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Críticas às edições de Linhas Tortas e Viventes das Alagoas

PARTE I – Divulgação e recepção dos textos e atrajetória jornalística de Graciliano Ramos jornalística de Graciliano Ramos

Capítulo 1 – Graciliano e a edição das crônicas

1.1. Críticas às edições de Linhas Tortas e Viventes das Alagoas

Levando-se em conta as 137 crônicas de Graciliano Ramos coligidas nas obras póstumas Linhas Tortas e Viventes das Alagoas, 99 na primeira e 38 na segunda, e outros 58 textos do escritor ainda inéditos em livro, identificados e reunidos pela presente pesquisa, e mais quatro já inclusos em diferentes volumes7, a produção do artista alagoano, publicada primeiramente na imprensa, mas que não foi recolhida por ele próprio em suporte livresco, totaliza 198 escritos.

A organização e a categorização de tal conjunto amplo de escritos esbarrava, inicialmente em dois problemas, relacionados, sobretudo, às edições falhas e lacunosas, que se perpetuaram em sucessivas reedições, das duas obras supracitadas. Além de não agruparem um número considerável de textos do autor, que permanece desconhecido do grande público, à espera de uma edição em livro, ambos os volumes não fornecem informações bibliográficas fundamentais, como data e local da primeira publicação em periódico da grande maioria das narrativas que agrupam. A ausência de tais dados impossibilita a recomposição exata do percurso cronístico do escritor e, conseqüentemente, o estudo aprofundado de seus textos, pois os recupera de maneira abstrata, desconsiderando a mediação editorial exercida pelo suporte jornalístico, quando da veiculação inicial dos escritos.

Nesse sentido, antes de entrar especificamente na análise e na categorização das crônicas aludidas acima, convém apresentar uma breve crítica às edições tanto de Linhas Tortas quanto de Viventes das Alagoas, bem como descrever, ainda que rapidamente, o trabalho de localização dos textos desconhecidos do escritor.

Em 1953, a Livraria Editora José Olympio publicou o então mais completo conjunto das obras de Graciliano Ramos, em dez volumes. Em tal trabalho, relançava-se alguns livros, já

7 Faz-se referência aqui aos livros Graciliano Ramos (1987), organizado por Alfredo Bosi, Valentim Facioli e José Carlos Garbuglio; 10 romancistas falam de seus personagens (1946), editado por João Condé; e ao volume 46 do Boletim Bibliográfico da Biblioteca Mário de Andrade (1985). A especificação dos textos de Graciliano, veiculados primeiramente na imprensa, e depois reunidos em tais obras pode ser encontrada entre os anexos.

então consagrados em diversas edições isoladas, tais como Caetés8, S. Bernardo9, Angústia10, Vidas Secas11, Infância12, Insônia13 e editava-se pela primeira vez Memórias do Cárcere (em quatro volumes)14. Dois anos depois, tal conjunto era novamente relançado e a ele era acrescida a segunda edição de Viagem15.

Depois de adquirir os direitos autorais do escritor, em março de 1960, a Livraria Martins Editora, de São Paulo, projetou a reedição de sua obra completa conhecida até então, acrescentando a ela quatro volumes póstumos, que saíram em 1962, juntamente com os demais títulos da coleção: Linhas Tortas (crônicas), Viventes das Alagoas (crônicas), Alexandre e outros Heróis (literatura infanto-juvenil) e Cartas (compilação da correspondência pessoal de Graciliano).

Segundo relato de Ricardo Ramos, a transferência dos direitos de publicação das obras de Graciliano para a editora paulista deveu-se ao descaso da José Olympio para com a obra de seu pai. As vendas cresciam ao mesmo tempo em que a obra do autor alagoano era deixada de lado no planejamento anual da editora:

Suportamos aquela situação mais do devíamos, por crédulos e confiantes, habituados à amizade, às relações pessoais, afinal José Olympio lançara o Angústia com o autor na cadeia [...] A Casa, a partir de 1955, mudara de rumo. Apegara-se às figuras públicas, adiara os escritores que investira. Demoramos a entender, no entanto percebemos16.

8 1 ed. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1933; 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1947; e 3 ed.

Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

9 1 ed. Rio de Janeiro: Ariel Editora LTDA, 1934; 2 ed. Rio e Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1938. 3 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1947; 4 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

10 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936; 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1941; 3 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1947; 4 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1949; e 5 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

11 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1938; 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1947; e 3 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

12 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1945; e 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

13 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1947; e 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1952.

14 Ficavam de fora de tal edição conjunta, realizada pela José Olympio, A terra dos meninos pelados, publicado em 1939 pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, e Histórias de Alexandre, saído em 1944 pela Editora Leitura, do Rio de Janeiro.

15 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954.

16 RAMOS, Ricardo. Retrato Fragmentado. São Paulo: Siciliano, 1992, p.209-210.

Nesse momento, a família foi a Martins, a mesma editora que então publicava os romances de Jorge Amado e que em 1945 havia feito uma proposta vantajosa ao próprio Graciliano17, e firmou um contrato para a reedição de toda a obra do autor, “com uma tiragem mínima prevista de dez mil exemplares para cada título”18. A partir daí, começaram a ser realizadas edições prefaciadas e ilustradas, atendendo, sobretudo, à demanda escolar. “Em pouco, Vidas Secas vendia 300 mil exemplares num ano. E os demais livros seguiam o padrão com desenvoltura”19.

No entanto, os volumes reeditados e amplamente divulgados e distribuídos apresentavam uma série de erros que comprometiam o texto do escritor, como atesta sua filha Clara Ramos:

A partir dos anos 60 são despejados no mercado livreiro milhares de volumes destinados a satisfazer a demanda da faculdade. A faculdade arranca os cabelos no esforço de decifrá-los: a adulteração maciça do texto, não se restringindo aos pastéis tipográficos fáceis de identificar, capricha na dança surrealista das palavras, suprime, sádica, períodos inteiros; desloca os blocos de composição daqui para acolá, um final de capítulo debanda de seu lugar, vai se apertar no meio do capítulo seguinte20.

É nesse contexto de atendimento à larga demanda pela obra de Graciliano por meio de um trabalho editorial pouco cuidadoso, que a Martins lança os outros quatro livros supracitados;

entre eles, Linhas Tortas e Viventes das Alagoas. A exemplo destes, as demais publicações póstumas, foram editadas por Heloísa Ramos, mulher do literato, juntamente com seu filho, Ricardo Ramos, e com seu genro, James Amado. Em entrevista concedida ao jornal Flan, em 29 de outubro de 1953, Ricardo destaca que a família teria contado ainda com a colaboração de alguns amigos, entre eles Aurélio Buarque de Holanda, Orígenes Lessa e Valdemar Cavalcanti.

Em 1975, em virtude, principalmente, do enxugamento do mercado para o livro literário no Brasil, a Martins enfrenta uma série de dificuldades financeiras que culminam no

17 Como destaca Clara Ramos, José de Barros Martins propunha, em carta enviada ao escritor, tiragens numeradas de três mil exemplares para as reedições, de quatro mil para livros novos e o pagamento de direitos autorais, na base de 10% sobre o preço de capa de cada edição, da forma que melhor conviesse ao artista.

Graciliano, mantendo-se fiel a José Olympio, recusa a oferta. (Ver: RAMOS, Clara. Mestre Graciliano – confirmação humana de uma obra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p.263). As relações do autor alagoano com o editor paulista eram anteriores a tal proposta. Em 1942, em parceria com Jorge Amado, José Lins do Rego, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz ele publica, pela Martins, o romance Brandão Entre o Mar e o Amor.

18 Idem, p.264.

19 RAMOS, Ricardo. op.cit. p.210.

20 RAMOS, Clara. op.cit, p.264.

encerramento de suas atividades e na rescisão do contrato firmado com a família do escritor.

Antes disso, depois de pedir concordata, a editora paulista passa a publicar os livros de Graciliano em regime de co-edição com a Distribuidora Record S.A, do Rio de Janeiro, que, após a completa desativação da parceira, em contrato assinado com a família do romancista em 1o de outubro de 1976, passa a ter o direito exclusivo de publicação das obras completas deste21. Tal situação se mantém até o presente momento.

Linhas Tortas, que atualmente se encontra na 21ª edição, publicada em 2005, apresenta um caráter muito mais documental do que seletivo, propondo-se a abarcar o amplo período da produção do autor, que se estende de 1915 a 1952. O título da obra alude à suposta precariedade dos escritos que agrupa, retomando certa estratégia retórica conhecida como inania verba (palavras fúteis), recorrentemente utilizada na conceituação do gênero crônica.

Em linhas gerais, ela prevê o rebaixamento desses textos jornalísticos (referidos como frivolidades sem maiores compromissos) e do próprio mister de cronista como meio de torná-los, em sentido contrário, ainda mais persuasivos. A suposta humildade reivindicada por tal procedimento ajudaria a dignificar a condição daqueles que escrevem “ao correr da pena”, bem como ampliaria as possibilidades de obtenção da benevolência do leitor, corroborando o êxito no intento comunicativo proposto. Graciliano, portanto, não se furta a essa tradição. O nome “Linhas Tortas” remete às noções de imprecisão, descaso e inferioridade, que se repetem nos títulos das seções “Garranchos”22, “Traços a esmo”23 e, novamente, “Linhas Tortas”24, comandadas pelo romancista ao longo de sua trajetória inicial como rabiscador de textos em prosa para a imprensa.

O volume se divide em duas partes. A primeira delas é composta por 28 textos, reunindo parte do trabalho cronístico inicial do autor, restrito ainda a jornais de circulação regional, e subdivide-se, por sua vez, em duas seções: “Linhas Tortas” e “Traços a Esmo”. A primeira delas agruparia crônicas escritas no ano de 1915, sob o pseudônimo R.O., para o Jornal de Alagoas de Maceió e para o Parayba do Sul, da cidade fluminense com o mesmo nome. No entanto, não é bem isso que acontece. A crônica que abre o livro, “A constituição da república tem um buraco...”, aparece como tendo sido publicada no Jornal de Alagoas, em março de

21 BUMIGH, Nádia Regina. S. Bernanrdo de Graciliano Ramos: proposta para uma Edição Crítica. 1998. 341 f.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, São Paulo.

22 Nome de seção presente no jornal O Índio, de Palmeira dos Índios, entre janeiro e maio de 1921.

23 Título de seção encontrada tanto em O Índio, no primeiro semestre de 1921, como no jornal fluminense Parayba do Sul, entre abril e agosto de 1915.

24 Presente no Jornal de Alagoas, da capital Maceió, entre março e maio de 1915.

1915, mas, na verdade, saiu, primeiramente, seis anos depois em O Índio, em abril de 1921.

Além disso, o próprio nome da seção, “Linhas Tortas”, revela-se equivocado para designá-la, uma vez que 13 textos dos 16 que a compõem foram publicados no semanário Parayba do Sul, sob o título “Traços a Esmo”. Apenas quatro desses, foram estampados no Jornal de Alagoas, no ano de 1915, sob a rubrica “Linhas Tortas”25.

Outra incoerência, observada nesta primeira seção da primeira parte da obra, encontra-se no fato de as crônicas publicadas no citado jornal fluminense, Parayba do Sul, e assinadas com as iniciais R.O. do sobrenome do escritor, formam uma unidade à parte dentro dela. E, portanto, deveriam ser apresentadas como tal, de maneira semelhante à observada na segunda unidade dessa primeira parte, em que o editor agrupa apenas os textos redigidos sob o pseudônimo de J. Calisto, de uma nova série também nomeada como “Traços a Esmo”, redigida para O Índio, de Palmeira dos Índios, em 1921. Nota-se, assim, que o critério oscila o que pode gerar equívocos interpretativos.

Essa segunda seção da primeira metade do livro, chamada “Traços a Esmo”, possui também alguns problemas. A seqüência de 12 textos que ela reúne não guarda a mesma ordem em que foi publicada em O Índio. As crônicas II e VIII do pequeno jornal aparecem, respectivamente, como a quarta e a sexta crônica na ordem proposta pelo livro. Além disso, o texto IX está datado de abril, quando na verdade é de 27 de março de 1921. Vale ressaltar, porém, que originalmente Graciliano, sob o pseudônimo de J. Calisto, escreveu não 12, mas 14 crônicas para o semanário palmeirense. Das duas faltantes no livro Linhas Tortas, a XIII, conforme exposto acima, é aquela que abre equivocadamente o livro, sendo datada de 24 de abril de 1921; a XIV, de 1o de maio de 1921, permanece desconhecida da maioria de seus leitores. Na verdade, uma versão modificada desta, foi publicada pelo escritor alagoano na revista Cultura Política, em agosto de 1941, e depois recolhida em Viventes das Alagoas26.

A segunda parte de Linhas Tortas não apresenta divisões e reuniria, a princípio, crônicas publicadas na imprensa carioca, durante a segunda permanência do escritor no Rio de Janeiro,

25 AZEVEDO, Vivice. Apports inédits à l’oeuvre de Graciliano Ramos. In: Graciliano Ramos: Vidas Secas (séminaires de février et juin 1971). Poitiers: Centre de Recherches Latino-Américaines, da Universidade de Poitiers. 1977, p.138. Faz-se referência, aqui, aos seguintes textos, saídos no Jornal de Alagoas: “Linhas Tortas I”, de 18 mar. 1915; “Linhas Tortas II”, de 20 mar. 1915; “Linhas Tortas IV”, 25 abr. 1915; e “Linhas Tortas V, de 7 maio 1915”.

26 Trata-se do texto “Traços a esmo XIV”, publicado com algumas modificações em Cultura Política, em agosto de 1941, com a designação de “Quadros e costumes do Nordeste VI” e depois recolhido em Viventes das Alagoas com o título “Habitação”.

depois de ele ter saído da prisão em janeiro 1937. Tais narrativas seriam assinadas com o nome pelo qual Graciliano se tornou literariamente conhecido. Na verdade, o texto que abre esta unidade, “Álvaro Paes”, revela o contrário. Foi publicado em 12 de junho de 1930 no Jornal de Alagoas, sob as siglas G.R. O mesmo se pode dizer da crônica “Milagres” que, mesmo com a rubrica “Graciliano Ramos”, saiu primeiramente na revista alagoana Novidade, em 11 de julho de 1931, e não em periódicos da então capital federal.

Até a 20ª edição do livro, nenhuma das narrativas trazia a indicação do veículo em que foi estampada e apenas uma minoria apresentava as datas da primeira publicação27, o que resulta num grande problema, pois o volume aparenta ter sido organizado seguindo uma ordem cronológica. Com a 21o edição, supervisionada por Wander Melo Miranda, professor de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais, que prometia rever alguns equívocos, a situação pouco mudou: apenas quatro das 71 crônicas da segunda parte do livro foram rigorosamente localizadas e datadas. São elas: “Jibóias”, “O Sr, Krause”, “Atribulações de Papai Noel” e “Um homem forte”.

Viventes das Alagoas, atualmente na 18a, saída em 2007 é uma grande miscelânea de textos de temática sertaneja, escritos, sobretudo, após a saída de Graciliano da prisão e de sua posterior fixação no Rio de Janeiro em 193728. Originariamente, a obra reunia 36 crônicas. A partir da 15ª edição da Record, em 1992, foram acrescidas outras duas até então inéditas em livro: “Comandantes de Burros” e “Antônio Silvino”. Além dos textos jornalísticos, o volume contém ainda dois relatórios enviados por Graciliano ao governador do Estado de Alagoas nos anos de 1929 e 1930, quando o escritor era então prefeito da cidade de Palmeira dos Índios.

O título da obra indica o predomínio da descrição de figuras humanas, mas também sugere certa brutalização e animalização destas já que o termo “vivente” pode se referir a qualquer criatura viva e não a um indivíduo específico. Já o topônimo “Alagoas” localiza e restringe a

27 A orelha da primeira edição de Linhas Tortas realizada pela Martins apresenta uma justificativa questionável para tais omissões. Segundo o texto o problema seria dos originais: “Sempre que foi possível localizar data e publicação, nós as transcrevemos – como também o fizemos em relação aos pseudônimos, abreviaturas ou iniciais, utilizados pelo autor. Os trabalhos que aparecem sem essas indicações, uns poucos, são os arrolados entre os originais, onde não existem informações precisas”. Contudo, por meio da pesquisa em recortes de jornais, muitas lacunas poderiam ser esclarecidas.

28 Pelo que se sabe, o livro reúne apenas três textos que são exceções a essa regra: “Lampião”, escrito inicialmente para a revista alagoana Novidade; “Comandante dos Burros” e “D. Maria Amália” publicados no Jornal de Alagoas. Esta última crônica, no entanto, foi reaproveitada por Graciliano e relançada na revista Cultura Política em abril de 1941.

origem dos seres representados. Na verdade, Graciliano não se limitou a seu estado de origem, como se poderia pensar a princípio; ele não se pautava por uma suposta correspondência geográfica entre a paisagem e os espaços ficcionalizados. Muitas das cidades e propriedades rurais apresentadas nas crônicas são designadas de maneira vaga como “espaços sertanejos”.

Além disso, há textos que fazem referência a outras localidades como Pernambuco e Paraíba.

Entretanto, o subtítulo do livro – “Quadros e Costumes do Nordeste” –, retirado da seção de mesmo nome da revista Cultura Política, amplia tanto o espaço como o assunto das crônicas.

Estas tratariam não só de personagens, mas de práticas, situações e particularidades encontradas em toda a região nordestina.

Ao contrário de Linhas Tortas, volume organizado cronologicamente e dividido em seções que agrupam diferentes fases da produção do escritor, Viventes das Alagoas apenas reúne textos variados que se assemelham do ponto de vista temático sem nenhuma ordem aparente.

Dessa maneira, o arranjo deles no livro não apresenta qualquer separação que leve em conta períodos e lugares de publicação distintos. Mesmo as crônicas de Cultura Política, que compõem a maioria da obra, não são apresentadas como um conjunto diferenciado (não se respeita a ordem de publicação dos textos na revista). Repete-se, portanto, uma falha já apontada na primeira parte do livro anteriormente analisado29. Em Viventes ocorre também a amplificação do problema de falta de exatidão bibliográfica de Linhas Tortas: em todas as crônicas são negligenciadas as datas e locais da primeira divulgação em periódico.

A última edição do livro (a 19ª lançada pela Record em 2007), que também fez parte do mesmo projeto de reedição das obras do autor, supervisionado por Wander de Mello Miranda, procurou solucionar tais lacunas, mas as deficiências continuaram. A começar pela própria

“Nota do editor” em que se afirma: “Esta nova edição de Viventes das Alagoas teve como base a 1ª e a 15ª edição do livro, publicado pela J. Olympio”30. Como se sabe, a 1ª edição de tal volume foi lançada em 1962 pela Martins, sem a participação da José Olympio. Além disso, foram recuperadas informações bibliográficas da primeira publicação em periódico dos textos de Cultura Política e de mais oito crônicas saídas em jornais cariocas e alagoanos, o que manteve o restante dos escritos sem a especificação dos locais e datas da veiculação

29 Dos 38 textos que compõem o livro, 22 foram escritos originariamente para essa revista. Destes, 18 fizeram parte da seção do periódico chamada “Quadros e Costumes do Nordeste”, três da seção “Quadros e Costumes Regionais” e um da seção nomeada apenas como “Quadros Regionais”. Vale salientar que Viventes das Alagoas não reúne toda a colaboração de Graciliano em Cultura Política. As crônicas “Booker Washington” e “A viúva Lacerda” foram publicadas em Linhas Tortas. O texto “Uma visita inconveniente” continua inédito em livro.

30 NOTA do editor. In: RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas. Rio de Janeiro: Record, 2007, p.5.

inicial na imprensa. E mesmo entre tais colaborações identificadas há problemas.

Diferentemente do que estabelece o editor, a crônica “Carnaval 1910”, que abre o volume, saíra na revista carioca O Cruzeiro, em fevereiro de 1942 e não no número inaugural de Cultura Política, em março de 1941. Na verdade, a narrativa que fora estampada na estréia da revista getulista chamava-se apenas “Carnaval”, o terceiro texto na seqüência da obra31.

Numa rápida comparação entre as versões das crônicas publicadas em Cultura Política e posteriormente reunidas no livro, observa-se algumas diferenças importantes em dois textos.

“Quadros e costumes do Nordeste II” (“D. Maria Amália”), estampado no periódico estadonovista em abril de 1941, apresenta diferenças lexicais, acréscimos, cortes e um final todo modificado da sua correspondente em Viventes das Alagoas. Problema maior, contudo, é observado com a crônica “Carnaval”, que abre a série “Quadros e Costumes do Nordeste”.

Cotejando as versões, foi observado que o segundo e terceiro parágrafos, encontrados a partir da segunda edição da obra, não constam nem na revista, nem na primeira edição do livro.

Neste caso, parece que o texto-base do editor teria sido o manuscrito, como se pode constar conferindo-o no Arquivo Graciliano Ramos no IEB32. No entanto, no caso de “D. Maria Amália”, o mesmo editor se valeu de uma versão édita do texto, mais antiga, publicada, primeiramente, no Jornal de Alagoas em 18 de junho de 1933. Portanto, o critério varia o que pode levar a equívocos e imprecisões.