• Nenhum resultado encontrado

A constituição corporativa de 1934 e a liderança forte

Dollfuss não viveu o suficiente para colher os benefícios da Consti- tuição de 1934, que concentravam o poder na sua pessoa. Alguns anos antes, o principal ideólogo da Heimwehr e conselheiro de Starhemberg, Odo Neustädter-Stürmer, que se tornara ministro dos Assuntos Consti- tucionais, e o seu homólogo católico, o teólogo austríaco Johannes Mes-

48Com base na descoberta recente de novas fontes: K. Bauer, «Hitler und der Juliputsch

1934 in Österreich». Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 59, n.º 2, 2011, 193-227; W. R. Garscha, Opferzahlen, 124-128; ainda relevante: G. Jagschitz, Der Putsch: Die Nationalso- zialisten 1934 in Österreich. Graz: Estíria, 1976.

sner,49tinham traçado propostas divergentes. Vingou o primeiro, ainda

que tivesse de se submeter à forte influência de Schuschnigg e do presi- dente da Câmara de Viena, o autoritário Richard Schmitz.50Dollfuss in-

terferiu com frequência, mas parece ter preferido uma abordagem prag- mática e soube manter um equilíbrio de poder que lhe era favorável.51

O governador de Vorarlberg, Otto Ender,52anteriormente um ardoroso

defensor do federalismo, limitou-se a formular o texto final da Consti- tuição,53que não era propriamente da sua autoria.54

A nova constituição foi rapidamente aprovada em finais de abril de 1934,55recorrendo-se a dois métodos legalizadores para conferir ao pro-

cesso uma aparência de constitucionalidade. Em primeiro lugar, Dollfuss usou uma vez mais a célebre KWEG de 1917, sobre a qual assentava, desde março de 1933, o governo autoritário. Paradoxalmente, de modo a reforçar a impressão de continuidade legal, foi necessário ressuscitar temporariamente uma versão fantoche do Nationalrat (sem os social-de- mocratas), o que seria alcançado a 30 de abril através da Lei Federal de Medidas Extraordinárias Relativas à Constituição.56As suas três alíneas

revogavam a constituição democrática em vigor, permitindo ao governo

A Vaga Corporativa

49H. Bußhoff, Das Dollfuß-Regime in Österreich: In geistesgeschichtlicher Perspektive unter be- sonderer Berücksichtigung der «Schöneren Zukunft» und «Reichspost» (Berlim: Duncker & Humb lodt, 1968).

50H. Wohnout, «Die Verfassung 1934 im Widerstreit der unterschiedlichen Kräfte im Re-

gierungslager», in Österreich 1933-1938: Interdisziplinäre Annäherungen an das Dollfuß-/Schuschnigg- Regime, eds. I. Reiter-Zatloukal, C. Rothländer e P. Schölnberger (Viena: Böhlau, 2012), 24-28. 51Ver o editorial de Dollfuss em Reichspost, 24 dez. 1933, in Dollfuß an Österreich,

M. Weber, ed., 51.

52H. Rumpler, «Der Ständestaat ohne Stände», in Der Forschende Blick: Beiträge zur Ges- chichte Österreichs im 20. Jahrhundert, eds. R. Krammer, C. Kühberger e F. Schausberger (Viena: Böhlau, 2010), 229-245; P. Melichar, «Ein Fall für die Mikrogeschichte? Otto En- ders Schreibtischarbeit», in Im Kleinen das Große suchen: Mikrogeschichte in Theorie und Praxis, E. Hiebl e E. Langthaler, eds. (Innsbruck: Studienverlag, 2012), 185-205.

53Verordnung vom 24.4.1934 über die Verfassung des Bundestaates Österreich. Disponível em:

<http://www.verfassungen.de/at/at34-38/oesterreich 34.htm>. Acesso em 14 março de 2015.

54Um facto que os comentários do próprio tornaram óbvio. Ver O. Ender, ed., Öster- reich: Die neue österreichische Verfassung: Mit dem Text des Konkordates (Viena: Österr. Bun- desverlag, 1934). O papel desempenhado por Johannes Hollnsteiner, padre católico e amigo de Alma Mahler-Werfel e de Schuschnigg, é pouco claro; ver G. Hartmann, «Eliten im ‘Ständestaat’: Versuche einer Einordnung», in Das Dollfuss-Schuschnigg-Regime, eds. F. Wenninger e L. Dreidemy, 223-240.

55G. Enderle-Burcel, «Historische Einleitung», in Protokolle des Ministerrates der Ersten Republik: 1918-1938, Abt. 8, Kabinett Dr. Engelbert Dollfuß: 20. Mai 1932 bis 25. Juli 1934, vol. 7 (Viena: Verlag Österreich, 1986), XIV e segs.

56Bundesverfassungsgesetz über außerordentliche Maßnahmen im Bereich der Verfassung, 30.4.1934. Disponível em: <http://www.verfassungen.de/at/ at34-38/bvg34.htm>. Acesso em 14 março de 2015.

decretar uma nova Constituição algumas horas depois. Concebida se- gundo o modelo da Lei de Concessão de Plenos Poderes de 1933, de Hi- tler, esta lei operou nada menos do que a transferência das competências das duas câmaras parlamentares para o governo federal, ainda entendido como um coletivo de dez ministros. Isto representava uma nova rutura da continuidade legal, promulgada pelo presidente federal: uma verda- deira revolução efetivada pela figura cimeira do Estado.57

A 1 de maio de 1934, a Constituição corporativa, que invocava «Deus Todo-Poderoso», proclamou a Áustria como um Estado federal germânico cristão. O texto remetia com frequência para a lei constitucional, e de certa forma mantinha as suas estruturas formais pré-1933, ao mesmo tempo que desvirtuava por completo o seu significado democrático. Em- bora as regulações corporativistas permanecessem em grande medida vagas, a constituição traía as suas intenções corporativistas. Isto era parti- cularmente evidente na secção onde se especificavam os direitos gerais (capítulo II, §§55-33), que incluíam: igualdade de todos os cidadãos, igual-

dade entre os sexos, liberdade individual, liberdade de expressão e de im- prensa (a qual era despudoradamente pré-censurada), garantia dos direitos de propriedade, de segurança doméstica, de reunião (não política) e de associação; o documento garantia além disso a observância de determi- nadas regras a nível dos procedimentos administrativos, policiais e judi- ciais – a própria administração do Estado deveria ser exercida em confor- midade com a lei [§ 9 (1)]. Não obstante, estes direitos eram restringidos pela inclusão de cláusulas como «desde que a lei não prescreva nada em contrário» e por outras ressalvas que contrariavam a democracia liberal. Tanto na teoria como na prática, os (reduzidos) direitos políticos, civis e jurídicos ostensivamente garantidos pela Constituição eram exclusiva- mente reservados aos cidadãos patriotas. Excluídos por definição estavam, pois, os social-democratas e restantes esquerdistas e, pelo menos ao início, os nazis. Todas as comunidades religiosas legalmente aceites, como os protestantes, os judeus e os católicos, eram publicamente reconhecidas, se bem que estes últimos obtivessem privilégios especiais. A constituição incorporava a Concordata de 1933 entre a Áustria e o Vaticano.58

57A. Merkl. A., Die ständisch-autoritäre Verfassung Österreichs: Ein kritisch-systematischer Grundriß (Viena: Springer, 1935), 11-12; E. Voegelin, Der autoritäre Staat: Ein Versuch über das österreichische Staatsproblem (Viena: Springer, 1936), 150-151 e 171-181; L. Adamovich, «Best immende Faktoren einer dramatischen Entwicklung», in Kulturkongress der Österrei- chischen Kulturvereinigung. Viena, 4 novembro de 2014. Estou grato ao autor pelo acesso ao artigo original, a ser publicado no Journal für Rechtspolitik, Viena.

Este código de direitos fundamentais era melhor do que nada. Apre- sentando diferenças relativamente ao absolutismo pré-moderno ou aos regimes totalitários da década de 30, parecia ser uma imitação da lei fun- damental introduzida na Áustria através da constituição de dezembro de 1867. É notável até que ponto o pensamento jurídico liberal continuava enraizado no país: aparentemente, os defensores do autoritarismo anti- liberal hesitavam em erradicá-lo e continuavam preocupados com a opi- nião pública das democracias ocidentais, que tinham concedido à Áustria o empréstimo de Lausana de 1932. No entanto, apesar de todo o seu ilu- sório legalismo, abriram caminho à limitação dos direitos humanos e à emergência da governação não democrática.

Outro princípio publicamente declarado era o do autogoverno dos nove Länder (os antigos estados federais), incluindo Viena, e de subdivi- sões territoriais como as autarquias (capítulos VI-IX). O federalismo, como

característica duradoura da cultura política austríaca, estava firmemente enraizado no pensamento da classe política conservadora.59À primeira

vista, a proclamação da Áustria como Estado federal parecia dar conti- nuidade ao projeto de federalismo que constituíra uma exigência perma- nente do CSP e seus seguidores nas províncias exteriores a Viena e que deveria materializar-se na constituição de um Länderrat de 18 membros. O resultado foi o oposto: todas as autoridades locais e regionais e todos os anteriores corpos de autogoverno perderam poder, sendo em última instância directamente controlados pela chancelaria federal. Isto suscitou desagrado, mas não uma verdadeira resistência, entre os antigos membros do CSP. Os danos infligidos à «Viena Vermelha», que havia muito vinha sendo atacada com crescente ferocidade pelos antimarxistas e por Mus- solini, foram particularmente graves. Embora mantendo o título de ca- pital federal, a cidade passou a estar dependente do governo federal. A Constituição de 1934 tinha efetivamente transformado a Áustria fe- deral num Estado centralizado.

Alegadamente, no âmago da constituição estava a promessa de reorgani- zar a Áustria de acordo com os princípios básicos do corporativismo. Pro- metia-se a todas as corporações sociais o direito a administrarem autono- mamente os seus assuntos profissionais, ainda que sob a supervisão do Estado (§ 32); contudo, não se esclarecia ao certo o que eram as Berufsstände (corporações de grupos profissionais), nem se definia de que modo estas po- diam exercer a sua influência aos diversos níveis da hierarquia política.

A Vaga Corporativa

59E. Bruckmüller, Nation Österreich: Kulturelles Bewußtsein und gesellschaftlich-politische Pro- zesse, 2.ª ed. (Viena: Böhlau, 1996), 155-199.

Figura 3.1 – Estrutura da constituição do Ständestaat austríaco de 1 de maio de 1934 (segundo Odo Neustädter-Stürmer)

Explanação dos termos alemães:

Estruturas horizontais: Presidente federal Governo federal Conselho federal

Governadores, governos e conselhos regionais (Land)

Presidentes da Câmara, conselhos municipais e conselhos paroquiais Coluna esquerda/Política económica (consistindo em:)

Bundeswirtschaftsrat (Conselho Federal da Economia)

Wirtschaftsbehörden (órgãos económicos): os Ministérios das Finanças, da Agricultura, do Comércio, dos Assuntos Sociais e respetivos aparelhos burocráticos

Berufsstände (corporações)

Coluna central/Política estatal (consistindo em:) Staatsrat (Conselho de Estado)

Hoheitsbehörden (órgãos estatais): os Ministérios dos Assuntos Estrangeiros, da Defesa, da Segurança Nacional, da Justiça e respetivos aparelhos burocráticos

Frente Patriótica

Coluna direita/Política cultural (consistindo em:) Bundeskulturrat (Conselho Federal da Cultura)

Kulturbehörden = Ministério da Educação e autoridades escolares Kulturelle Gemeinschaften (comunidades culturais = religiosas)

A figura 3.1 esquematiza visualmente a (projetada) estrutura legislativa do novo Estado.60As três colunas representam as estruturas de autogo-

vernação nas áreas económica, estatal e cultural, as quais funcionavam apenas como órgãos consultivos. Assim, tinham como função emitir pa- receres sobre medidas legislativas sempre que o governo o solicitasse. Estes órgãos eram:

– O Conselho de Estado (Staatsrat),61que era uma espécie de câmara

superior composta por 40 a 50 elementos de mérito e idoneidade nomeados pelo presidente federal. O Conselho lidava sobretudo com questões estatais e sociais. O princípio berufsständisch (corpo- rativo) propriamente dito ocupava um lugar especial na esfera po- lítica, daí a posição central do Staatsrat.

– O Conselho Federal da Cultura (Bundeskulturrat)62tinha 40 mem-

bros, dois dos quais do sexo feminino,63nomeados pelo presidente

federal para períodos de seis anos. O seu número era determinado por uma lei especial, e incluía oito representantes da Igreja Católica, um protestante, um membro da comunidade judaica, vinte e dois representantes de escolas e de outras instituições educativas, quatro representantes das ciências e quatro representantes das artes.64

– O Conselho Federal da Economia (Bundeswirtschaftsrat),65consti-

tuído (no final) por 80 membros [§ 48 (4)],66era o único órgão cuja

descrição, na Constituição, incluía os nomes das sete corporações profissionais. Talvez não fosse acidental o facto de estes grupos sur- girem também como categorias sociais nos censos de 22 de março de 1934. No início dos anos 30, a sociedade austríaca fora estatisti- camente organizada de acordo com grupos socioeconómicos que correspondiam em grande medida às coporações profissioanais de 1934 (a maioria dos social-democratas também as aceitara como instrumentos estatísticos, ainda que constassem nas primeiras pro-

A Vaga Corporativa

60O. Neustädter-Stürmer, Die berufsständische Gesetzgebung in Österreich (Viena: Öster-

reichischer Bundesverlag, 1936), 261.

61A coluna central da figura.

62Representado pela coluna direita da figura.

63Os membros do sexo feminino dos três órgãos consultivos são analisados em E.

März, Bundesstaat Österreich: Die Verfassung und der Aufbau des autoritären Staates (Viena: Selbstverlag, n. d.), 10.

64§ 1 do Bundesgesetzblatt (B. G. Bl.) II, n.os284/34, in Gesetzgebung, Neustädter-Stür-

mer, 63.

65A coluna esquerda da figura.

66E. März, Bundesstaat, 10, refere 83 membros.

postas corporativistas da Heimwehr tirolesa conservadora67– pode-

mos, pois, concluir que o conceito específico de Berufsstände existia já na sociedade austríaca antes de ser proclamado por Dollfuss). No texto constitucional, as corporações profissionais permaneciam um tanto vagas, e o número de representantes de cada uma delas só seria determinado cinco meses mais tarde.68

A dimensão dos sete principais grupos corporativos profissionais em termos de representantes (veja-se o quadro acima) corresponde grosso

modo à proporção de tais grupos dentro da população austríaca; con-

tudo, esses representantes eram frequentemente escolhidos de entre os funcionários e burocratas de topo.69O sector da função pública a todos

os níveis administrativos, e sobretudo o sector financeiro, estavam cla- ramente sobrerrepresentados,70facto que reflete o poder de lobbying des-

67N. Hofinger, «‘Unsere Losung ist: Tirol den Tirolern!’: Antisemitismus in Tirol 1918-

-1938». Disponível em: <http://www.uibk.ac.at/zeitgeschichte/turteltaub/down/antise- mitismus_tirol.pdf>. Acesso em 14 de março de 2015.

68§ 1 do B. G. Bl. II, n.º 284/34, in Die berufständische Gesetzgebung, Neustädter-Stürmer,

64.

69Em 22 de março de 1934, a população da Áustria era de 6,7 milhões, dos quais 3,17

milhões tinham uma profissão definida. Estes números constituem a nossa base de refe- rência.

70Estimativa do autor com base no B. G. Bl. II, n.º 284/34 e in Statistisches Handbuch für den Bundesstaat Österreich, Bundesamt für Statistik, vol. 35 (Viena: Österreichische Staats- druckerei, 1935), 15.

Quadro 3.1 – Representantes no Bundeswirtschaftsrat

(Conselho Federal da Economia) e seus equivalentes na força de trabalho do conjunto da sociedade austríaca em 1934

Representantes Força de trabalho (Berufsträger) das Berufsstände na sociedade

no Conselho Federal em milhares [e percentagem] da Economia

em números

(e percentagem)

Agricultura e silvicultura 29 (36) 1004 [35]

Indústria e minas 15 (19) 1100 [38] (incluindo comércio) Comércio 12 (15) (incluído na categoria anterior) Negócios e transportes 9 (11) 495 [17]

Banca, crédito e seguros 4 (5) 32 [1] Profissões liberais 4 (5) 146 [5] Funcionalismo público 7 (9) 120 [4] Totais 60 (100) 2897 [100]

ses grupos e a vontade do governo de procurar o apoio das classes fi- nanceira e administrativa. Surpreendentemente, a corporação da agri- cultura e da silvicultura não estava sobrerrepresentada, mas os verdadei- ros proprietários e trabalhadores agrícolas eram escassos dentro deste grupo, do qual estavam também ausentes as mulheres e outros familiares dos agricultores.71

De acordo com a teoria do Ständestaat, apenas seis das Berufsstände (ex- cluindo a função pública) apresentavam um número igual de emprega- dores e trabalhadores entre os seus representantes. O facto estava em vin- cado contraste com a proporção das duas classes antagónicas (patrões e trabalhadores) na sociedade (33% contra 67%, respetivamente);72a classe

dos trabalhadores era esmagadoramente suplantada pelos seus oponentes de classe neste sistema corporativo. Se bem que isto representasse um contraste significativo entre a realidade sociopolítica e o ideal corporativo propriamente dito, não era caso único. No Bundeskulturrat, os critérios de representação não coincidiam com o esquema das corporações pro- fissionais, por uma simples razão: havia apenas funcionários de alto nível e nenhum empregador. O esquema geral da Constituição corporativa es- tava longe de ser um sistema funcional com regras próprias em termos de processo sociopolítico.

Os elementos corporativos presentes nas três colunas (com os respeti- vos conselhos) eram dominados por organismos públicos preexistentes (como os ministérios), ilustrados pelas secções mais largas ao centro de cada coluna, o que refletia uma tendência em favor da tomada de deci- sões burocrática-autoritária. Neste edifício ideal, o papel da VF parece ser bastante menos importante do que o prometido. A mesma ausência de verdadeira autoadministração corporativista pode ser igualmente ob- servada no quarto órgão consultivo, o Länderrat, que era formado por governadores e delegados dos nove Länder federais (§§ 49) e que funcio- nava como um meio de mitigar o desgaste do federalismo.

Acima destas colunas, no topo do edifício constitucional, encontrava- -se o Bundestag (a Dieta ou Assembleia Federal, o equivalente formal do

Nationalrat ou da Bundesversammlung). A figura concebida por Neu -

städter-Stürmer e frequentemente utilizada por outros autores asseme- lhava-se a um templo grego, que era o modelo arquitetónico original do

A Vaga Corporativa

71I. Bandhauer-Schöffmann, Der «Christliche Ständestaat» als Männerstaat?..., 258-261. 72Estimativa do autor com base em Statistisches Handbuch, 35, 18-19, com a inclusão

de «familiares coadjuvantes» no grupo dos proprietários. Excluídos esses, a proporção seria de 23,77%.

Parlamento de Viena e devia por isso suscitar associações com a demo- cracia. Este corpo parlamentar fictício era constituído por 20 delegados do Conselho de Estado, 10 do Conselho Federal da Cultura e 20 do Concelho Federal da Economia. Todos estes membros deviam ser eleitos pelos seus respetivos conselhos, mas, a partir de 1934, passavam a ser di- retamente nomeados pelo presidente federal. O poder de decisão do Bun-

destag sobre as medidas do governo federal era limitado. Não era um

substituto do abolido Nationalrat, e tem sido comparado a uma forma incipiente de parlamento Stände, com menos poder ainda do que o

Reichstag do regime neoabsolutista do Kaiser Francisco José I, na década

de 1850.73

A par desta frágil instituição, havia também a Convenção Federal (Bun-

desversammlung), que raramente era chamada a intervir. Era constituída

por 188 membros dos quatro conselhos. Em 1935, a Bundesversammlung era composta por 61 altos funcionários e oficiais, 22 lentes universitários, 21 professores e 13 clérigos, e apenas dois deles eram do sexo feminino. Os restantes estratos sociais estavam extremamente sub-representados.74

Este tipo de composição garantia uma firme lealdade às posições con- servadoras, afastando o perigo de qualquer oposição ao regime75e, si-

multaneamente, impedindo os fascistas da Heimwehr de dominarem a arena política. A principal função deste órgão era ratificar a legislação go- vernamental relativamente à eleição do presidente federal ou a declara- ções de guerra, que não ocorreram até 1938.

A única instituição que preservava um mínimo de princípios demo- cráticos era o plebiscito, que podia ser convocado pelos níveis superiores, a mando do presidente federal ou por decisão do governo federal (§ 65);76

porém, tal plebiscito jamais chegou a ser convocado.

Na prática, nunca chegou a existir qualquer tipo de autogovernação corporativista, mas apenas um rígido e variado poder autoritário, situado nos pináculos gémeos da pirâmide institucional formal. Um dos piná- culos era o presidente federal e o outro o governo federal, ou, mais pre- cisamente, o chanceler.

No papel, a figura do presidente federal respondia aos já antigos apelos da Heimwehr a uma presidência forte e a um regime presidencial popu- lista. De acordo com a nova constituição, o presidente devia ser eleito

73A. Merkl, Die ständisch-autoritäre Verfassung Österreichs..., 75. 74E. März, Bundesstaat..., 11.

75Ibid., 72.

por uma assembleia federal composta pela maioria dos presidentes das 4396 autarquias do país (em representação de comunidades cuja dimen- são variava entre a de uma cidade como Viena até à da mais pequena al- deia) por um período de sete anos. Esta assembleia devia escolher o pre- sidente federal de uma lista de três candidatos nomeados pelo Bundestag (a Dieta Federal). Há que lembrar que os presidentes das autarquias e todos os membros do Bundestag eram eles próprios nomeados e não elei- tos, e que a nomeação de cada um deles dependia da aprovação do pre- sidente federal e do chanceler. Assim se garantia que o segmento rural tradicionalmente conservador da sociedade permanecesse estável e poli- ticamente dominante. Embora um terço dos autarcas em funções tivesse sido eleito antes de 1934, este sistema recursivo excluía da arena política qualquer indivíduo que não gozasse do favor dos mais altos funcionários do Estado.77

Wilhelm Miklas, um membro submisso do CSP e uma geração mais velho do que Dollfuss e Schuschnigg, foi nomeado presidente em 1928 e uma vez mais em 1931, permanecendo no cargo até ao fim do Ständes-

taat. As suas anteriores reservas relativamente à república, o seu entu-

siasmo pela encíclica Quadragesimo Anno e o seu autoritarismo inato le- varam-no a aceitar a abolição da democracia, ainda que por vezes hesitasse em infringir a lei e o seu juramento (original) de tomada de posse, ou mostrasse relutância em aprovar a execução de penas capitais por crimes políticos. Miklas gostava de representar o papel de primeira figura do Estado, mas jamais exerceu os seus plenos poderes constitucio- nais. Formalmente munido de poderes equivalentes aos do chanceler, o presidente possuía também poderes de emergência (§§ 147-149) a que podia recorrer caso a segurança do Estado estivesse em risco. Porém, Mik- las limitava-se a seguir obediente e relutantemente as instruções de Doll- fuss. Pouco mais era do que um fantoche, e, em privado, declarou diver- sas vezes que era «prisioneiro de Dollfuss».78Sobreviveu ao período nazi

da Áustria numa situação de relativo conforto e morreu em 1956 sem ja- mais ter respondido pelas suas ações.

Se bem que, na representação gráfica de Neustädter-Stürmer, o presi- dente federal estivesse acima do chanceler, na realidade era este último quem ocupava a posição cimeira. No início do seu período no cargo,