade e se apresenta constitutiva do humano. Na citação que faz a partir de Derrida, Disseminations, torna ainda mais compreensível o conceito de ambiguidade evidenciando sua paradoxalidade: ―A diferença produz o que proíbe, tornando possível a coisa mesma que torna impossível‖ (BAUMAN, 1999b, p. 64).

Nas interpretações colhidas do pensamento baumaniano, naquilo que estamos nos es- forçando para demonstrar como central em seu percurso teórico identificado por nós como paradigma da ambivalência o situamos no ―interregno‖ (BAUMAN, 2016f) entre o presente e o futuro. Concordamos que seja algo ainda totalmente desconhecido/não racionalizado/não dominado ou compreendido e, portanto, sem condições de afirmação, apenas de especula- ção/suposição/expectativa, especialmente no presente momento da história humana em que o paradigma da razão/da ciência, dos ―construtores‖/dos ―philosophes‖, ainda é uma estrutura sólida. O paradigma que vemos orientar o percurso da obra de Bauman reconhece a falibilida-

67 Essa tematização também está desenvolvida nas obras gadamerianas referenciadas na bibliografia deste texto e identificadas com anos 2002 e 2012.

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de da ordem e a vulnerabilidade da vida, das situações e afirmações e assume que elas não podem ser eliminadas da existência, do mundo comum/do mundo da vida.

O paradigma da ―ambivalência‖ não afirma a regularidade, a qualificação e o mérito da vida, da existência, da sociedade, tampouco dos conceitos e ações, do modo/com os senti- dos que apreende no momento contemporâneo. Mas permite ver que a sociedade/a realidade, se apresenta, assim, nesse interregno. Por isso acontece o ―mal-estar‖ de nosso tem- po/contemporaneidade ou, no conceito de Bauman, ―modernidade líquida‖. Esse medo da ambivalência nasce do poder que traça linhas divisórias e com o objetivo de dominar, busca demonstrar que o ―normal‖ e o ―anormal‖, o ordenado e o caótico, o sadio e o doentio, o raci- onal e o louco, não coexistem, não são simultâneos/possibilidades, não são uma constante, como expressa a linguagem matemática que tem facilidade em determinar o que é certo e o errado. O paradigma da ―ambivalência‖ permite compreender a dualidade e, ao mesmo tempo, a complexidade, o paradoxo, em que se encontra a humanidade, o próprio discurso, o concreto e o imaginário. O paradoxo68 integra a ambivalência como intercorrência própria do momento pós-moderno/líquido, expressão dos contrários e da viabilidade/necessidade do diálogo entre ―utópico‖ e o ―catastrófico‖, no entendimento jamesoniano (JAMESON, 2007, p. 292). ―Am- bivalência‖ é então ―polissemia‖, ―relativismo‖ e ―subdeterminação crônica‖ (BAUMAN, 1999b, p. 86). É justamente nesse contexto, segundo Bauman (2013a, p. 214-5), ―Com toda certeza‖, que

o diálogo é uma arte difícil. Significa entrar uma conversa com a intenção de esclare- cer as questões em conjunto, em vez de impor sua própria maneira de vê-las; de mul- tiplicar as vozes em vez de reduzir seu número; de ampliar o leque de possibilidades em vez de buscar um consenso no atacado (essa relíquia dos sonhos monoteístas des- pida de coerção politicamente incorreta); de buscar em conjunto a compreensão, em vez de ter como objetivo a derrota do outro; e, em geral, ser estimulado pelo desejo de fazer a conversa prosseguir, e não de interrompê-la em definitivo.

Com o paradigma da ambivalência percebemos a dialética como presença no mundo, nos acontecimentos e nos conceitos, não como elemento exclusivo da modernidade – na rela- ção ―sólida‖ e ―líquida‖ e todas as suas características, desafios e sentidos – e/ou da pós- modernidade, mas manifestação esclarecida, visível agora, após uma história de ocultação e/ou incapacidade humana de perceber. Por isso ocorrem as afirmações de ―tempos de crise‖;

68 Sobre a ambivalência ser paradoxal, buscamos em A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias

vividas, 2008, uma compreensão baumaniana que a identifica com a ―situação pós-moderna, esta situação para- doxal que transforma uma adaptação perfeita num risco, descansa nas mesmas, e muitas vezes lamentadas, plura- lidade e ‗multivocalidade‘ da abundância atual de ‗reuniões em prol da busca de um aprendizado superior‘ [...]‖ (BAUMAN, 2008a, p. 175).

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porque começamos a ver mais profunda e pluralmente como as coisas acontecem em devir. Nessa perspectiva vemos que ―O mundo moderno é um mundo de conflito; é também o mun- do de um conflito que foi interiorizado, que virou um conflito interior, um estado de ambiva- lência e contingência pessoais‖ (BAUMAN, 1999b, p. 188).

O Bauman do ―mal-estar‖ (1998) e do ―pêndulo‖ (2014) vê Freud como ambivalente e, talvez busque daí fontes de inspiração69, pois compreende os paradigmas freudianos como marcados pela ambivalência: misturam amor e ódio, atração e repulsa, amizade e inimizade. Algumas incongruências no mandamento do amor ao próximo levam Bauman (2014, p. 142) ao desenvolvimento da dialética da ―mixofilia‖ e ―mixofobia‖70. O mundo é ambivalente em- bora não concordem seus/suas governantes e colonizadores/as, ―As certezas não passam de hipóteses, as histórias não passam de construções, as verdades são apenas estações temporá- rias numa estrada que sempre leva adiante mas nunca acaba‖ (BAUMAN, 1999b, p. 190). Nesse sentido, então, continua afirmando que

A ambivalência não é para ser lamentada. Deve ser celebrada. A ambivalência é o li- mite de poder dos poderosos. Pela mesma razão, é a liberdade daqueles que não têm o poder. É graças à ambivalência, à riqueza polissêmica da realidade humana, à coexis- tência de muitos códigos semióticos e cenários interpretativos, que o ―conhecimento associativo do intérprete é investido de poderes notavelmente amplos, incluindo até o privilégio hermenêutico de deixar perguntas figurarem como parte das respostas‖ (BAUMAN, 1999b, p. 190).

69 É fundamental compreender que Bauman, assumidamente, reconhece sua dívida com Freud em vários mo- mentos. Contudo, acerca de uma influência que nos interessa sobremaneira por conta da tese principal desse trabalho, refere-se a metodologia baumaniana da hermenêutica pluralizadora que também é denominada por Bauman como ―hermenêutica sociológica‖. Sobre esse débito baumaniano, acerca do desenvolvimento de sua maneira de investigar/pensar, reconhece como sendo uma variante sociológica da psicanálise. Ou, como diz, é o resultado da aplicação de uma estratégica investigativa freudiana ao estudo do social (BAUMAN; DESSAL, 2014 : 141). Bauman diz chamar de ―hermenêutica sociológica‖ a sua maneira de ―hacer sociología‖, ou seja, ―la lectura, desconstrucción y explicación de los pensamentos y hechos humanos em gran medida como reflejos subconscientes de los escenarios sociales donde actúan los pensadores/hacedores, así como del abanico de op- ciones estratégicas que delinean esos escenarios […]‖ (BAUMAN; DESSAL, 2014 : 141-2). Com essa confissão cremos caracterizada a ―hemenêutica pluralizadora‖ que, mais recentemente (1998 com O mal estar da pós mo- dernidade), tem assumido como sua metodologia, numa associação com ―hermenêutica sociológica‖ (2014; 2010b; 1999b; 1998).

70 Essa terminologia é utilizada por Bauman alhures em sua obra para expressar, em nossa compreensão, a pro- fundidade e amplitude da solidariedade do interior da ambivalência. Bauman tece severas críticas à superficiali- zação do sentido de solidariedade e ao apassivamento/contentamento ante a tolerância, ao diferente, ao outro. É preciso, escreve Bauman, um nível mais elevado, mais profundo de vida/experiência/relações para que a solida- riedade seja experienciada. Escreve, desse modo, que ―mixofobia‖ é ―[...] o típico medo de se envolver com estrangeiros‖, com os diferentes, com os de fora, os estranhos. E ―mixofilia‖, justamente o oposto, então com o sentido de sentir-se bem, relacionar-se, envolver-se e sentir ―[...] prazer de estar num ambiente diferente e esti- mulante‖ (BAUMAN, 2013b, p. 8). É próprio da condição humana desenvolver os dois sentimentos e mais fa- cilmente tender para um deles. Mas a cultura/a educação contribuem no forjar da condição/opção. A obra Confi- ança e medo na cidade, publicação da Zahar, no Brasil, em 2009, aprofunda, desde as primeiras páginas, ao longo de toda a obra, os dois conceitos.

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Desenvolvendo essa ideia para a ―ambivalência‖ baumanina, encontramos um ancora- douro em Pithan da Silva (2015b), quando compreende que ―ambivalência‖, ―é o inacabado do mundo, o que não se deixa dizer do mundo. Está tanto do lado do intérprete quanto do lado do objeto interpretado‖. Ao olharmos da ambivalência a complexidade que a compõe, encon- tramos Morin para quem, igualmente na compreensão de Pithan da Silva (2015b), a comple- xidade está no sujeito e no objeto. Estão lançadas luzes, então, sobre a afirmação baumaniana: ―A universalidade da ausência e do vazio é a única universalidade que existe‖, porque são infinitas as possibilidades de um mundo indeterminável. Bauman opõe-se ao mundo racional onde não há possibilidade de erro, mundo onde tudo pode ser explicado e, portanto, é perfei- tamente controlável. ―Ambivalência‖ é o espaço do provisório na condição humana, da inde- cisão. Uma espécie de não-totalidade de forma que ―Viver em contingência significa viver sem uma garantia, apenas com uma certeza provisória [...] e isso inclui o efeito emancipatório da solidariedade‖ (BAUMAN, 1999b, p. 250). A ―ambivalência‖ faz emergir a consciência da ―incerteza‖ e ambiguidade da evidência, conceitos que a tomam como onipresença/é mais ou menos universal/está em todas as dimensões da existência e é, também, perseverança da dúvi- da. Essas compreensões, do interior da ambivalência, dizem que o mundo/a realidade é uma situação sem qualquer solução determinável, sem qualquer opção segura, sem qualquer co- nhecimento irrefletido, sequer, de ―como continuar‖. Bauman continua em outro momento de sua obra, a reflexão sobre as ―incertezas‖ e o ―aleatório‖, para mostrar que

[...] a vida de trabalho sempre foi cheia de incertezas, desde tempos imemoriais. A in- certeza de hoje, porém, é de um tipo inteiramente novo. Os temíveis desastres que po- dem devastar nossa sobrevivência e suas perspectivas não são do tipo que possa ser repelido ou contra que se possa lutar unindo forças, permanecendo unidos e com me- didas debatidas, acordadas e postas em prática em conjunto. Os desastres mais terrí- veis acontecem hoje aleatoriamente, escolhendo suas vítimas com a lógica mais bizar- ra ou sem qualquer lógica, distribuindo seus golpes caprichosamente, de tal forma que não tem como prever quem será condenado e quem será salvo. A incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora. Ela divide em vez de unir, e como não há maneira de dizer quem acordará no próximo dia em qual divisão, a ideia de ―interesse comum‖ fica cada vez mais nebulosa e perde todo valor prático (BAUMAN, 2001, p. 170).

A ambivalência, presente desde o início da obra Modernidade Líquida, quando Bau- man discute a questão da liberdade: ―A libertação é uma bênção ou uma maldição? Uma mal- dição disfarçada de bênção, ou uma bênção temida como maldição?‖ (BAUMAN, 2001, p.

26), também aparece na incerteza da continuidade, do amanhã. E nesse momento há, em Bauman, uma denúncia da apropriação da contingência pelo sistema consumista que ufaniza a satisfação individual pela superficial ação consumista. Há na passagem/conflito/paradoxo,

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―ambivalência‖, característicos dos ―tempos líquidos‖. Mais adiante, utilizando Thomas Hobbes e Émile Durkheim, parece afirmar que ―A coerção social é [...] a força emancipadora e a única esperança de liberdade a que um ser humano pode razoavelmente aspirar‖ (BAU- MAN, 2001, p. 27). Dessa forma, situa a discussão entre a ―liberdade‖ e a ―ordem‖ entendida

como controle, o que para nós pode ser lido como ―segurança‖, conceito caro para Bauman. Então, parece realizar uma síntese ao escrever: ―Viver tempos interessantes é uma mistura de maldição e bênção‖ (BAUMAN, 2015), que para nós repercute, no sentido da ambivalência, recorrente na obra baumaniana, na instituição de um momento no qual não é mais possível se ―esconder na luz‖71.

As palavras de Bauman, em entrevista a Alberto Dines no Observatório da Imprensa, continuam a expressão de ambivalência: ―A sociedade tem sua diáspora que está misturada em um só espaço‖ (BAUMAN, 2015); ―O que é eterno e imutável é também universal; embo- ra a aceitação universal dessa ordem eterna e imutável possa ser atingida somente com base no conhecimento genuíno ou na sabedoria – não através da reconciliação ou do acordo entre opiniões‖ (BAUMAN, 2001, p. 56). Mas o pensamento baumaniano que nos permite aproxi- mar a solidariedade da educação, avança: ―[...] O acordo fundado na opinião não pode nunca se tornar um acordo universal. Toda fé que pretende a universalidade, isto é, a aceitação uni- versal, necessariamente provoca uma contra-fé com a mesma pretensão‖ (BAUMAN, 2001, p.

56). Então Bauman parece recorrer à noção de ―jogo‖ para, em meio a ―liquidez‖ da ―ambiva- lência‖, manter o barco navegando. A consciência da continuidade do jogo permanece, assim como aquela

71 A expressão ―se esconder na luz‖, utilizada pelo próprio Bauman em entrevista a Alberto Dines (2015), apre- senta toda a força da linguagem ambivalente que percorre a obra baumaniana. No sentido que atribuímos a ela no texto e, também, aspecto fundamental para a compreensão da condição paradigmática que pretendemos conside- rar nessa tese - para nós, vital na teoria baumaniana -, a impossibilidade de ―se esconder na luz‖ expressa a raci- onalidade que opera com a consciência da não fragmentação/exclusão/separação, mas compreende a necessidade de novo aprendizado laborando na complexidade – com o sentido filosófico que Edgar Morin que lhe atribui -, considerando as possibilidades e vínculos todos dessa teia da vida. Desse modo, para nós, a compreensão de que a realidade, a vida, a linguagem, transcendem o horizonte da separação e exigem pontes, ligações, aponta para o sentido da ambivalência como uma questão não de ―isso ou aquilo‖, ―certo ou errado‖, ―preto ou branco‖; mas aprender a pluralidade, de outro horizonte, onde seja possível pensar, compreender e fazer a partir da percepção do ―bem e mal‖, ―belo e não-belo‖, ―verdade e mentira‖... A consciência dessa amplitude da realidade e do sim- bólico, do concreto e do teórico, abrem as possibilidades para que os indivíduos ajam sob a ―luz‖/sob a clareza da perspectiva, do prisma de ponto de vista, do modo de olhar e do ponto de onde olha/vê. Institui-se um pressu- posto de que a verdade, o bom, o belo, a certeza não está de um lado ou com alguém em específico; mas é via de mão dupla, caminho aberto, disponível para o outro indivíduo/ a outra pessoa. A ambivalência indica, em nossa compreensão, essa ―luz‖ do necessário aprendizado da não operação na exclusão, na separação – quando, por exemplo, se utiliza na linguagem a partícula ―ou‖ – mas na atitude que considera a adição, o envolvimento, a incorporação – uso que tem na linguagem a partícula ―e‖ -. A luz, a consciência da realidade ambivalente, vista e compreendida de um horizonte plural, expõe ou labuta no esforço contínuo de tornar clara essa dinâmica da realidade e dos sentidos. A luz não está para alguns, mas para todos/todas.

96 de que muito vai ainda acontecer; e o inventário das maravilhas que a vida pode ofe- recer são muito agradáveis e satisfatórios. A suspeita de que nada do que já foi testado e apropriado é duradouro e garantido contra a decadência é, porém, a proverbial mos- ca na sopa. A vida está fadada a navegar entre os dois, e nenhum marinheiro pode alardear ter encontrado um itinerário seguro e sem riscos (BAUMAN, 2001, p. 75).

Desse horizonte vemos a práxis da educação como dinâmica/criativa, como compro- misso de transitar da tradição estática/da permanência à relatividade/transitoriedade, da ciên- cia hard à consciência, do concreto ao simbólico na formação do indivíduo que aprende a mudança, o movimento/a pluralidade e a incerteza; mas não abandona a ação, embora a com- preende sempre insuficiente, assim como, vê a necessidade de atualização constante de seus conceitos, de suas próprias compreensões.

Ainda na construção de uma ―saída‖ para a diluição total/absoluta, Bauman parece buscar no interior da própria ―ambivalência‖ uma espécie de solidez/residual sólido esquecido com a ―fluidez‖ pós-moderna, tão prejudicial quanto o absoluto do sólido. Segue, então, na via da possibilidade interpretativa – a luz que presentifica a realidade/o simbólico à consciên- cia – que, ao expressar/comunicar uma hermenêutica/interpretação pode instituir-se em lin- guagem de domínio público, compartilhada, compreendida/aprendida pelas pessoas, pelos indivíduos, precisamente, porque ―ambivalência‖ é ―pluralidade‖ (BAUMAN, 2001, p. 123),

também, é o ―múltiplo‖, ―complexo‖ e ―rápido‖; ―ambíguo‖, ―vago‖ e ―plástico‖, conforme debate realizado na parte três deste capítulo. Na hermenêutica baumaniana (2001) a realidade pode ser compreendida – no sentido ―pluralizador‖ e não ―singularizador‖ – como ―não ape- go‖ ou ―compromisso duradouro com nada‖, nem ninguém, o que favorece não temer um itinerário inusitado e o reconhecimento da aventura/jogo da existência por mais planejamen- to/racionalização que estejam envolvidos nas ações e métodos nas compreensões. As veredas mudam e o retornar, recuar, rever, se põem como, mais do que opções, necessidades, disponi- bilidades, constante e instantâneas (BAUMAN, 2001). A ―hermenêutica pluralizadora‖ repre- senta ―a sabedoria necessária a seu futuro‖ (BAUMAN, 2001, p. 159). O ―sólido‖, o moderno

racional, da lógica do controle, não encontram lastro na ―hermenêutica pluralizadora‖, com- ponente essencial, lado a lado com a dialética, do paradigma da ambivalência.

Como diz Juan Goytisolo, citado por Bauman (2001, p. 234), ―A intimidade e a distân-

cia criam uma situação privilegiada. Ambas são necessárias‖. Mais adiante, na mesma obra, Bauman (2001, p. 235) cita Jacques Derrida e, com isso, também aponta o que pretende com a ―ambivalência‖, que nós compreendemos como paradigma da ambivalência: ―Ser ‗cultural- mente sem Estado‘, [significa] ter mais de uma terra natal, construir um lar próprio na encru- zilhada das culturas‖ (BAUMAN, 2001, p. 235). ―Ambivalência‖, nessa perspectiva, pode ser

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ausência de significados ―assegurados‖, mas, ao mesmo tempo, ―em busca de uma forma, mas uma forma que nunca é fixada de uma vez por todas‖ (BAUMAN, 2001, p. 242). No outro

oposto – típico da situação de conflito, dialética, ―A fala de significados garantidos – de ver- dades absolutas, de normas de conduta pré-ordenadas, de fronteiras pré-traçadas entre o certo