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A consolidação do escritor e o cronista-articulista

PARTE I – Divulgação e recepção dos textos e atrajetória jornalística de Graciliano Ramos jornalística de Graciliano Ramos

Capítulo 2 – O percurso do cronista

2.4. A consolidação do escritor e o cronista-articulista

Ainda em 1933, um trecho de Caetés, intitulado “Luiza” foi veiculado na prestigiosa revista literária Boletim de Ariel do Rio de Janeiro171. No início de 1934, outra parte do que viria a ser seu primeiro romance ganhava as páginas de A Noite Ilustrada, periódico também da capital carioca. Em 20 de fevereiro de 1934, uma foto de Graciliano seria estampada na capa do jornal Literatura, dirigido por Augusto Frederico Schmidt, Sabóia Medeiros e Manuel Bandeira, com a seguinte legenda: “Graciliano Ramos – romancista de Caetés”172.

Na página seguinte desse mesmo número de Literatura, são arroladas uma série opiniões elogiosas, conferidas por diferentes críticos, ao primeiro livro do escritor alagoano que viera de ser lançado pela editora Schmidt (a mesma responsável pela confecção do referido periódico). Tais afirmações, que em conjunto ganhavam um caráter publicitário, indiciavam como havia sido amplamente favorável a recepção de Caetés nos meios intelectuais. Abaixo, listam-se apenas algumas delas com o objetivo de se apresentar, mesmo que ainda sumariamente, o lugar de destaque que Graciliano foi ocupando nas letras nacionais desde a publicação de seu romance de estréia:

171 Tal colaboração abarcava o capítulo 18 e parte do 19 da versão de Caetés que fora lançada logo depois pela Schmidt e depois republicada pela José Olympio (RAMOS, Graciliano. Caetés. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1953, p.143-149).

172 Em editorial presente no segundo número do periódico, Augusto Frederico Schmidt assim o definia: “... Estas poucas folhas de jornal, são mais do que movimento interessado de cultura, são mais do que um trabalho em favor dos nossos ideais – mas antes de tudo um dever a cumprir, e mais a ingênua esperança de fabricarmos uma ambiente para nós literatos podermos viver. No Brasil não há realmente um lugar para nós. Vivemos, numa pequena colônia, com as nossas lutas, as nossas rivalidades, os nossos diferentes pontos de vista, tudo em lugar estreito” (SCHMIDT, Augusto Frederico. Nós literatos. Literatura, Rio de Janeiro, ano 1, n.2, 20 jul. 1933).

Com ele (Caetés) o sr. Graciliano Ramos pode, sem favor, formar na fileira dos melhores romancistas do Brasil. E dentro de poucos meses – anuncio com o maior prazer aos leitores do Boletim – a publicação de São Bernardo, que já conheço, revelará ao país um de seus grandes, dos seus maiores romancistas de todos os tempo” (HOLANDA, Aurélio Buarque, Boletim de Airel, Rio de Janeiro, fev.

1934).

Caetés há de marcar entre os bons romances do ano e mesmo desta época. Parece-me que sinto prenúncios, em Graciliano Ramos, de um grande romancista que chega (...) Entre os livros que enxameam a mesa do crítico, nenhum, há muito tempo, mostrou mais seguras promessas (VIEIRA, José Geraldo. A Nação, Rio de Janeiro, 4 fev. 1934).

Caetés é um belíssimo trabalho, dos que mais me têm deliciado nestes Brasis, em qualquer tempo. Esse homem sequíssimo para o número [um] da ‘minha gente’, na minha biblioteca. Romance bem pensado, bem sentido, bem escrito e com o mínimo de romance possível (...) A galeria de esquisitões é aqui das mais impressionantes, igualando em mérito a de certas páginas de Lima Barreto. Essas almas empoeiradas, enferrujadas, são da província, mas poderiam ser também de nossos subúrbios (GRIECO, Agripino. O Jornal, Rio de Janeiro, 4 fev. 1934).

A vida monótona da cidadezinha – Palmeira dos Índios, que serve maravilhosamente de décor ao romance de Graciliano Ramos – fixa-se fortemente em Caetés, com alguma coisa de grande, de real, de densamente humano (CAVALCANTI, Valdemar. Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, dez. 1933).

Em números anteriores de Literatura, Jorge Amado e José Lins do Rego já haviam se manifestado a favor de Graciliano, ressaltando a grandeza da obra inicial deste:

Conheci Graciliano Ramos numa viagem que fiz a Alagoas no meado desse ano. Já lera os originais de Caetés, mas parece-me que compreendi melhor esse romance depois de conhecer o autor.

Realmente me assombrava no livro a secura, a sua justeza de construção, volume onde não há uma palavra inútil. Nenhum derramamento de linguagem e lirismo. Nenhum enfeita. Mas romance como o diabo (AMADO, Jorge. Nota sobre Graciliano Ramos. Literatura, Rio de Janeiro, dez. 1933).

Caetés não é só um romance que firmou um escritor em plano alto; é o que há de mais real e amargo sobre as nossas gentes de cidades pequenas, uma crônica intensa e miúda sobre o brasileiro que não anda em automóvel e não veste casaca. (...) é um depoimento dos maiores que nos tem vindo da nossa literatura, tão chegada ao convencional e á moda” (REGO, José Lins. Caetés. Literatura, Rio de Janeiro, 5 fev. 1934).

Com o lançamento de S. Bernardo poucos meses depois pela editora Ariel, a imagem de grande romancista associada a Graciliano consolida-se. No Arquivo Graciliano Ramos, pertencente ao IEB, entre pequenas notas e críticas mais extensas, contemporâneas à aparição de seu segundo romance, foram contabilizadas 26 ocorrências dando conta do aparecimento do livro. Dessa considerável fortuna crítica de S. Bernardo, destoam apenas as observações feitas por Agripino Grieco e Augusto Frederico Schmidt. Os dois articulistas cariocas apontavam para a possível inverossimilhança do narrador-personagem Paulo Honório, tendo em vista a incompatibilidade entre a sofisticação de seu relato e a rusticidade de sua figura.

No entanto, o restante dos críticos, na grande maioria das vezes, tece elogios incondicionais à obra ou ao encaminhamento da produção romanesca do escritor. Na revista Careta, em 14 de setembro de 1935, por exemplo, Peregrino Júnior destacava:

O autor admirável dos Caetés e do S. Bernardo é um romancista autêntico, que, longe do Rio, sem fazer parte de igrejinhas literárias e sem ter camaradas na imprensa, conseguiu uma situação de prestígio, de admiração e de respeito nos melhores círculos intelectuais (...) é considerado uma das figuras centrais da jovem literatura (...) Graciliano Ramos, que longe dos ruídos da cabotinagem e dos charlatanismos metropolitanos, vive silenciosamente em sua província, trabalhando com o ritmo e a serenidade de um verdadeiro artista173.

Na medida em que vai adquirindo tal status artístico, ainda antes de sua prisão em março de 1936, observa-se que a produção cronística de Graciliano sofre uma nova inflexão. Em regra, o autor vai deixando de lado assuntos relacionados à vida sertaneja para tratar basicamente de literatura. Nesse sentido, aborda de maneira mais detida as produções nordestinas de seus jovens companheiros de geração. Em linhas gerais, procura valorizá-las atribuindo-lhes maior verossimilhança artística do que aos demais romances brasileiros escritos até então, sobretudos aqueles feitos por literatos “oficias” da Academia.

Em “O romance do Nordeste”, publicado no Diário de Pernambuco, em março de 1935, o escritor, em tom de manifesto, procura opor aquilo que chama de literatura artificial e importada do passado à literatura “autêntica e verdadeiramente brasileira” de seu momento presente, feita, sobretudo, por nordestinos:

Os romancistas atuais compreenderam que para a execução da obra razoável não bastam retalhos de coisas velhas e novas importadas da França, da Inglaterra e da Rússia. E como deixaram de ser

173 JUNIOR, Peregrino. Sobre Graciliano Ramos e Gilberto Freyre. Careta, Rio de Janeiro, 14 set. 1935.

obrigatórias as exibições da porta do Garnier, os provincianos conservaram-se em suas cidadezinhas, acumulando documentos, realizando uma honesta reportagem sobre a vida no inteiror.

O trabalho que há no Nordeste é mais intenso do que em qualquer outra parte do Brasil, tão intenso que um crítico, visivelmente alarmado com as produções daqui, disse ultimamente que não é só no Norte que se faz literatura. De certo. Era indispensável, porém, que nossos romances não fossem escritos no Rio, por pessoas bem intencionadas, sem dúvida, mas que nos desconheciam inteiramente174.

No texto “Suor”, saído na Folha de Minas de Belo Horizonte, em fevereiro de 1935, o cronista adota procedimento semelhante ao tratar do terceiro romance de Jorge Amado. Ele contrapõe uma “literatura antipática e insincera que só usa expressões corretas, só se ocupa de coisas agradáveis” às produções dos romancistas de seu momento de enunciação que

“resignaram-se a abandonar o asfalto e o café, viram de perto muita porcaria, tiveram a coragem de falar errado como toda a gente, sem dicionário, sem gramática, sem manual de retórica”175. O escritor baiano, obviamente, faria parte deste segundo grupo o qual seria pautado, segundo Graciliano, pelo “amor à verdade” em detrimento da imaginação.

Nesses dois textos indicados acima, nota-se também que o escritor alagoano, mais uma vez, opta por deixar de lado o estilo debochado e sarcástico de seus primeiros narradores (R.O. e, principalmente, J. Calisto), sem, contudo, abdicar da ironia, para adotar uma postura mais séria, condizente com sua nova situação nos meios intelectuais. Dessa maneira, suas crônicas ganham o aspecto de artigos, detendo-se num assunto específico (o romance nordestino).

Nelas, Graciliano procura demarca sua opinião por meio de leituras e análises das produções romanescas de seu momento de enunciação e da comparação interessada destas com aquilo que era feito no passado, com o objetivo de demarcar, defender e consolidar uma posição.

Diante dessas novas atribuições, o escritor procura também mostrar erudição. Esta, por sua vez, é utilizada como estratégia retórica para valorizar os romances e escritores nordestinos que recorrentemente Graciliano tematizava em suas narrativas. Em crônica intitulada “Um romancista do Nordeste”, estampada na revista Literatura em 20 de junho de 1934, ao

174 RAMOS, Graciliano. O romance do Nordeste. Diário de Pernambuco, Recife, 10 mar. 1935. Texto ainda inédito em livro.

175 RAMOS, Graciliano. Suor. Folha de Minas, Belo Horizonte, 17 fev. 1935. Texto publicado em Linhas Tortas com o título “O romance de Jorge Amado”. No próximo capítulo, a análise deste texto será retomada, tendo em vista o propósito de se conceituar melhor os pressupostos poéticos de Graciliano.

analisar o conjunto da produção romanesca de José Lins do Rego até aquele momento, o romancista aponta que ela seria mais coesa do que certos livros de escritores consagrados:

A obra do Sr. Lins do Rego tem coesão. Às vezes a de escritores grandes demais não tem. Os livros do velho Hugo, os de Anatole France, os de Machado de Assis, estão cheios de soluções de continuidade, intercalações, enxertos. Vendo esses parêntesis, somos levados a pensar que certos autores ou trabalham com interrupções ou escrevem nas horas vagas folhas avulsas que entremeiam nas suas narrações com mais ou menos habilidade. Entre nós o comum é encontrarem-se romances arranjados com pedaços desconexos. Lemos uma página boa, em seguida vinte páginas que não são boas nem ruins, adiante uma péssima, depois uma sofrível – e o leitor tem a impressão de estar vendo um desses gráficos do serviço de estatística em que as linhas descem ou sobem desesperadamente”176

No entanto, o autor de Doidinho destacava-se não só pelo arranjo formal da obra, mas principalmente por se ajustar ao ideal de verossimilhança artística esboçado por Graciliano:

José Lins encontrava-se discursivamente próximo da realidade que se propunha a tratar, trabalhando com certas tópicas sugeridas por fatos e cenas nordestinas, sem com isso realizar uma representação aparentemente estereotipada e artificial da região. Além disso, buscaria incorporar a língua “bronca, incerta, de vocabulário minguado” do Nordeste como estratégia para conferir uma suposta fidelidade representativa a seus textos177.