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A condição Humana primordial: por uma antropologia fundamental

CAPÍTULO 2: FENOMENOLOGIA DA VIDA E CRISTIANISMO: A

3 A condição Humana primordial: por uma antropologia fundamental

A Fenomenologia de Cristo, revela-nos a condição humana primordial. Por isso, cabe-nos agora pensar, à luz da humanidade de Jesus, o estatuto do próprio ser humano. Nosso discurso desembocará, necessariamente, numa antropologia fundamental. De fato, ao fim da sua secção sobre a Fenomenologia de Cristo, antes de nos lançar à reflexão do ser humano como "Filho de Deus", Henry aponta a desconstrução-construção frutuosa da concepção cristã acerca do homem. Assim, dirá:

Esta concepção do homem como ser do mundo é a que o cristianismo faz em pedaços. E o faz porque entende o homem a partir de seu nascimento transcendental como um Filho da Vida.174

O cristianismo provoca, efetivamente, um esfacelamento da imagem do homem como ser do mundo ao entendê-lo a partir da categoria da transcendência, imanência da Vida na carne. Compreendendo o ser humano a partir do seu nascimento transcendental como um filho da Vida e, se de fato, a Vida é Deus, compreende-o também como filho de Deus. Esta concepção cristã da humanidade faz emergir uma novidade antropológica que produz duas consequências imediatas segundo Henry: de um lado, transtorna a concepção antropológica tradicional, que afirma o homem como Dasein, como ser no mundo (do mundo); do outro lado, introduz o homem no sistema autárquico da Vida fenomenológica absoluta e de seu Verbo, possibilitando assim seu acesso a Cristo, sua salvação. Introduzir o homem no sistema autárquico da vida, significa, na linguagem teológica oriental, divinizá-lo, introduzi-lo no seio do Deus trino, Deus relação.

De fato, mesmo não sendo deste mundo, sentimos, inelutavelmente, o peso do mesmo, a carga de existir aqui e agora, neste tempo-espaço determinado. Isto nos remete à questão existencial fundamental. Trata-se do Paradoxo de ter nascido sem ter

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pedido: o peso existencial de ter que se suportar a si mesmo. Este tema é abordado por Henry na sua fenomenologia da carne, ao descrever a corporeidade original, a partir de sua auto-afecção radical, e ao propor a analítica do "eu posso". Toda esta questão, desenvolvida na segunda parte da obra Encarnação, já se encontrava presente no livro

Eu sou a Verdade. Pensando os "paradoxos do cristianismo", Henry enfatizará a

narrativa do fardo ligeiro da Vida absoluta, contraposto ao peso do vivente de ter que se tolerar como existente nesta carne em que se encontra dado originalmente sem o haver desejado. Sobre Isso, diz o autor:

Esse sentimento de estar carregado de si para sempre sem havê-lo querido, não é precisamente o ego quem o dá a si mesmo, não é ele quem determina as condições, tampouco é ele quem o leva: só o dá no ego a autodoação da Vida absoluta, só o traz e o suporta nele aquilo que o faz se suportar a si mesmo, o sofrer da Vida absoluta na qual esta chega a si na ebriedade de sua Ipseidade original.175

Suportar-se, irremediavelmente, sem o haver desejado constitui, de fato, um paradoxo existencial. Assim, a desventura de viver consistiria em que o ego afetado por um conteúdo que não escolheu carrega um pesado fardo. Este é a Vida que veio a mim sem que eu a escolhesse. Contudo, como pode a vida ser um fardo? Antes não devíamos aceitá-la como uma dádiva? A respeito disso, parece-nos interessante a interpretação de Henry sobre a passagem de São Mateus (11,28-30). Por que diz Cristo que seu jugo é suave e leve enquanto o nosso é pesado, duro de suportar? Porque na Vida, que é Cristo, não existe outro sentir que não seja aquele do gozo eterno da Vida, que se engendra e se ama eternamente. Assim, na Vida não existe outro padecer que não seja sua alegria e seu amor sem limites. Para Henry, a transformação da carga pesada em fardo leve, acontece somente quando o ser humano se experimenta a si mesmo como filho no Filho. Ao se perceber nesta experiência radical, a de estar dado em uma Vida que é puro dom, ocorre um segundo nascimento. Este se faz condição de possibilidade para viver a vida não mais a partir da angústia de uma existência pesada e sem sentido, mas como pura

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Ibid, p.261. O termo "carregado de si" pode ser entendido através de um neologismo, tradução radical do termo ipseidade, em que entendemos a nós mesmos enquanto esta mesmidade. Este sentimento radical de estar sempre dado a mim mesmo, nesta afecção radical, porém secundária, que provém da auto-afecção primordial da Vida em si mesma.

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gratuidade. Não mais se vive a partir da fraqueza e da impotência de ter que ser sem tê-lo escolhido, mas sim a partir da esperança e da alegria de existir neste hiper-poder da Vida que, como diz Paulo (2Cor 12,10), paradoxalmente me faz forte quando pareço fraco176.

3.1 Filhos no Filho

Esta seção visa abordar uma fantástica afirmação teológica haurida da fé cristã, retomada, por sua vez, pelo discurso henryriano. Trata-se da asserção que defende a condição de filho como uma verdade originária. O homem não se torna filho da Vida ou filho de Deus numa posteridade devido à sua conduta existencial mais ou menos adequada. Ele nasce da Vida e, portanto, deve ser compreendido como Filho da Vida. Sendo o ser humano um partícipe da vida, ele não se dá a si mesmo enquanto vivente. Seu nascimento é uma dádiva. Segundo a fé cristã, nossa condição de vivente, deve ser percebida como um dom que recebemos da Vida, mediante a mesma Vida que é Cristo. A fenomenologia henryriana apresenta uma visão antropológica que destoa daquela desvelada pelo realismo ingênuo, que pensa o homem como um ser a mais no mundo. De fato, nossa presença se dá de uma forma bem distinta dos outros corpos que habitam o universo. Primeiro, porque somos um corpo de carne, somos seres encarnados. Segundo, estamos presentes de uma forma diferente, porque conscientes desta presença, podemos agir efetivamente sobre nós mesmos e o mundo à nossa volta. Percebemos então, que a própria tradição filosófica, concebida a partir das reflexões de Descartes, Kant e Husserl, já contradiz, como bem nos lembra Henry, a noção do realismo ingênuo. Fazendo emergir, portanto, o homem em sua condição epistemológica, em sua possibilidade transcendental, como sujeito capaz de conhecer e dominar a realidade. Contudo, a fenomenologia henryriana propõe, a partir da tradição cristã, outra visão do ser humano177. A concepção cristã do homem como Filho introduz, segundo Henry, um caráter antropológico - filosófico revolucionário, ao afirmar que ele não é um ser-do-mundo como os outros corpos. Trata-se de uma virada antropológica que anuncia a passagem de uma Fenomenologia do mundo a uma Fenomenologia da Vida.

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Cf. Ibid, p. 263.

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108 A inversão da concepção do homem, realizada de uma vez por todas pelo cristianismo, não consiste na modificação dos elementos incluídos na concepção reinante. Consiste em sua exclusão. Outra essência fenomenológica define ao homem transcendental cristão, outra verdade. Outro modo de fenomenalização da fenomenalidade constitui sua realidade substancial, a carne fenomenológica que constitui sua carne. O cristianismo procede a esta substituição radical de um modo de

verdade por outro quando apresenta o homem como filho.178

A concepção reinante, referida no texto acima, diz respeito ao realismo ingênuo ou à filosofia transcendental, ambas partícipes da Fenomenologia do mundo. Este outro modo de fenomenalização da fenomenalidade se refere à nossa condição de viventes no seio da Vida. A outra essência fenomenológica que define ao homem é justamente sua condição de filho gerado no Filho. Com isto, o autor pretende afirmar que a existência encarnada, que somos cada um de nós, difere-se, radicalmente, do conceito de criação presente na Fenomenologia do mundo.

Ao afirmar que o homem não é um ser do mundo como os outros corpos, afirma-se que o afirma-ser humano possui origem distinta. Ele não foi criado do mesmo modo como todas as outras coisas, mas foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn1). Esta criação à imagem e semelhança é interpretada por Henry a partir da categoria, até então teologicamente reservada à vida intra-trinitária, de geração dos filhos no Filho. Sabemos o quão problemático se faz esta hermenêutica henryriana. Afirmar que o homem é gerado no Filho como filho destoa da clássica tradição teológica que afirma o homem como criação ordinária, somente o Filho de Deus é gerado eternamente. Somos conscientes do risco hermenêutico da interpretação henryriana no que diz respeito à origem da vida do ser humano. Contudo, depois de nossa pesquisa, afirmamos que não nos parece que a reta intenção do autor possa ser colocada em questão. Isto significa afirmar que não conseguimos detectar em sua teoria, filosofia do cristianismo, a intenção de derrubar a tese teológica da criação do homem como marca da sua radical alteridade em relação a Deus. Na teoria do autor, o homem, apenas não deve ser considerado como uma criatura ordinária, ele é de ordem extraordinária porque pertence à esfera da Vida do próprio Deus, isto significa ser feito à imagem e semelhança.

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Portanto, pensamos que a palavra geração, no discurso henryriano, sempre que se refere ao ser humano, para evitar cair na interpretação que acarreta possível lesão à ortodoxia, deve ser pensada em dois sentidos. No primeiro, geração significa o mesmo que nascimento transcendental do homem que tem sua origem no seio da Vida, mais propriamente dito, criado no Filho. No segundo sentido, pode-se pensar que o homem é gerado enquanto é criado de forma distinta das outras realidades. Neste sentido, a geração do homem no Filho, significa o mesmo que sua criação à imagem e semelhança da Vida, que é Deus. Isto porque recebe de Deus a Deus mesmo, ou seja a Vida. Devemos colocar o acento no verbo 'receber', que aponta para a dimensão de passividade do homem em relação à Vida absoluta. Retomaremos este tema no nosso terceiro capítulo, quando trataremos da Inteligibilidade primordial e o sentido cristão da salvação.

Para prosseguir nosso discurso, urge retomar a distinção basilar operada no pensamento henryriano entre geração e nascimento. Esta reflexão colocará em xeque a concepção filosófica clássica do nascimento, segundo a qual nascer significa vir a ser, entrar na existência. Se a fenomenologia funda a ontologia, poderíamos dizer que nascer, segundo uma compreensão fenomenológica, pode ser entendido como vir a aparecer neste horizonte de visibilidade do mundo. Não obstante, tal visão nos lança num profundo dilema, quando compreendemos, segundo Henry, que neste horizonte do aparecer do mundo nenhum nascimento é possível, pois a Vida não se manifesta no aparecer do mundo. Desta forma, a concepção clássica, que concebe todo nascimento como o "vir a aparecer neste mundo", fica relegada à ilusão. No mundo não é possível nenhum nascimento.

Não somente dizemos que muitas coisas vêm ao mundo sem por ele ter nascido, senão, mais radicalmente, que a vinda ao mundo proíbe de antemão todo nascimento concebível se é verdade que, no "afora de si" do mundo, o abraço da vida consigo estava quebrado antes de se produzir, se a Verdade da

Vida é irredutível à do mundo.179

A distinção entre geração e nascimento, a partir do mundo da Vida (Lebenswelt), já foi tratada tangencialmente quando abordamos a questão da autorrevelação da Vida absoluta no seu Logos primordial, e haverá de ser retomada, no terceiro capítulo,

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quando abordarmos os temas da Protologia e da Soteriologia. Vimos, contudo, que o termo geração encontra-se reservado, teologicamente, para a relação de mistério e amor que ocorre na Vida que se autoengendra como Pai-Filho no Espírito. Ao se engendrar, no abraço patético de si mesmo a si mesmo, a vida se engendra como Filho. A geração do Primeiro vivente ou do Arqui-Filho é o ponto de partida para a compreensão do nascimento transcendental de cada homem e mulher como filhos e filhas da Vida. Portanto, esta questão primeira da geração e nascimento nos lança no terreno teológico da ressignificação do conceito de filiação. Já observamos que, segundo a Fenomenologia do mundo, nascer significa aparecer sob esta estrutura de visibilidade ek-stática. Todavia, segundo a Fenomenologia da Vida, o nascimento se refere a uma fenomenologia mais radical e não pode ser reduzida ao aparecer do mundo. Vale a pena ressaltar uma vez mais este pensamento:

Pois o nascimento não consiste nesta sucessão de viventes que pressupõe em si a vida, mas consiste na vinda à vida de cada vivente a partir da Vida mesma. Tampouco se pode compreender a não ser a partir desta e de sua essência própria, a partir da autogeração da Vida como sua autorrevelação na

Ipseidade essencial do Primeiro Vivente.180

Ao advogar o nascimento como algo distinto desta sucessão de viventes, o autor nos remete ao versículo 13 do prólogo de São João : "eles, que não foram gerados nem

do sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus". Contudo, faz-se importante perceber que, segundo o próprio Henry, ao se

recusar a fundamentação radical da filiação no homem, não se procede assim por razão semelhante ao maniqueísmo, que advoga que o sangue e a carne são maus. A tese que fundamenta esta recusa de que não chamemos "Pai" a nenhum homem sobre a terra, ancora-se em algo que outrora já fora explicitado em nosso discurso (Mt, 23, 9). Trata-se da indigência ontológica que a todos assola. Assim Trata-sendo, o ponto nevrálgico é que este sangue e esta carne são viventes, mas não são, em si mesmos a Vida. Portanto, como tal, não existe possibilidade que sejam geradores autônomos da vida. Assim, fica demonstrada a absurdidade que constitui a pretensa paternidade do mundo. Se cada um que se deixa chamar de pai não é a vida, mas somente vivente, então esta autotitulação

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não pode ser lícita. Isto porque, como vivente, também se coloca como receptor deste dom primordial de "ser encarnado na Vida", não sendo a vida em si, não pode também dá-la, não deve, portanto, ser considerado ou chamado, originalmente, de pai. Como diz Henry:

Situar os conceitos de nascimento e de Filho sob a salvaguarda

do Arqui-Filho transcendental e, de fato, referir-se

necessariamente à Vida absoluta cujo Arqui-Filho não é senão o autocumprimento sob a forma de sua autorrevelação. Trata-se de apelar inevitavelmente a outra Verdade distinta daquela do mundo, a essa Verdade da Vida fora da qual não existe, efetivamente, nem nascimento nem filho, nenhum tipo de vivente.181

Ao pensar o homem na qualidade de filho, o pensamento henryriano lança um olhar crítico sobre a Cristologia das duas naturezas. Como antes dissemos, para o autor esta reflexão cristológica apresenta problemas por gerar preconceitos que impedem a intelecção do cristianismo. O primeiro se relaciona com a ideia de que, ao pensar em Cristo a união entre duas naturezas (humana e divina), pode-se pressupor que exista uma natureza humana preexistente, posteriormente assumida pelo Verbo. Diante disso, surge o desafio de "explicar Cristo a partir de uma natureza humana que não existia

quando Cristo foi engendrado no autoengendramento da Vida absoluta"182. Onde fica a afirmação de João 8,58 (eu sou antes de Abraão)? Segundo o pensamento henryriano, se o homem foi engendrado na Vida, não pode haver nele outra "matéria fenomenológica" que não seja aquela da Vida. Conceber uma natureza humana separada daquela própria na qual foi gerada, constitui uma aberração para o cristianismo, e coloca em xeque a afirmação capital do homem enquanto filho no Filho.

Prosseguindo ainda sua análise, o autor dirá, com relação à significação negativa e positiva da afirmação do homem como filho da Vida, que no primeiro momento, esta asserção arranca o homem da compreensão ordinária dos seres inseridos no mundo natural. Negando, portanto, sua existência como ser do mundo. O homem não é um corpo qualquer perdido no espaço e no tempo. Não é o corpo opaco, objeto de análise das ciências duras. Por isso, é inconcebível reduzi-lo ao ponto de vista da filosofia

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Ibid, p. 94.

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transcendental. Isto porque ele não pertence a este mundo, enquanto horizonte de visibilidade. Sua essência não pode ser captada pela Fenomenologia do mundo. Exige-se uma outra epistemologia para sua compreensão, uma Inteligibilidade primordial. Trata-se de um outro modo de manifestação mais radical, o do mundo da vida (Lebenswelt). A significação positiva nos lança uma pergunta crucial, ponto de crítica da própria fenomenologia henryriana. Partindo da afirmação de que o homem possui em si a essência divina, por ser ele filho da Vida, pergunta-se, com toda propriedade: em que ele se diferencia do próprio Deus? Aqui desponta a questão da individuação, que segundo Miguel García-Baró, fica sem resposta consistente na teoria da fenomenologia da Vida de Henry183. Contudo, ousamos dizer, que desde nosso ponto de vista, este problema pode ser compreendido, como bem afirma o autor, a partir da análise do nascimento transcendental do Filho na Vida. O conceito chave é o de autoafecção. O que diferencia a Vida absoluta de todo vivente, o que constitui o marco do princípio de individuação é a forma com que ocorre a afecção. No caso da Vida ela é a autoafecção primordial. O própria da Vida é que ela é esse eterno abraço patético a si mesma, sem nunca se distanciar de si. Isso constitui o que Henry chama de sentido forte da autoafecção. O sentido fraco da autoafecção se refere ao vivente que se experimenta a si mesmo, mas em um segundo sentido, devido à indigência ontológica que acusa o fato de não ser ele o responsável último desta autoafecção, uma vez que não se deu a si mesmo a Vida. Assim, segundo Henry, "existe, portanto, nesta autoafecção do "eu" uma passividade, uma vez que não sou "eu" a fonte desta experiência"184.

Ao final desta secção retomamos o tema do nascimento com uma interrogação profundamente evangélica. O que será que Jesus quis dizer a Nicodemos quando afirmou que ele precisava nascer de novo? O "bom homem" entendeu isto no sentido do realismo ingênuo pensando que deveria voltar ao ventre materno. Contudo este nascimento dito por Jesus, refere-se ao segundo nascimento na Vida, que espiritualmente pode ser compreendido como o caminho de conversão, ou simplesmente, a percepção da Graça de sermos um vivente no seio da Vida. A tradição espiritual, especificamente cristã, sempre advogou esta possibilidade de nascer de novo. O sacramento do Batismo é entendido, tradicionalmente na comunidade cristã, como um segundo nascimento. Esta morte para o mundo, pode ser interpretada, segundo Henry, não como um abandono da nossa condição carnal, mas como assunção da

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Cf. HENRY, Palabras de Cristo, p.12.

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condição humana primordial, a de sermos, filhos no Filho. Isto exige uma nova condição epistemológica, uma nova inteligibilidade. Exige-se o êxodo da ilusão transcendental do ego para a percepção da nossa condição de irmanados na vida. De fato, "agora vemos como em espelho, de maneira confusa, mas depois veremos face a

face. Agora meu conhecimento é limitado, mas. depois, conhecerei como sou conhecido" (1Cor. 13,12). Não é possível conhecer como sou conhecido a não ser no

seio da Vida.

3.2 Sobre o esquecimento da nossa condição de filho: Ilusão Transcendental do Ego

Este tópico traz como reflexão o drama existencial do esquecimento da nossa condição de Filho. Toca, portanto, temas clássicos da teologia cristã, tais como: nossa condição de labilidade e a possibilidade da salvação. Desde já salientamos que a questão destacada por nós, segundo o pensamento de Henry, não é a demonstração de como os homens que vivem uma vida que não se fundamenta neles mesmos poderiam, por uma espécie de mutação em sua própria natureza, transformarem-se em algo distinto do que outrora foram. O homem, como dissemos, não se torna filho de Deus, por uma espécie de mutação espiritual, abandonando assim um velho casco e assumindo um novo. Há de se entender muito bem o "novo nascimento" sempre anunciado pelo cristianismo. Nosso propósito gravita em torno da indagação de como nós homens, filhos de Deus, podemos perder nossa condição e, ao perdê-la, se nos é possível voltar a encontrá-la. À guisa desta problemática gravitará a tarefa de pensar as duas causas deste esquecimento da condição de filho185.

As causas que provocam o esquecimento da nossa condição de filhos serão determinadas respectivamente pelo pensamento henryriano como Ilusão transcendental