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Os fundamentos do Estado corporativo (1928-1939)

Concluídas as etapas descritas de reorganização das instituições, a que se abre no biénio de 1928-1929 era, pelo contrário, a fase de introdução do «partido único» no interior do Estado através da reforma do GC e a atribuição do estatuto de ministro ao secretário do PNF, sistematizando juridicamente, como releva Nicola Macedonio,48uma situação de facto.

Consequência implícita da ideia de Estado orgânico e corporativo, ou de não conceber a existência de corpos fora do Estado, o GC e o PNF deixaram de ser órgãos de direito privado e tornaram-se, para todos os efeitos, órgãos de relevância constitucional. Ao GC, órgão supremo da revolução fascista, competia exprimir-se sobre tudo aquilo que dizia res- peito à vida do partido único e, portanto, sobre tudo aquilo que envolvia a vida do Estado, sendo o partido único a principal fonte de elites polí- ticas e, ainda para mais, dada a coincidência entre o cargo de chefe do governo e de presidente do GC.

Assim, depois da abolição dos partidos e da institucionalização dos sindicatos nacionais, a etapa seguinte no processo de corporativização

A Vaga Corporativa

45Irene Stolzi, L’ordine corporativo, Poteri organizzati e organizzazione del potere nella rifles- sione giuridica dell’Italia fascista (Milão: Giuffré Editore, 2007), 40.

46Cassese, cit.

47Cf. Alberto Aquarone, L’organizzazione dello Stato totalitario (Turim: Einaudi, 1995),

100-103.

48Cf. Nicola Macedonio, Il Gran Consiglio del Fascismo, organo della costituzione (Roma:

Angelo Signorelli, 1937).

do Estado foi a radical mudança dos critérios de formação da Câmara dos Deputados. A reforma eleitoral tinha já, de facto, abalado profunda- mente a representatividade da Câmara, mas, com a reforma de 17 de maio de 1928, é introduzido um regime de tipo plebiscitário.

Na realidade, como já acontecera em 1925, o regime não tem a cora- gem de levar adiante até ao fundo a reforma da representação corporativa. Os contrastes são bastante profundos, desde os projetos mais radicais de Giuseppe Bottai, segundo o qual as instituições da Câmara e do Senado são ilógicas e privadas de sentido num Estado corporativo,49e as mais

moderadas, segundo as quais o parlamento, e mais especificamente a câ- mara alta, o Senado, deviam ser transformados com base nos novos prin- cípios de representação sectorial e não individual. Em novembro de 1927, o GC discute um projeto de reforma que deveria ter fechado definitiva- mente a questão do Estado corporativo e uma vez mais o resultado é fruto de uma mediação entre corporativistas e anticorporativistas.50

O regime continua substancialmente híbrido, com princípios liberais e outros corporativos.

Com a passagem à fase plebiscitária, a faculdade de propor candidatos à Câmara dos Deputados pertence em primeiro lugar às confederações nacionais dos sindicatos legalmente reconhecidos em número duplo ao dos deputados a eleger (800). Outros 200 nomes deviam ser propostos por instituições de caridade legalmente reconhecidas ou por associações existentes que tivessem importância nacional. Era tarefa do GC escolher as 400 figuras que deveriam fazer parte da lista a submeter a plebiscito à qual podia, além disso, adicionar candidatos de sua feição, escolhidos entre figuras de «clara fama».51

Por uma espécie de circularidade, o projetado era um ulterior passo em frente no processo de corporativização do país que levará, em 1939, à formação da Camera dei Fasci e delle Corporazioni. Isto devia-se a vá- rias razões: em primeiro lugar porque quem devia escolher o GC era já parte integrante, como vimos, das forças vivas do país; em segundo lugar porque, na compilação da lista, os membros do GC deviam ter em con- sideração o parecer dos vários sindicatos e de outras entidades corpora- tivas; por último porque o direito de voto era acordado aos homens que demonstravam pagar um contributo sindical.

49Francesco Perfetti, cit., 86-87

50Para uma discussão mais aprofundada sobre aqueles a que Renzo De Felice chama

«gli anticoporativisti», ver Renzo De Felice, Mussolini il fascista, vol. 2, L’organizzazione dello Stato fascista 1925-1929 (Turim: Einaudi, 2005), 323-324.

A consulta plebiscitária que seguiu a reforma, a 24 de março de 1929, representou simultaneamente um início e um fim. O início oficial do novo regime corporativo e o fim do processo de liquidação do Estado liberal, assim como também sublinhou Antonio Giolitti: «esta lei, que confiando a escolha dos deputados ao Gran Consiglio fascista exclui da câmara qualquer oposição de carácter político, marca o afastamento de- cisivo do regime fascista do regime regido pelo estatuto e um momento inicial no sentido de uma fascistização do Estado».52

Os novos equilíbrios constituíam efetivamente o paradoxo pelo qual parte da estrutura do Estado liberal ainda se mantinha de pé, com a não pequena exceção de que apenas o partido único podia participar na vida do Estado. A Câmara dos Deputados continuava, na visão de Romano, a ser o elemento de unificação entre o Estado e a nação, ou seja, entre o Estado e o povo. A grande mudança decorrida com as novas reformas constitucionais residia no facto de que à soberania popular se substituiria a soberania do Estado. O povo, no novo sistema, não era já chamado a expressar a sua própria vontade, a não ser para dar o seu assentimento à lista única proposta pelo GC e, afinal, a vontade do povo devia coincidir com a vontade do Estado.53

Outra grande reforma foi elaborada com a lei de 9 de dezembro de 1928 e depois atualizada a 14 de dezembro de 1929, com a qual o GC deixava de ser órgão do partido, para se tornar um órgão constitucional. Faziam parte do GC, entre outros, o chefe do governo, os presidentes das duas Câmaras, os principais ministros do governo (deve notar-se que, como definido precedentemente, a qualificação de fascista não era já con-

ditio sine qua non para fazer parte do GC), o secretário do PNF, o presi-

dente do Tribunale Speciale per la Sicurezza dello Stato e os presidentes das confederações nacionais dos sindicatos fascistas. A função era reco- nhecida mediante um decreto real sob proposta do chefe do governo.

As funções atribuídas ao GC iam em duas direções principais. Antes de tudo, o novo órgão devia desempenhar um papel de carácter consul- tivo em relação ao governo em matéria de orientação económica e polí- tica e em matéria de revisão do Statuto Albertino. Em segundo lugar, o GC devia: ter uma lista atualizada de possíveis sucessores ao posto de chefe do governo, redigir a lista dos deputados e, por fim, organizar tudo o que dizia respeito à vida do partido.

A Vaga Corporativa

52Ver Salvatore Bonfiglio, Forme di governo e partiti politici, 68. 53Ibid., 210-212.

A mesma lei de 14 de dezembro inovava profundamente até pelo to- cante à vida do PNF, cujo estatuto era aprovado mediante decreto real sob proposta do chefe do governo e do Conselho de Ministros, um pro- cedimento similar ao que era previsto para a nomeação do secretário. Es- sencialmente, o PNF tornava-se num órgão subordinado ao Estado em tudo e para tudo, cuja finalidade era, através das suas organizações, a de aproximar o Estado das massas.54

A constitucionalização do GC foi uma etapa fundamental no processo de fascistização do Estado e da construção de um regime sob o qual os ju- risconsultos tiveram muito para discutir e muitas dificuldades em encontrar uma síntese, sempre divididos entre as três correntes até aqui delineadas: continuadores, fascistas e nacionalistas. Panunzio, por exemplo, irritou-se com a subvalorização que o seu colega Romano fez do poder ordinário do PNF que, em seu entender, deveria ter ocupado os primeiros capítulos dos manuais de direito constitucional, sendo ele próprio um «Estado em potência», ou um «Estado em miniatura».55Na visão de Panunzio, o apo-

geu desta construção era o GC, que reunia num único órgão a hierarquis do Estado e a do partido, sem todavia as fundir numa única categoria.

Rocco, por fim, sublinhava que dos seis anos de governo de Mussolini tinha saído uma nova configuração da sociedade e um novo tipo de Es- tado, neste sentido contradizendo a posição de Romano que tinha ten- dência a sublinhar mais a continuidade.56

Tem certamente razão Aquarone quando diz que o partido e o GC eram colocados sob observação do chefe do governo, cujo objetivo era o de consolidar as próprias posições no interior do regime e liquidar duas instituições possivelmente incómodas,57mas também é verdade que num

regime no qual todos os partidos foram abolidos à exceção de um, a ideo- logia deste transforma-se no construtor ideológico exclusivo no qual o partido perde necessariamente a sua razão de ser.