• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

2. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989

2.3. Princípios Gerais

2.3.3. Direito à Vida, à Sobrevivência e ao Desenvolvimento

2.3.3.2. Desenvolvimento do respeito pelos direitos humanos

A Organização das Nações Unidas (1999) define “direitos humanos” como os “ ... direitos que são inerentes à natureza humana e sem os quais não podemos viver como seres humanos.” (p. 19)

Para a Organização das Nações Unidas (1999), o respeito pelos direitos humanos permite- nos desenvolver as nossas qualidades e capacidades, sendo um meio através do qual o homem vai ao encontro da sua humanidade e da sua essência:

Os direitos humanos e as liberdades fundamentais permitem-nos desenvolver e utilizar plenamente as nossas qualidades humanas, a nossa inteligência, os nossos talentos e a nossa consciência e satisfazer as nossas necessidades

espirituais e de outra natureza. Baseiam-se na crescente procura por parte da Humanidade de uma vida na qual a dignidade e o valor inerentes a qualquer ser humano mereçam respeito e protecção.” (p. 19)

Lansdown (2001, a) salienta que num mundo em que ocorrem conflitos étnicos e em que aumenta a violência, “ there is a overwhelming imperative to educate children in tolerance, respect for others and for peace and democracy” (p. 55).

O Comité dos Direitos da Criança tem insistido com os Estados, na necessidade de inserirem a matéria dos direitos humanos, nos currículos escolares, incluindo a Convenção dos Direitos da Criança.

Países como a Bélgica, Colômbia, Finlândia, Guatemala, Islândia, Itália, Nicarágua, Líbano, República da Coreia, Nicarágua, Nigéria, Noruega, Portugal, Ucrânia e o Reino Unido, têm sido chamados à atenção pelo Comité, pelo facto de não incluírem a matéria dos direitos humanos nos currículos escolares (cfr. Hodgkin e Newell, 1998, pp. 397; Lansdown, 2001a, p. 55).

Lansdown (2001a) advoga que a introdução dos direitos humanos nos currículos não pode ser imediata, sendo necessário que os Estados introduzam previamente mudanças nos seus sistemas educativos. Para a autora “ ...if we are committed to promoting democracy, respect and tolerance of all peoples, as well as the fulfillment of children’s potential, they are changes which must be made to happen” (Lansdown, 2001a, p. 56).

Para desenvolver nos alunos o respeito pelos direitos humanos, a autora aponta as seguintes mudanças a implementar nos sistemas educativos:

• É necessário que exista um ambiente democrático na escola, em que seja incentivada a participação dos alunos nos processos decisórios, quer através, por exemplo, dos códigos de comportamento que são transmitidos pelos professores aos alunos, pelos métodos de ensino-aprendizagem utilizados, pelas políticas da escola, entre outros. Só depois de se cultivar e promover este espírito democrático dentro da escola, é possível incluir a promoção dos direitos humanos nos currículos escolares. E acrescenta: “Democracy cannot be taught in an undemocratic environment” (Lansdown, 2001a, p. 55).

• Por outro lado, a inclusão dos direitos humanos no currículo, não deve concentrar- se numa disciplina específica, devendo ser abordados, de um modo transversal em todas as disciplinas. A autora sugere, como exemplos, o caso da Geografia, na exploração do tema da desigualdade de acesso ao recursos; da Biologia, em que se pode abordar o tema dos testes genéticos e o direito à vida dos bebés que sofrem de deficiências; da Quimíca, em que se pode abordar o tema do impacto da poluição ambiental e o direito à saúde. Sugere, também, que devem ser desenvolvidos materiais pedagógicos que ajudem os professores no seu trabalho com os lunos (cfr. Lansdown, 2001a, p. 56).

• Os professores necessitam de formação na área dos direitos humanos e têm de aprender como devem ensiná-los aos alunos. Isto implica a compreensão, por parte dos professores, de que os seus comportamentos devem ser respeitadores dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, em ordem a transmitirem aos alunos um espírito democrático. Para a autora “ Abusive and violent attitudes towards children cannot be accepted in a school seeking to promote tolerance, understanding and respect for others” (Lansdown, 2001a, p. 56).

No Plano de Acção para 2005/2007, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de Julho de 2005, e inserido no Programa Mundial para a Educação dos Direitos Humanos, consta que a educação para os direitos humanos inclui duas dimensões: i) a “ human rights through education”, pela qual se assegura que todo o processo educativo – englobando os curricula, os materiais pedagógicos, os métodos e a formação - conduz à aprendizagem dos direitos humanos; e ii) a dimensão “ human rights in education”, através da qual se assegura que os direitos humanos de todos os elementos da comunidade educativa são respeitados (cfr. United Nations, 2006, p. 2).

No referido Plano de Acção, foram identificados cinco factores responsáveis pelo sucesso da integração da educação para os direitos humanos nas escolas primárias e secundárias, a saber (cfr. United Nations, 2006, pp. 2-3):

As políticas educativas - os governos devem expressamente assumir o compromisso, através de legislação, planos de acção, curricula, políticas de

formação, entre outros, de promover a educação para os direitos humanos, implementando, assim, o ensino dos direitos humanos através de todo o sistema educativo e em todos os ambientes de ensino-aprendizagem. Estas políticas devem ser desenvolvidas com a participação de todos os interessados, assumindo os Estados o compromisso da educação para os direitos humanos, não só como um objectivo, como também como um critério para aferir da qualidade da educação.

Implementação das políticas - para as políticas se tornarem efectivas, é necessária a adopção de estratégias que as implementem, como a atribuição de recursos e a criação de mecanismos de coordenação, que assegurem a coerência, a monitorização e a responsabilização. Estas estratégias deverão ter em conta a multiplicidade de todos os que participam no processo, desde a nível nacional, como a nível local, envolvendo-os a todos para que as políticas possam ser postas em prática.

O ambiente educativo - para que o ensino dos direitos humanos tenha sucesso, é

necessário que os direitos humanos sejam praticados na escola e façam parte do dia-a-dia de todos os elementos da comunidade educativa. A aprendizagem dos direitos humanos não se efectua somente através do seu ensino, através da aprendizagem cognitiva, mas também, através do desenvolvimento social e emocional de todos os que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Um ambiente onde os direitos humanos sejam respeitados e onde se promova esse respeito por parte de todos os elementos da comunidade educativa, caracteriza-se pela compreensão mútua, pelo respeito e pela responsabilidade. Assim, permite-se aos alunos manifestarem as suas opiniões livremente e a participarem na vida escolar, proporcionando-lhes oportunidades para interagirem com a comunidade.

Ensino-aprendizagem - para introduzir ou para melhorar a educação para os direitos humanos, é necessário que o ensino e a aprendizagem reflictam os valores que estão consubstanciados nos próprios direitos humanos. Os conceitos dos direitos humanos e as respectivas práticas devem fazer parte, o mais cedo

possível, da educação. Por exemplo, os conteúdos e os objectivos constantes dos currículos devem assentar nos direitos, assim como as metodologias utilizadas deverão ser democráticas, os materiais e os manuais devem ser consistentes com os valores inerentes aos direitos humanos.

A educação e a formação profissional dos agentes educativos - para a escola servir de modelo à aprendizagem e à prática dos direitos humanos, todos os professores e os funcionários da escola devem estar aptos a transmitirem e a serem modelos dos valores inerentes aos direitos humanos. Para tal, a educação e a sua formação profissional devem proporcionar-lhes os conhecimentos necessários para assumirem o compromisso, para os motivar e para aprenderem a agir de acordo com os valores inerentes aos direitos humanos. Também, como titulares de direitos, os agentes educativos necessitam de trabalhar e ensinar num contexto de respeito pela sua dignidade e pelos seus direitos.

O Plano de Acção para 2005/2007, salienta a necessidade dos sistemas educativos incluírem, no ensino primário e secundário, o ensino dos direitos humanos. Esse Plano de Acção, realça que:

A comprehensive education in human rights not only provides knowledge about human rights and the mechanisms that protect them, but also imparts the skills needed to promote, defend and apply human rights in daily life. Human rights education fosters the attitudes and behaviours needed to uphold human rights for all members of society. (cfr. United Nations, 2006, p. 1)

Na verdade, a transmissão dos valores aos alunos processa-se não somente, através do currículo formal, mas também através do currículo oculto, no qual se podem estimular as atitudes e os comportamentos adequados na promoção do respeito pelos direitos humanos. Com efeito, o objectivo “...is not simply to teach children ‘ human rights’, in terms of the content of human rights treaties, the aim is ‘ the development of respect for human rights’” (Hodgkin e Newell, 1998, p. 398). Esse respeito pode ser desenvolvido através do currículo oculto, nomeadamente através das políticas da escola, dos códigos de comportamento dos professores e dos métodos de ensino-aprendizagem, que servem como modelos na transmissão do respeito pelos direitos humanos, reflectindo-se nas atitudes e

nos comportamentos dos alunos, tanto na sala de aula, como fora dela (cfr. Hammarberg, 1977, p. 20; Hodgkin e Newell, 1998, p. 398).

Todas as escolas têm um conjunto de regras de conduta e disciplina a que todos os elementos da comunidade educativa se devem submeter. Para Lansdown (1998, pp. 62-63) estas normas, que fazem parte do funcionamento da escola, vão condicionar o ambiente em que todos vão conviver, bem como a qualidade de vida de todos os elementos da comunidade educativa. Para a autora, é essencial que as regras se apliquem de modo igual a todos os alunos e a todos os adultos. Refere, ainda, que se não se admite que os alunos injuriem os professores, não se deve permitir que os professores injuriem os alunos. Se se permite que os alunos não podem fumar dentro da escola, também não se deve permitir aos professores que o façam. É importante que as escolas adoptem estas políticas democráticas, em que se defende o valor da justiça, tão importante para a formação de qualquer ser humano.

Por outro lado, a escola deve criar um ambiente seguro para os alunos, de modo a que eles se sintam seguros, ao denunciarem a prática de qualquer acto de injustiça, de discriminação ou de abuso, quer o seu autor seja um professor ou um aluno. Os professores devem reconhecer também a importância de tratarem os alunos de modo justo e equitativo. Para Lansdown (1998, p. 64), a finalidade destes procedimentos não é diminuir a autoridade dos professores, mas tão somente, difundir uma cultura de respeito pelos direitos de todos os elementos da comunidade educativa.

No Plano de Acção para 2005/2007 adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de Julho de 2005, inserido no Programa Mundial para a Educação dos Direitos Humanos, os Estados consideram que o ensino dos direitos humanos nas escolas, vai permitir que os sistemas educativos procedam a reformas, tendo os direitos humanos como princípios orientadores, tornando aqueles sistemas mais eficazes, para responder aos desafios que actualmente as sociedades enfrentam. Por outro lado, esse ensino vai ter repercussões no desenvolvimento económico, social e político dos Estados (cfr. United Nations, 2006, p. 3). Estes objectivos são conseguidos através das seguintes medidas:

• Da criação de escolas centradas nas crianças, nas quais se praticam métodos de ensino-aprendizagem em que os alunos devem desempenhar um papel activo - a educação para os direitos humanos melhora a qualidade do ensino.

• Da promoção de ambientes de aprendizagem inclusivos, em que é reconhecido e

assegurado a todas as crianças o exercício dos seus direitos, independentemente da sua situação particular; em que se promove a igualdade de oportunidades, a diversidade e a não discriminação - a educação para os direitos humanos incentiva o acesso e a participação dos alunos na vida escolar.

• Do apoio ao desenvolvimento social e emocional da criança e da promoção dos valores democráticos - a educação para os direitos humanos contribui para a coesão social e para a prevenção de conflitos.

Em suma, é fundamental que os Estados e os sistemas escolares promovam a educação para os direitos humanos como uma prioridade nacional, em benefício dos alunos e da própria sociedade.

De seguida, vamos analisar outro objectivo da educação, previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança, que se integra no seu direito ao desenvolvimento e que é o desenvolvimento do respeito pelos pais e pela identidade cultural.