• Nenhum resultado encontrado

2 TRABALHO E APRENDIZAGEM DOCENTE

2.1 Aspectos históricos do trabalho docente

2.1.3 A constituição do profissional docente

As políticas de formação de professores, culminam no desenvolvimento de uma formação realizada em condições precárias e insuficientes para a realização do trabalho docente. Quando se discute o tema profissionalismo e formação, o que se verifica é que este espaço tem se assemelhado mais a um “laboratório” para aligeirar a formação e o fazer pedagógico, sem a preocupação com a construção do professor e de seu amadurecimento profissional.

Os estudos de Hargreaves e Goodson (1996) trazem contribuições para compreensão sobre a profissionalização do professor. Garcia, Hypólito e Vieira (2005) apresentam alguns modelos de profissionalismo. É importante considerar que os modelos propostos não são fechados, tampouco devem servir para enquadrar os professores de forma cristalizada, mas para refletir sobre a maneira que o trabalho docente tem sido pensado enquanto atividade fundante de uma categoria profissional.

O primeiro modelo é o profissionalismo clássico, apresenta um discurso associado a concepção de docência no mesmo patamar de outras profissões socialmente reconhecidas, notadamente masculinas, procurando distanciar-se das semiprofissões ou de algumas ligadas ao gênero feminino, o que, segundo essa perspectiva, atribuiria valoração negativa à condição de professor. Nesse modelo, trabalho é visto como atividade especializada, fundamentado na

existência de um conhecimento particularizado, baseado em ‘certezas científicas’ e em uma cultura técnica partilhada por todos, inclusive com as entidades que regulamentam a docência. A partir dessa compreensão, não seria aceitável considerar a docência como atividade qualificada e reconhecida como profissões tipo médico, engenheiro e outras que possuiriam todas as especificações pretendidas. O professor, segundo esses estudos, compõe uma categoria profissional que mantém uma relação formal com as demais categorias, quase sempre de submissão às áreas técnicas especializadas (GARCIA; HYPÓLITO; VIEIRA, 2005).

O modelo Profissionalismo como trabalho flexível os aspectos técnicos da docência e as especialidades recebem contornos claros e valorizados. Essa concepção favorece certo nível de valorização da docência, ainda que haja uma fragmentação dos saberes, em virtude da pulverização das ações pedagógicas. Percebe-se estratégias para o desenvolvimento de culturas de colaboração e comunidades solidárias, mas, prevalece a fragmentação docente pela ausência de projetos coletivos. Outro aspecto destacado nesta concepção quando associado ao trabalho docente é que, ao valorizar os saberes locais na busca do fortalecimento das comunidades docentes, abre-se espaço para certo descrédito para as “certezas científicas”, sendo substituídas por “certezas situadas” (GARCIA; HYPÓLITO; VIEIRA, 2005).

O modelo Profissionalismo como trabalho prático, está associado à visão da docência enquanto atividade originada da experiência, os saberes práticos e experienciais se coincidem, sendo moldados através dos valores e objetivos dos professores que constroem suas atividades educativas enquanto premissa da prática reflexiva. Este modelo coloca o conhecimento cientificamente em segundo plano em detrimento do conhecimento tácito. Donald Schon, referência na discussão da ação reflexiva, fundamenta a docência na epistemologia da prática, não intelectualizada e desqualificada, desvalorizando o trabalho e a profissão docente.

O modelo Profissionalismo como trabalho extensivo, localiza-se no aqui e agora, à experiência. As habilidades docentes resultam da mediação entre teoria e experiência; as perspectivas dos docentes vão além da sala de aula, alcançando o contexto social. A sala é relacionada aos acontecimentos da comunidade escolar e da sociedade na qual está inserida; ao citar metodologias de trabalho, são resultados das trocas de experiências, o ensino é tido como uma ação racional. Respondem às aspirações teóricas do professorado e na prática, verifica-se que o professor – quando não lhe proporcionam condições para sua autonomia, quase sempre é subjugado pelos administradores e destituído da escolha do material pedagógico utilizado na escola, sobrecarregado pela intensificação do trabalho, pela burocratização, e submetido pela lógica capitalista que infla as salas de aula com um número considerável de alunos.

Outro modelo é o Profissionalismo como trabalho complexo, deriva da complexificação do trabalho como um todo, encontra-se relacionado aos avanços do conhecimento nas áreas da saúde, como o caso da psicologia do desenvolvimento infantil, das neurociências e de áreas do planejamento e desenvolvimento das inteligências múltiplas, que, de alguma forma, irão implicar a necessidade de maior elaboração e aprimoramento das atividades. Contudo, como o investimento no que se refere a formação docente, tempo, condições e recursos para que o professor possa dedicar mais tempo a esta formação e, por sua vez, ao planejamento de tais atividades, toda essa complexificação resulta em maior intensificação do trabalho.

Acreditamos ser necessário, discorrer um pouco mais a fundo a categoria trabalho a partir da concepção marxiana, oferecendo subsídios para análise da realidade. Quando Gramsci (1995) questiona sobre o que o homem pode se tornar, o autor antevê a criação, afirmando que o homem pode “se fazer”, criar sua própria vida e, administrar seu próprio destino e a escola precisa se apresentar como espaço de provocação e articulação dos saberes. Segundo Arroyo (2007):

A escola é uma experiência humana bem mais plural do que a visão futurista e cognitivista por vezes nos passa. Uma experiência bem mais permanente e mutável do que o caráter provisório do texto curricular, dos conteúdos, das áreas e das disciplinas. Aprender as artes de lidar com a totalidade das experiências humanas que perpassam o tempo da escola e aprender a fazer escolhas para dar conta dessa pluralidade de dimensões humanas, [...], são artes constitutivas da peculiaridade do oficio de mestre-educador. (ARROYO, 2007, p. 232).

É no cotidiano do trabalho docente, que se constroem as práticas pedagógicas, que estão presentes em situações mecânicas, repetitivas e também criativas, procurando atender as demandas do contexto, ajudando na superação dos desafios. Espaço para que reflexões sobre as práticas aconteçam, e a busca de suporte teórico, configura-se na práxis docente, onde surgem possibilidades de readaptação ou transformação da realidade. A prática pedagógica é uma representação do saber do professor e colabora para a construção de novos conhecimentos, ou seja, para entender o trabalho docente, precisa da ajuda das teorias, que será respaldado pela prática. Logo, este fazer está entre o pensar e o agir, contextualizado no tempo e no espaço. Considerar o contexto do saber docente é fundamental e afirma ser impossível compreendê-lo fora do âmbito dos ofícios e profissões, sem relacioná-lo com os condicionantes do trabalho. Para o autor, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores está

relacionado com a pessoa e a identidade deles, a sua experiência de vida, a sua história profissional e as suas relações com os alunos e seus pares. (TARDIF,2014).

Para Perrenoud (1993), há práticas pedagógicas construídas nas experiências formativa articuladas no espaço acadêmico e as práticas pedagógicas efetivas, que podem ser observadas e ressignificadas em sala de aula. Somente uma prática é insuficiente para edificar o trabalho docente, precisa encontrar um equilíbrio, definido com base nas características mais fundamentais da prática pedagógica e da profissão docente. A experiência educativa é, na verdade, uma experiência reflexiva; um aprender fazendo, que resulta em novos conhecimentos. Pimenta (1999) ressalta o valor dos diferentes saberes, considerando a prática social como objetivo central, permitindo, assim, um sentido dos saberes na formação dos professores, com base na ideia de que a profissão vai sendo construída à medida que o professor articula o conhecimento teórico-acadêmico, a cultura escolar e a reflexão sobre a prática docente.

Quando os professores exploram apenas as práticas experimentadas no cotidiano, esses docentes não produzem conhecimento, esses conhecimentos não lhes pertencem, se apresentando como meros transmissores e executores de saberes produzidos por outros, estabelecendo uma relação de alienação. Esses docentes produzem outros tipos de conhecimento, desenvolvem maneiras, e até mesmo técnicas, para solucionar questões que surgem no cotidiano da escola, ao articular o saber escolar, e que não estão previstas em estudos acadêmicos. Se, por um lado, os cientistas são valorizados em sua atividade de produção de conhecimento, os docentes são progressivamente desvalorizados em seu trabalho de ensinar. Isso explica por que, os programas de formação e aperfeiçoamento de docentes incidem nos aspectos técnicos da profissão e tentam formar profissionais mecanizados, com discursos vagos. Segundo Perissé (2011), existe:

Professores anêmicos, sem recheio e sem tempero...fazem de seus alunos seres anoréxicos. Professores bem alimentados fazem de seus alunos seres insaciáveis. Se os professores digerem o mundo, com todos os riscos que isso acarreta, demonstram, sem necessidade de longos discursos ou de grandes apologias, que não devemos ter medo de aprender. (PERISSÉ, 2011, p.65-66).

O professor, quando se apropria das atividades e expectativas da instituição onde trabalha, contribui para a instituição escolar por meio de suas práticas e seus saberes. Esse entendimento ajuda a romper com o trabalho escolar mecanizado reprodutivista, sintetizando uma unidade coerente com sua concepção de mundo. A aquisição dessa consciência depende da relação e articulação que o professor mantém com o conhecimento teórico. Para Lima, Costa e Almeida (2016), é preciso:

Ter a capacidade de perceber-se dialeticamente no contexto histórico e social em que está inserido e ao mesmo tempo refletir sobre as possibilidades e limites do seu trabalho poderia apontar para mudanças significativas na realidade pedagógica, em que os profissionais da educação se encontram. (LIMA; COSTA, ALMEIDA,2016 , p.6).

O trabalho docente se desenvolve no resultado da interação com as teorias, os outros profissionais, com os educandos e seus familiares. Trata-se, de um processo de elaboração, de reflexão, ainda que articulado desde o individual. Por meio dessa interação coletiva, os saberes docentes ganham credibilidade a medida que esta aprendizagem não se limita aos conteúdos e teoria, mas a elementos implícitos que cruzam o afetivo e o social com o trabalho intelectual. Segundo Ribas e Carvalho (1999):

O exercício profissional deve dar ao professor condições de refletir na e sobre a sua prática, a fim de, realmente, conseguir sua formação. Portanto, há necessidade de trabalho coletivo que propicie amadurecendo perspectivas para que emerja uma nova competência, tanto dos profissionais quanto da escola. (RIBAS; CARVALHO, 1999, p. 39).

A reflexão da prática docente individual ou coletiva, ao mesmo tempo em que colabora com o processo de produção e/ou apropriação dos conhecimentos que compõem a instituição escolar, colabora também com o processo de formação do profissional docente.

Destaco dois aspectos das repercussões do trabalho docente: a condição que se mostra (o trabalho) docente e o (ser) docente. As condições do trabalho docente permanecem bastante ruins no Brasil, como uma carga horária excessiva, turmas de alunos numerosas, ausência de apoio psico-pedagógico, desvalorização salarial, etc, piorando principalmente dependendo da região e se agravando ainda mais na zona rural, modificam-se também entre as redes de ensino públicas e privadas. Em relação as condições da atividade docente são precárias, praticamente impossível de serem desenvolvidas. O professor fica considerado um “dador de aulas”, sem espaço para reflexão sobre o fazer docente e a formação continuada, se estrutura exclusivamente em técnicas. “Apesar das novas tendências atuais que se desenham, tem muita dificuldade em escapar às formas estabelecidas do trabalho docente: aprendizagem do oficio na prática; valorização da experiência; [...]; visão muitas vezes estática do saber escolar”. (TARDIF; LESSARD, 2011, p.12).

A prática docente se apresenta como um trabalho qualquer, repetição mecânica de determinadas ações, mas, que possibilita criar novas questões que estimulam a pensar outras soluções para situações presentes no contexto, se construindo como espaço de formação e

autoformação. Nesse sentido, abre caminho para o sujeito refletir no plano teórico e prático sobre a dimensão criativa de sua atividade, inserido na práxis, que transcende o trabalho. “O professor procura articular o saber pesquisado com sua prática, interiorizando e avaliando as teorias a partir de sua ação, na experiência cotidiana. Deste modo, a prática se torna o núcleo vital da produção de um novo conhecimento, dentro da práxis”. (GHENDIN, 2006, p.135).

O professor sempre vai estar diante de situações desafiadoras para as quais deve se posicionar, intervir e encontrar respostas, de maneira repetitiva ou criativa, depende de sua capacidade e habilidade de leitura da realidade. O saber docente, elaborado com base no conhecimento e no saber que o professor possui, identifica-se como relação práxis. É práxis porque enquanto atividade humana pressupõe o planejamento consciente por parte do professor, de interferir e transformar a realidade. É preciso conhecer essa realidade e negá-la, não aceitando como está e agir, buscando superar os desafios presentes e não a reproduzindo. Para que a realidade seja transformada, é necessário que a prática aconteça, no sentido de ação material, objetiva, transformadora, correspondendo a interesses sociais, considerados do ponto de vista histórico sociais, criação e desenvolvimento incessantes da realidade humana. Para Ribas e carvalho (1999):

Educar é um ato político; portanto, a reflexão do professor deve estar voltada também para as questões de raça, gênero e classe social para garantir a todos os alunos o acesso ao conhecimento cientifico, pois ele é uma ferramenta para minimizar as desigualdades sociais. [...]. O professor tem de estar consciente de que não basta o bom trabalho de “transposição didática”, mas deve atentar para os valores que, pelo seu comportamento, atitudes e exemplos passa para os alunos, pois eles são facilmente assimilados e tem uma força muito grande na sua formação. (RIBAS; CARVALHO, 1999, p. 43).

Enquanto ação política, o professor precisa assumir uma postura protagonista diante do sistema educacional, priorizando os aspectos que viabiliza e potencializa maior aprendizagem sua e dos educandos a medida que estão inseridos em um espaço de construção social. Segundo Marx (1996), o trabalho quando subjugado pela dominação do capital, tomado a partir de ações que levam ao afastamento entre o significado da atividade realizada e o sentido que esta atividade representa para quem a realiza, quase sempre é destituído de sua capacidade emancipatória; então, atua como meio para a simples satisfação das necessidades. Destaca ainda que o trabalho é a atividade vital humana, não só responsável por satisfazer as necessidades primais, mas, capaz de promover a vida genérica do homem. Nesse caminho procuramos relacionar a atividade vital com a constituição da identidade pessoal de determinado sujeito concreto, este que possui uma historicidade, que, está subjugado às forças opressoras do capital

e aos determinantes sociais, assim como também está aberto ao desenvolvimento de suas capacidades, potencialmente mobilizadoras de transformação. Lima e Sales (2002) afirmam:

A identidade docente, como as demais, se constrói em um determinado contexto, em um determinado tempo histórico, adquirindo novas características para responderem a novas demandas da sociedade, portanto não é um dado imutável. [...] Todos os medos e dificuldades foram com o tempo se transformando em segurança, em maior capacidade de transitar por situações embaraçosas na escola e na sala de aula. (LIMA; SALES, 2002, p. 41).

O sujeito precisa congregar para si, o seu próprio labor, os elementos e a lógica envolvida nas formas de comportamento que têm sido desenvolvidas ao longo da história. (MARKÚS,1974). Partimos dessa afirmativa para compreendermos melhor a composição da identidade pessoal, esta que se relaciona diretamente com a atividade realizada pelo sujeito; aqui nos referimos à atividade como labor, e não como trabalho na sua forma abstrata assumida segundo a lógica do capital. Admitimos também que há uma relação de interdependência entre a identidade pessoal e a profissional, com capacidade de autocriação causada pelos processos de apropriação e formação. Nesses processos há sempre uma tensão entre continuidade e descontinuidade, movimentos de análise em que há uma desintegração e momentos de síntese, onde é imprescindível a capacidade de integração. O professor na organização da aula precisa permitir que esse processo de feedback aconteça nas diferentes situações e aspectos para que se permita maior interação e formação.