• Nenhum resultado encontrado

As desilusões registadas na Idées penetram assim no Instituto de Estu- dos Corporativistas e Sociais (IESC) que deveria ser a fundação da rege- neração corporativista. A leitura da sua revista Cahiers et Travaux, como a prosa de Bouvier-Ajam, também permite constatar que o tradiciona- lismo não é hegemónico, nem tão-pouco unívoco, como certos traba- lhos o apresentaram. Em 21 de janeiro de 1942, por ocasião da inaugu- ração oficial do IECS sob a presidência de Fernand de Brinin (delegado geral dos territórios ocupados) Bouvier-Ajam, depois de ter apelado ao apoio do marechal (que «concede a imensa honra de [lhe] dizer o que ele pensa como [eles]»), propõe o desafio aos seus amigos de lançar o pensamento petanista em direção ao corporativismo tradicionalista e agir: «O corporativismo ultrapassou as barreiras da doutrina. Os corpo- rativistas foram encostados à parede. Vós que haveis preconizado, realizai agora».61Os tempos estariam maduros para a França («a França tem hoje

um Chefe») para pôr finalmente em prática um projeto apresentado como a combinação de escritos de La Tour du Pin (símbolo da «tradição francesa»), do exame das experiências estrangeiras (os exemplos português e alemão estão brevemente apresentados) e virado para o futuro rejei- tando os «paternalismos retardados» (em que o orador deplora a oposição à «vontade de associar o trabalhador à marcha económica da empresa»). Esta notação não é meramente marginal e Maurice Bouvier-Ajam com ironia sobre a ausência de competência técnica prestada ao trabalhador e conferida ao acionista: este último objetivo, que não conhece o obje- tivo exato da empresa, terá ele portanto tanto conhecimento técnico que deverá ser senhor das decisões maioritárias das assembleias. O trabalha- dor deu mais que o seu dinheiro à empresa, à profissão, ele deu-lhe a sua

60P. Andreu, «Deuxième anniversaire de la Charte du Travail», Idées, n.º 25 (1943): 59. 61Le corporatisme français..., 20-26.

vida. Ele tem o direito de saber o que se passa porque ele trabalha, para que serve o seu esforço, e ele tem o direito de dar a sua opinião, deverá ele chocar os detentores da técnica dos negócios!». Esta tomada de posi- ção do diretor do IECS coloca-o frente a frente não somente com os pa- trões do combate (que recusaram o comité social da empresa)62como

ainda com os paternalistas, em virtude da separação original, pretendida pela Charte, entre o económico e o social. Da mesma maneira Maurice Bouvier-Ajam, símbolo do tradicionalismo, mostra-se próximo nesse ponto dos sindicalistas que cessaram de reclamar uma associação de tra- balhadores na marcha económica da empresa.

Visto mais em detalhe, não são somente as ideias do diretor de IECS que não ficam acantonadas no horizonte do tradicionalismo. O orga- nismo, de facto, para preencher a sua tripla função de central da propa- ganda, de formação e de laboratório de reflexão, apelará a homens de perfil e com objetivos distintos e opostos. É sem dúvida o exame dos responsáveis pela formação que é o mais revelador. Robert Guillermain (especialista em La Tour du Pin), historiador do Direito francês François Olivier-Martin, Philippe Ariès, discípulo de Jacques Maritain, Jean Dau- jat, Claude-Joseph Gignoux, Firmin Bacconnier, Jean Paillard, Georges Lefranc, Pierre Marty, Louis Salleron e o economista Louis Baudin.63

O pluralismo das opiniões expressas permite não acantonar o IECS no tradicionalismo e fazer a verdadeira fusão do corporativismo. O resultado está longe das expectativas, apesar das pretensões, e não chega a unificar o projeto corporativista mas da-lhe uma espécie de rótulo. Além disso, Bouvier-Ajam vê-se duramente criticado pelos tradicionalistas, impulsio- nados por Jean Paillard, que não lhe perdoa o marasmo do Instituto e culpa-o de não ter apoiado quaisquer cartas profissionais. Após um pri- meiro momento procurou poupar os antigos amigos a relembrar que o Instituto «nunca atacou o princípio das cartas corporativas particulares» mas «simplesmente declarou que uma multiplicação exagerada dessas cartas constituiriam um perigo para o conjunto corporativista da assem - bleia»,64e Bouvier-Ajam eleva o tom. Ele denuncia assim os «profissio-

A Vaga Corporativa

62À semelhança de Mimard (Manufrance) ou de Berliet. Jean-Claude Daumas, «La

Révolution nationale à l’usine. Les politiques sociales des entreprises sous l’occupation», in L’occupation, l’État français et les entreprises, dirs. O. Dard, J.-C. Daumas e F. Marcot (Paris: ADHE, 2000), 185.

63S. L. Kaplan, «Un laboratoire de la doctrine corporatiste sous le régime de Vichy:

l’Institut d’études corporatives et sociales», Le Mouvement social, n.º 195 (2001): 46-47.

64M. Bouvier-Ajam, «Vocabulaire, faits et doctrines», Cahier de travaux, Institut d’études corporatives et sociales, n.º 5 (1943): 148.

nais» do corporativismo» que define como os «representantes dos agru- pamentos pré-corporativos, homens dos círculos de estudantes ou de as- sociações profissionais de todo o tipo» e acusa-os de «esconder o ran- cor».65No entanto, escondendo-se por detrás da figura do marechal, faz

surgir a «velha querela» entre tradicionalistas e sindicalistas em optar pe- rentoriamente pelos segundos, em detrimento dos primeiros: «Convi- dam-nos a construir a ordem corporativa. Construir a ordem corporativa é construir a ordem sindical. O plano do edifício é desenhado.» A con- clusão é imediata: «Ordem corporativista, portanto, ordem sindical. Cor- porativismo, portanto, sindicalismo.»66 Considerado um traidor aos

olhos dos tradicionalistas, Maurice Bouvier-Ajam, ao escolher a opção sindical, coloca-se na linha defendida pelo ministro do Trabalho.

Conclusão

O exame dos debates sobre o corporativismo e as tentativas de o cons- truir antes e depois de Vichy mostra o fosso existente entre as esperanças e os resultados. Com um corpus doutrinal coerente, os tradicionalistas não conseguiram obter os seus objetivos na prática. Vários elementos de explicação podem ser avançados. O primeiro é o perfil desses homens, mais teórico que prático, apesar de não terem um relacionamento com os membros de uma administração, que eles rejeitam e ao mesmo tempo ignoram e associam a um «estatismo» submetido a um Conselho Nacio- nal, encarregado de redigir uma constituição que nunca surgiu, após os vários projetos propostos ao marechal Petain.67Os tradicionalistas esta-

vam perto do marechal (poderíamos discutir o fundo ideológico tradi- cionalista deste), mas o regime de Vichy caracteriza-se por uma dispersão para não dizer uma explosão dos lugares de poder (sem falar do peso da ocupação alemã), a juntar à lentidão e à sinuosidade da gestação das de- cisões do Estado francês. Além da análise das peripécias que deram lugar à redacção da Carta de Trabalho, teríamos também de relembrar que se

65M. Bouvier-Ajam, «Syndicalisme et corporatisme. ‘Professionnels’ du syndicalisme». Cahier de travaux, Institut d’études corporatives et sociales, n.º 5 (1943): 62.

66M. Bouvier-Ajam, «La fin d’une vieille querelle». Cahier de travaux, Institut d’études corporatives et sociales, n.º 5, 1943, 63.

67Michèle Cointet contou nove edições de constituições de Vichy entre 1941 e 1944.

Ver M. Cointet, Le Conseil National de Vichy 1940-1944 (Paris: Aux Amateurs de Livres, 1989), 303. Distinguimos classicamente a Constituição de 1941, a Constituição «corpo- rativa» de Gignoux (1942-1943) e a Constitução «republicana» de Bouthillier e de Moysset (outubro de 1943 e janeiro de 1944).

o Conselho Nacional honra o trabalho nos seus projetos constitucionais, não é questão para ele «aliar-se ao corporativismo», como sublinha Mi- chèle Cointet, historiadora que precisa que ele estava «povoado por li- berais»: pensando em Joseph Barthélémy, ministro da Justiça do regime que viu nele «um misticismo em torno de uma palavra». Em 1941, por- tanto é «contrariado e forçado que o Conselho Nacional vai reconhecer as funções económicas do trabalho».68Desta forma, nunca se pensou se-

riamente em Vichy na criação de uma instituição que se parecesse com uma qualquer Câmara de Corporações e Michèle Cointet sublinhou nessa perspetiva que «o regime de Vichy não foi um corporativismo, mas um [...] pré-corporativismo».69Em 1941, em alguns projetos da quarta

sub-comissão do Conselho nacional, inspirados nomeadamente por François Perroux, observa-se a preocupação de integrar as corporações na futura constituição pensando nas modalidades de integração profis- sional nas instituições representativas. Mas as iniciativas de Perroux são colocadas em minoria pelo Conselho Nacional70e o projeto constitu-

cional nunca entrou em vigor. Acrescentaríamos que se o projeto de 1942-1943 foi qualificado como «constituição corporativa de Gignoux», quando foi abandonado no verão de 1943, ele era somente um texto em construção. Quanto ao último projeto da «constituição republicana», a questão corporativa não interessa aos seus promotores, preocupados antes em adaptar o Estado francês ao novo contexto militar e político em vigor. O corporativismo não figurou oficialmente em qualquer texto constitucional de Vichy, ao contrário da Charte du Travail que acabou por ver a luz do dia. A conjuntura nunca foi favorável aos tradicionalistas, que nunca conseguiram, apesar do discurso de 12 de agosto sobre o vent

mauvais, investir duravelmente nos lugares de influência e de decisão,

em particular quanto à aplicação da Charte. A este primeiro conjunto de explicações acrescenta-se a questão da adequação do projeto tradiciona- lista à conjuntura e à perspectiva dos anos 40. A nostalgia de uma har- monia medieval, conjugada com uma profunda rejeição do capitalismo industrial (associado ao materialismo e ao americanismo) e de uma re- volução comunista ameaçadora, reencontrou eco na França dos anos 30. Se nos referirmos ao número de publicações editadas sobre o tema, o problema é o de passar dos discursos aos atos e de encontrar os elos na

A Vaga Corporativa

68Ibid., 149 e 152. A fórmula de Joseph Barthélémy, citada por Michèle Cointet, é ti-

rada de son Cours de droit comparé de 1943.

69M. Cointet, Vichy et le fascisme (Bruxelles: Complexe), 1987, 189. 70M. Cointet, Le Conseil National de Vichy 1940-1944..., 154-156.

sociedade. Os elementos mais jovens, vindos dos anos 30, voltam ao tra- dicionalismo por causa da crise (é o que Armand Petitjean chamava francs

tireurs d’avant guerre e que formavam segundo ele o «núcleo de base da

Revolução»)71mas abandonando as quimeras tradicionalistas para reto-

mar a herança do Círculo Proudhon72e sobretudo para as atualizarem

na era do fascismo. Os modernizadores sindicalistas, mais bem armados que os adversários, puderam apoiar-se sobre tropas muito mais consis- tentes que os magros batalhões tradicionalistas. Teremos portanto de con- siderar que as vitórias dependentes dos tradicionalistas fazem deles um mestre do jogo. Seria ir depressa de mais e negligenciar a importância dos tecnocratas que detêm o poder no Ministério da Produção Industrial, em particular na época de Jean Bichelonne, que espera ver o Ministério do Trabalho ligado ao da Produção Industrial, o que conseguiu após a partida de Hubert Lagardelle. Este último não conseguiu esconder a sua amargura, lamentando-se na sua última alocução, em 11 de outubro de 1943, da sorte lançada à «organização sindical, como pedra de base do principal edifício da Carta» para sublinhar significativamente: «Senhores, por muito tempo anunciámos a revolução nacional. Temos de falar. É melhor fazê-la.»73Quando o ministro se exprime, o Estado francês está

em vias de ser anexado. A Carta do Trabalho não deu origem em França a uma verdadeira experiência corporativa, conforme os desejos dos dife- rentes promotores e comparável à de outros regimes, que se inscreveram numa temporalidade mais longa que os quatro anos da existência de Vichy. Quanto ao sucesso da Carta, articulada com as políticas sociais das empresas e com o desenvolvimento dos comités socais, explica-se melhor por outras razões, do que por uma conversão corporativa.

71A. Petitjean, «Les amis de la Révolution», Idées, n.º 14 (1942): 2.

72P. Andreu evocou, em fevereiro de 1936, o Círculo Proudhon num artigo de Combat

intitulado «Fascisme 1913» e notou, antes de Zeev Sternhell, que «em França, em torno da Action française e de Péguy, havia uma penumbra de um tipo de fascismo». Mas, An- dreu não é um maurrasiano.

73Cit. in C. Bouneau, Hubert Lagardelle, un bourgeois révolutionnaire et son époque (1874- -1958)..., 393.

Parte II