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Os Motivos da Apresentação da Proposta de Lei 17/IX/1 2002.06.29

CAPÍTULO III OS DIREITOS DO ALUNO NO ORDENAMENTO

3. O Estatuto do Aluno do Ensino não Superior

3.2. Os Motivos da Apresentação da Proposta de Lei 17/IX/1 2002.06.29

O XV Governo Constitucional assumiu no seu Programa, em matéria de educação, o reforço da autoridade dos professores e o aperfeiçoamento do exercício da disciplina na escola.

Apesar de se tratar de uma matéria para a qual o Governo tinha competência legislativa, decidiu apresentar uma proposta de lei à Assembleia da República, na 1ª sessão legislativa, para que fosse esta a discutir e aprovar uma lei sobre uma matéria a que dava um significado nacional e que entendia dever ser sujeita a uma grande reflexão pública, querendo assim salientar a importância que a ela conferia.

Na exposição dos motivos da sua proposta de lei, começa o Governo por constatar que a sociedade portuguesa sofreu um processo de modernização nas últimas três décadas, que não foi acompanhado pela escola, havendo necessidade de desenvolver reformas que traduzissem as mudanças de carácter social e cultural sentidas na sociedade portuguesa. Entendendo que o processo educativo deve cuidar da formação global da pessoa, nas suas diversas dimensões, o Governo observa que o sistema educativo descurou os objectivos do aprender a conviver e do aprender a ser, dando uma preponderância ao aprender a conhecer e ao aprender a fazer, provocando, assim, um desiquilíbrio nas finalidades que o processo educativo deve procurar atingir na formação integral do indivíduo, enquanto pessoa e enquanto cidadão.

Defendia o Governo, que as políticas educativas devem preocupar-se com a melhoria do ambiente escolar e o fomento do exercício dos valores como o respeito, a tolerância e a liberdade, no quadro dos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa. Constata que a sociedade portuguesa sofreu transformações, com a mudança operada nas estruturas familiares, na evolução dos meios de comunicação social, em especial a televisão, na diferenciação cultural e social, acentuada pelas crescentes comunidades imigrantes, a massificação do ensino, o aumento da escolaridade obrigatória para nove anos e a existência de grupos sócio-culturais cada vez mais diferenciados, colocando à

escola desafios que esta tem de saber enfrentar, tendo de assumir mais responsabilidades para as quais não se encontrava preparada.

Como consequência dessa impreparação, aponta o Governo a degradação progressiva do ambiente escolar e a deterioração da autoridade dos professores. Salienta ainda a sobrevalorização que foi dada aos direitos, que apesar de positiva, levou à subalternização dos deveres. Segundo David Justino, “… as sociedades que sobrevalorizam os direitos tendem rapidamente para o laxismo e a anarquia; as que apenas destacam os deveres raramente escapam à ameaça totalitária” (DAR, I série, Nº 27/IX/1, 2002.07.04, p. 1043). Segundo o Governo, a ocorrência de muitos actos de indisciplina, provocando sentimentos de insegurança e de impunidade, provocou uma perturbação do ambiente escolar.

Aponta-se o desiquilíbrio existente entre o direito à educação garantido pelo Estado e o dever cívico que cabe aos cidadãos de participarem no processo educativo, nomeadamente através da obrigatoriedade de frequência do ensino básico e no dever de assiduidade que não estava a ser cumprido, como demonstravam as elevadas taxas de abandono da escolaridade básica, não assumindo, assim, os alunos e as famílias e encarregados de educação, o dever que lhes incumbia.

Salienta o Governo a existência de uma nova dimensão axiológica plasmada na sua proposta de lei, assente na valorização da responsabilidade dos parceiros educativos, como consequência da autonomia das escolas, consubstanciada no princípio da contratualização, através da sua participação na elaboração e aplicação do regulamento interno das escolas e dos projectos educativos, acentuando o compromisso e responsabilidade dos parceiros para com a comunidade educativa, comprometendo-se esta, por sua vez, na prossecução dos objectivos constates do projecto educativo de escola.

A filosofia subjacente à proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República, traduz-se no envolvimento dos parceiros educativos na construção de um ambiente escolar que propicie o sucesso escolar e a realização individual dos alunos, professores, encarregados de educação e profissionais não docentes. Esse envolvimento levará a uma maior responsabilização e, consequentemente, a um compromisso de todos no sucesso dos objectivos da escola, evitando, assim, o recurso ao procedimento disciplinar.

Como aspectos inovadores da sua proposta de lei, aponta o Governo a criação de centros de apoio social escolar, constatando que os comportamentos de indisciplina dos alunos são consequência da desestruturação dos ambientes familiares. Reconhece-se, assim, a necessidade da intervenção de instituições especializadas e da comunidade local, na resolução de problemas para os quais os professores não estão vocacionados.

Salienta-se, também, a existência “…de um novo enquadramento jurídico, em termos axiológicos, em termos de finalidades, em termos de instrumentos jurídicos e em termos de sistema externo” (DAR, II série A, Nº 17/IX/1, 2002.06.29, p. 547).

Revelador desta novidade, é a consagração dos princípios da autonomia e da responsabilidade insertos no início do diploma e que traduzem a filosofia subjacente ao mesmo, com uma especial relevância dada ao papel dos pais e encarregados de educação. Efectuando uma reponderação dos direitos e deveres dos alunos, dá-se uma especial relevância aos deveres de frequência e assiduidade, como manifestação da responsabilidade e do dever que cabe aos alunos, pais e encarregados de educação, como contrapartida da garantia assegurada pelo Estado do direito à educação.

No que toca à matéria disciplinar, descreve-se o que se entende por infracção disciplinar, procedendo-se a uma reorganização das medidas disciplinares aplicáveis. Distinguiu-se entre medidas disciplinares que, para além de uma finalidade sancionatória, têm uma finalidade preventiva e integradora, das medidas disciplinares que têm exclusivamente um fim cautelar, preventivo e de integração. Pretende-se, assim, tornar o aluno responsável pelos seus comportamentos, assumindo a escola o seu papel de reabilitação e de integração desses alunos.

Com o modelo de medidas disciplinares e da competência disciplinar consagrado na proposta de lei, pretende-se, também, reabilitar a autoridade dos professores, pilar estruturante da vivência escolar e das boas aprendizagens (DAR, II série A, Nº 17/IX/1, 2002.06.29, p. 547).

Também se alterou o procedimento disciplinar em termos de o tornar mais célere, assegurando, contudo, as garantias do aluno destinadas ao total apuramento da verdade e a

audição do aluno arguido e do seu encarregado de educação. Houve uma preocupação de acompanhar o aluno durante a execução das medidas disciplinares, salientando-se, assim, o objectivo reabilitador das medidas disciplinares.

Após, levantamento dos motivos que, segundo o XV Governo Constitucional, tornavam necessária a aprovação de um novo estatuto dos alunos, vamos proceder à análise dos direitos do aluno constantes do Estatuto do Aluno do Ensino não Superior, aprovado pela Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro.