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5 O PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DOS PODERES

5.5 Na Constituição Brasileira de 1988, existência de mais “dois” Poderes: O

5.5.2 Os Tribunais de Contas

De modo análogo, os Tribunais de Contas. Seus integrantes possuem as mesmas garantias dos membros da magistratura (no TCU, das do STJ; nos TCE’s e TCM’s, os dos Tribunais de Justiça dos Estados). Além disso, no rol de competências funcionais previstas no art. 71 da Constituição, constam funções típicas que só existem para tais órgãos.25

Na medida em que se vinculam – ou que se tenta vincular - os Tribunais de Contas aos Poderes Legislativos, daqueles se estão retirando um dos seus atributos principais, que é o da independência.

Afinal de contas (o trocadilho é inevitável) as Cortes de Contas realizam os denominados “processos de tomadas de contas”, sindicando os dinheiros públicos. E para tanto, necessitam de autonomia administrativa e orçamentária, além de independência de atuação. Mais especificamente, mais uma vez, Carlos Ayres de Britto (2003, p. 91-92):

3.1 Diga-se, mais: além de não ser órgão do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas da União não é órgão do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional. [...] o fato é que o Tribunal de Contas da União desfruta desse altaneiro status normativo da autonomia. Donde o acréscimo de idéia que estou a fazer: quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo ‘com o auxílio do Tribunal de Contas da União’ (art. 71), tenho como certo que está a falar de ‘auxílio’ do mesmo modo como a Constituição fala do

25 Tais órgãos de controle e defesa do orçamento público no Brasil, apesar de críticas aos critérios de escolha de seus integrantes, estão se aperfeiçoando rapidamente nas duas primeiras décadas deste século, e uma de suas razões foi a Lei Complementar 101/2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF. Há uma série de fatores que explicam isso, não somente por uma maior preocupação estatal com a defesa da moeda (papel do Banco Central, art. 164 da Constituição Federal de 1988), como também pela valorização da estabilidade financeira como fiador da própria federação, e da necessidade de uma lei uniforme de caráter financeiro para todos os entes políticos. Uma das características mais importantes da LRF foi o de sua incidência para todos os entes da Federação brasileira, como se constata explicitamente da leitura do seu art. 1º, § 2º (“As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”). A partir desta previsão passou-se a ter uma uniformidade de regras orçamentárias, o que é bastante salutar, não somente do ponto de vista financeiro, como também econômico. Tal aspecto permitiu também uma maior padronização nas decisões dos Tribunais de Contas, trazendo uma maior segurança jurídica. Importante também ressaltar que a LRF é complementar, e, portanto não exclui, a Lei Geral sobre orçamento público, Lei n. 4.320/64, que trata das regras gerais e conceituais sobre o orçamento público.

Ministério Público perante o Poder Judiciário. Quero dizer: não se pode exercer a jurisdição senão com a participação do Ministério Público. Senão com a obrigatória participação ou o compulsório auxílio do Ministério Público. Uma só função (a jurisdicional), com dois diferenciados órgãos a servi-la. Sem que se possa falar de superioridade de um perante o outro. 3.2 As proposições se encaixam. Não sendo órgão do Poder Legislativo, nenhum Tribunal de Contas opera no campo da subalterna auxiliaridade. Tanto assim que parte das competências que a Magna Lei confere ao Tribunal de Contas da União nem passa pelo crivo do Congresso Nacional ou de qualquer das Casas Legislativas Federais (bastando citar os incisos III, VI e IX do art. 71). O Tribunal de Contas da União posta-se é como órgão da pessoa jurídica ‘União’, diretamente, sem pertencer a qualquer dos três Poderes Federais. Exatamente como sucede com o Ministério Público, na legenda do art. 128 da Constituição, incisos I e II.

[...]

3.4 O que se precisa entender é muito simples. [...] algumas atividades de controle nascem e morrem do lado de fora das Casas Legislativas. A partir da consideração de que as próprias unidades administrativas do Poder Legislativo Federal são fiscalizadas é pelo Tribunal de Contas da União (inciso IV do art. 71 da CF). Como poderia, então, o Poder administrativamente fiscalizado sobrepairar sobre o órgão fiscalizante?

De fato. Numa República faz-se fundamental existirem órgãos de controle e de responsabilização das autoridades. Até mesmo porque a possibilidade de responsabilização do agente público é um dos corolários mais importantes do princípio republicano. Assim, coerente com tal doutrina, o controle externo realizado por outros órgãos – onde se sobressai desta maneira os Tribunais de Contas – é fundamental. Tal controle externo exercido por tais Cortes de Contas (afinal, por expressa previsão do art. 75 da CF/88, o que vale para o TCU deve ser obrigatoriamente reproduzido para os TCE’s e TCM’s, por ser um princípio constitucional extensível) deve dar-se, principalmente, pela verificação da lei orçamentária26.

Importante ressaltar ainda existir uma estreita vinculação entre a realização dos serviços públicos e as atividades econômicas. Tal conexão faz-se necessária, pois a função fiscalizatória e dos processos de tomadas de contas, realizados pelas Cortes de Contas, caracterizam-se como serviços públicos.

26 Onde esta, no cotidiano da Administração Pública, passa a ser o mais importante das normas para a gestão.

Coerente e complementar com tal entendimento, o Professor e ex-ministro do STF Eros Roberto Grau (2000) conceitua e delimita as expressões serviços públicos e atividade econômica, como termos que estão ligados entre si enquanto gênero e espécie:

Por outro lado, como a expressão ‘ordem econômica’, no contexto do art. 170 do texto constitucional, é conversível nas expressões ‘relações econômicas’ ou ‘atividade econômica’, cumpre-nos precisar, também, que atividade econômica é esta, que deve ser fundada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, tendo por fim (fim dela, atividade econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios...

53. Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira.

Em texto anterior averbei:

‘A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica. ‘Serviço público – dir-se-á mais – é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, note-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão.

‘Desde aí poderemos também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado’. Salientei, no próprio texto, o fato de, no trecho aqui transcrito, utilizar-me da expressão atividade econômica em distintos sentidos:

‘Ao afirmar que serviço público é tipo de atividade econômica, a ela atribuí a significação de gênero no qual se inclui a espécie, serviço público.

‘Ao afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado, a ela atribuí a significação de espécie’.

Daí a verificação de que o gênero – atividade econômica – compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica. (GRAU, 2000, p. 132-133).

A ideia nuclear esposada na obra de Eros Grau (2000), e que serviu de inspiração ao célebre julgamento da ADPF 46 (natureza jurídica da Empresa de Correios – ECT), é coerente com as lições de direito comparado. Coerente também com este entendimento Eduardo Paes Ferreira (2008, p. 16), Professor Associado da Faculdade de Direito de Lisboa:

[...] os estudos sobre direito da economia nasceram em torno do intervencionismo estatal e corresponderam a um período que, do ponto de vista da política económica, pode ser caracterizado por um grande desenvolvimento das técnicas de planificação e pela criação de vastos sectores públicos empresariais, pelo que foi natural que viessem a conhecer uma certa desvalorização com a alteração de concepções de política económica que caracterizou os tempos mais recentes.

Tal introdução fez-se necessária para demonstrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal caracteriza-se como norma de direito financeiro, mas também de direito econômico, ao exigir que os órgãos de controle do Estado (os Tribunais de Contas), ao realizarem suas atribuições como espécies de serviços públicos, acabam por intervir na própria economia.

É o que apontou Flávio Régis Xavier de Moura e Castro (2000, p.23), quando tratou da necessidade de planejamento para uma maior segurança nas metas fiscais, além dos próprios objetivos desta norma financeira e econômica:

A Lei de Responsabilidade Fiscal, como sabemos, pretende que todos os entes da Federação passem a elaborar planos de desenvolvimento mais efetivos, forçando-os a atingir resultados e metas fiscais.

Nesta ótica, creio que um dos aspectos mais importantes dessa lei, seja, realmente, a questão do planejamento, que exigirá da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal maior preparo para administrar suas finanças, dispondo de controles mais apurados sobre despesas e receitas, bem como de realizar previsões e acompanhá-las. (Grifo nosso).

Todos esses conceitos e fundamentos sobre planejamento e equilíbrio entre os resultados da comparação entre receitas e despesas são previstas na própria LC 101/2000, em seu art. 1 º, § 1º:

Art. 1 º § 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.(Grifo nosso).

E serão os Tribunais de Contas que terão uma função preponderante nesta fiscalização e acompanhamento orçamentários. Desta forma, mister a compreensão da natureza jurídica de tais instituições, especial e principalmente após a CF/88 e da própria LRF, especialmente com a intensa discussão da realização ou não de crimes de responsabilidade da Presidente da República Dilma Roussef, ao longo do ano de 2015 e em um processo de impeachment que ainda

não se encerrou até a data de defesa desta tese, no dia 14 de julho de 2016.27

Nesse sentido, a LRF assume uma fundamental importância estabilizadora e de manutenção da confiança, o que é imprescindível à manutenção das contas públicas.

Finalmente, a LRF trouxe uma maior segurança jurídica à Federação brasileira. E a segurança jurídica, além de ser um dos apanágios mais importantes de uma República, trazem certeza e uma uniformidade à linguagem. Sobre sua importância, necessária a menção a Geraldo Ataliba (2004, p.184):

O Direito é, por excelência, acima de tudo, instrumento de segurança. Ele é que assegura a governantes e governados os recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto mais segura uma sociedade, tanto mais civilizada. Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o Direito é objetivamente um e que os comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos dele não discreparão.

Em conclusão neste item o que observa, nos últimos anos, é uma dificuldade cada vez maior de se dilapidar grandes parcelas do tesouro nacional, em virtude desta Lei e de um maior funcionamento prático dos Tribunais de Contas, como guardiães do orçamento público que devem ser.