• Nenhum resultado encontrado

A Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976

CAPÍTULO III OS DIREITOS DO ALUNO NO ORDENAMENTO

1. A Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976

A Constituição da República Portuguesa, de 1976, consagra, desde logo, o direito dos alunos à educação e ao ensino. 95

Para Gomes (2002) tratam-se de dois direitos diferentes. Para a autora (2002, pp. 100-101), educação é sinónimo de socialização e identifica-se com a preparação para a vida adulta, desempenhando aqui os pais um importante papel, uma vez que transmitem aos filhos modelos de comportamento que são fundamentais para a formação da sua personalidade. Por seu turno, o ensino está ligado ao saber técnico, especializado. Segundo Gomes (2002),

O direito ao ensino pressupõe um processo de aquisição de conhecimentos técnicos, orientado para a construção de uma formação intelectual específica. Como tal, assenta num determinado grau de educação e contempla o seu desenvolvimento, acrescentando-lhe gradualmente uma componente técnica.” (p. 100)

Esta autora salienta que o processo educativo inicia-se com a educação pré-escolar, sendo acompanhada da transmissão de saber cada vez mais especializado, à medida que se avança do ensino básico. Esta transmissão de saber, que se identifica com o ensino, é sempre acompanhada pela componente educativa. Para a autora “ O processo educativo é paralelo e complementar do processo instrutivo” (Gomes, 2002, p. 100). Assim sendo, o ensino tem sempre uma componente educativa.

Por outro lado, Monteiro (2004) considera que a educação se elevou à categoria de direito do homem, ganhando o estatuto de um direito com consagração jurídica individualizada. O autor estabelece a distinção entre educação e direito à educação. Assim, a educação passou a ser um direito individual, fundamental, universal e obrigatório de todo o ser humano, independentemente da sua idade e da sua situação institucional, deixando assim, de ser um reflexo do direito de educação dos pais e dos Estados; por outro lado, Monteiro (2004) considera que o direito à educação é uma Ética cujo valor e responsabilidade é o pleno desenvolvimento da personalidade humana; a Ética do direito à educação prevalece sobre

95

outros valores e tradições; finalmente, o autor considera o primado do interesse superior do educando a quinta-essência do novo direito à educação (cfr. Monteiro, 2004, pp. 30- 31).

De salientar que a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à educação como um direito fundamental, inserindo-o na parte I, no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais e no capítulo dos direitos económicos, sociais e culturais.

Nesta Constituição, o direito à educação é, assim, um direito misto, sendo considerado, por um lado, um direito civil, de primeira geração e, por outro lado, um direito cultural, de segunda geração.

Na verdade, a previsão da liberdade de aprender e ensinar96, constante do capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, exige da parte de terceiros e da colectividade uma garantia de respeito, sem intervenção do Estado e sem o intuito de qualquer reivindicação de índole social, pelo que faz do direito à educação um direito civil, segundo a definição de Cunha (2000, p. 242).

Por outro lado, as diversas disposições insertas no capítulo dos direitos e deveres culturais97, visam uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos, carecendo da intervenção do Estado, através de políticas e legislação diversas, com o fim de levar a cabo a efectivação da dignidade da pessoa humana, enquadra, assim, o direito à educação, também, na categoria de direito cultural, de segunda geração, conforme o define Cunha (2000, pp. 243-244).

Vamos, de seguida, analisar o conteúdo das diversas disposições relativas ao direito à educação constantes da Constituição da República Portuguesa de 1976, atendendo aos diversos princípios que garantem aquele direito, como a democratização da educação, a liberdade de ensino, o sistema de ensino, a participação democrática no ensino, o acesso ao ensino superior e a gratuitidade do ensino.

96

Ibid., art. 43º;

97

1.1. A Democratização da Educação

A democratização da educação pressupõe que todos têm direito à educação98, quer a educação formal proporcionada pela escola, quer a educação não formal proporcionada pelos pais.99 Para Canotilho e Moreira (1993, p. 362), o direito ao ensino é uma garantia fundamental do direito à educação e traduz-se na educação formal por via da escola. Este direito universal visa, em primeiro lugar, o direito de acesso à escola e, em segundo lugar, a igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (cfr. Canotilho e Moreira , 1993, pp. 364-365).

O ensino deve contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, para o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.100

Procura-se, assim, que o sistema escolar impeça a formação de desigualdades sociais. Segundo Canotilho e Moreira (1993), o preceito constitucional que prevê o direito ao ensino “ parece pôr em causa todas as formas de organização de ensino susceptíveis de trazerem consequências discriminatórias ao nível dos estatutos sociais das pessoas” (p. 365).

Num Estado de direito democrático, a escola desempenha a função de formar cidadãos livres, activos e solidários, o que se manifesta nas diversas funções que a Constituição prevê para o ensino.

A democratização da educação pressupõe o princípio da liberdade de ensino, previsto na Constituição da República Portuguesa e que vamos, de seguida, analisar.

98

Ibid., art. 73º, nº 1 e 2;

99

Ibid., art. 36º, nº 5, 67º, nº 2, al) c), 68º;

100

1.2. Liberdade de Ensino

Esta Constituição consagra o princípio da liberdade de ensino, na dupla vertente dos que recebem educação, a liberdade de aprender e dos que ministram educação, a liberdade de ensinar.

A liberdade de ensino decompõe-se em quatro aspectos:

1) Liberdade de escolha da escola - este direito compreende o direito de acesso a qualquer escola verificados os requisitos prescritos na lei, sem impedimentos, nem discriminações;101 o direito de escolha da escola mais adequada ao projecto educativo que o jovem pretende adoptar, nomeadamente, da escola mais adequada à formação moral, religiosa, filosófica, intelectual ou cívica que os pais pretendam dar aos filhos;102 para além da escolaridade obrigatória, o direito de escolha da escola ou do curso, correspondente à formação pessoal que se queira obter segundo as capacidades de cada um, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo.

2) Direito de criação de escolas distintas das do Estado - as escolas particulares e cooperativas, permitindo-se, assim, a concretização de projectos educativos, com um certo grau de liberdade, dependendo da capacidade económica das entidades que pretendam desenvolver esses projectos.

Para que haja liberdade de escolha da escola, o Estado não pode deixar, contudo, de assegurar a existência de escolas públicas que cubram as necessidades de toda a população103. O direito à escola pública é não só um direito económico, social e cultural, mas também um direito, liberdade e garantia.

3) Igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar104 - compreende, por um lado, a garantia da existência de condições para que todos tenham acesso à educação, o que envolve a existência de escolas próximas, transportes, gratuitidade, subsídios, etc., e, por outro, a garantia de igualdade de oportunidades de êxito escolar, o que envolve a 101 Ibid., arts. 13º e 74º, nº 1; 102 Ibid., arts. 43º, nº 1, 36º, nº 5 e 41º; 103 Ibid., art. 75º, nº 1; 104 Ibid., art. 74º, nº 1;

generalização do ensino pré-escolar, diferenciação dos métodos pedagógicos, respeitando os diferentes estilos de aprendizagem, intervenção nos métodos de avaliação, apoio social escolar, apoios e complementos educativos, entre outros (cfr. Canotilho e Moreira, 1993, p. 365).

4) Liberdade de professores e alunos na escola - esta liberdade traduz-se na liberdade dos professores ensinarem de acordo com a sua orientação científica e pedagógica, e o direito do aluno à compreensão crítica dos conteúdos do ensino. Na verdade, o Estado não pode programar o ensino segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, propugnando-se a não confessionalidade do ensino público. As escolas particulares podem optar por qualquer directriz filosófica, estética, política, ideológica ou religiosa105. Existem, no entanto, limites à liberdade de ensinar, que se traduzem no respeito pelos princípios constitucionais, no respeito pela personalidade dos alunos e no dever de cumprimento dos programas impostos pelo Estado.

Após termos descrito as diversas dimensões em que a liberdade de ensino se traduz, vamos de seguida, analisar o sistema de ensino previsto na lei fundamental.

1.3. Sistema de Ensino

O sistema de ensino não se confunde com sistema público de ensino, pois compreende não só as escolas públicas, mas também as privadas e cooperativas, que são reconhecidas e fiscalizadas pelo Estado.106

O sistema público de ensino que compreende as escolas públicas, é universal, pois abrange todos os tipos e áreas de ensino e é geral, pois tem que responder às necessidades de todos. O ensino particular e cooperativo funciona como situação alternativa e complementar da solução dada pelo ensino público. Ele é reconhecido pelo Estado e não simplesmente consentido. É fiscalizado pelo Estado, existindo, assim, um controlo administrativo, pressupondo que as escolas particulares e cooperativas estão obrigadas ao cumprimento de

105

Ibid., art. 43º, nº 2 e 3;

106

certos requisitos constantes da lei, tais como, instalações e equipamentos adequados, nível pedagógico e científico, aprovação de planos de curso, entre outros.

Após termos descrito sumariamente o sistema de ensino programado pela Constituição da República Portuguesa, vamos de seguida, analisar o princípio da participação democrática no ensino, previsto na lei fundamental.

1.4. Participação Democrática no Ensino

Este princípio é um corolário do princípio da democracia participativa.

A participação democrática no ensino apresenta duas vertentes de participação, uma nas escolas e outra na definição da política de ensino.

Nas escolas, a participação é assegurada aos professores e alunos, individualmente considerados.107 Na definição da política de ensino, participam as associações de professores, de alunos, de pais, as comunidades locais, culturais e religiosas e as instituições de carácter científico.108 Assim, os professores e alunos participam na gestão das escolas e as associações, comunidades e instituições participam na definição da política de ensino (cfr. Miranda, 2000, p. 443).

O direito de participação dos alunos e professores na gestão das escolas pressupõe que a gestão da Escola compete a órgãos próprios da mesma, eleitos pela colectividade escolar, com participação de professores e alunos. De notar que a Constituição não estabelece nessa participação um princípio de paridade, nem veda a participação de outros grupos, tais como pessoal não docente, pais e encarregados de educação e representantes da comunidade em que a escola se insere.

O direito de participação de professores existe em todos os graus de ensino e, também, nas escolas particulares e cooperativas, embora a lei não o possa impor nos mesmos termos em

107

Ibid., art. 77º, nº 1;

108

que o faz para as escolas públicas. A participação dos alunos circunscreve-se ao ensino secundário e superior e não já ao ensino básico.109

Por sua vez, na definição da política de ensino, o direito de participação cabe às associações, às comunidades e às instituições. Os objectivos deste direito são a inserção das escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais, 110 a participação de todas as categorias sociais ligadas à escola, para além dos grupos profissionais, como forma de integração social. Após termos analisado as diversas vertentes em que o princípio da participação democrática no ensino se desdobra, vamos de seguida, descrever o que a Constituição da República Portuguesa prevê, relativamente ao acesso ao ensino superior.

1.5. Acesso ao Ensino Superior

No acesso ao ensino superior, por aplicação do princípio da igualdade111, ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado do direito de acesso ao ensino superior ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

As limitações existentes ao exercício deste direito, respeitam ao acesso segundo as capacidades112, considerando que o ensino superior não é universal. O acesso ao ensino superior, também, tem em conta as necessidades do país em quadros qualificados113. De salientar que ninguém deve ser impedido de aceder ao ensino superior por falta de meios económicos.

109

Art. 45º, nº 4 e 5 da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, alterada pela Lei 115/97, de 19 de Setembro;

110

Art. 74º, nº 2, al) f) da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976.

111

Ibid., art. 13º, nº 2;

112

Ibid., art. 74º, nº 2 al) d);

113

Uma vez, descrito o que a lei fundamental prevê no que toca o acesso ao ensino superior, vamos analisar a gratuitidade do ensino, como meio previsto para atingir os fins enunciados para a educação, na Constituição da República Portuguesa.

1.6. Gratuitidade do Ensino

A gratuitidade progressiva de todos os graus de ensino114, surge como meio para o Estado atingir os fins enunciados da educação, de contribuir para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva115.

O ensino básico é inteiramente gratuito, já o ensino superior ainda não o é, mas será progressivamente gratuito. Na verdade, o ensino básico é obrigatório e universal, tendo acesso a ele, todos os cidadãos. Já o ensino superior não o é, pelo que se justifica o princípio.

Verifica-se, assim, que a Constituição impõe uma meta a atingir, a realização progressiva de gratuitidade integral de todos os graus de ensino, de acordo com as disponibilidades económicas do erário público, estabelecendo-se, assim, prioridades para os primeiros graus de ensino, porque obrigatórios, concedendo-se nos restantes apoio aos alunos mais desfavorecidos, através de isenções, totais ou parciais de propinas e da concessão de bolsas de estudo.

Uma vez analisado o conteúdo de diversas disposições programáticas constantes da Constituição da República Portuguesa, de 1976, relativas ao direito à educação, vamos, seguidamente, verificar o modo como as leis ordinárias desenvolveram os princípios gerais constantes da lei fundamental, no que se reporta ao direitos do aluno.

114

Ibid., art. 74º, nº 2, al) e);

115

Deste modo, vamos começar por analisar os direitos do aluno, na Lei de Bases do Sistema Educativo.