• Nenhum resultado encontrado

5 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO POLÍTICA PÚBLICA E A

5.2 A construção do consenso em torno de uma educação profissional para a

O interesse internacional em estabelecer uma rede de cooperação para controle dos índices de desenvolvimento dos países foi abordado no capítulo 3, contudo, a intervenção direta nas políticas voltadas para a reforma da educação profissional na década de 1990 carece de maior aprofundamento para a compreensão dos fatores que auxiliaram no delineamento das novas perspectivas de gestão dessa modalidade de ensino.

A criação do Programa Ibero-americano de Cooperação para o Desenho Comum da Formação Profissional (Iberfop) em 1995 traduz o esforço internacional em estabelecer um modelo comum de formação para as diferentes realidades dos países que compõem a Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, organismo internacional de caráter governamental criado no Pós-Guerra, em 1949, com vista a fortalecer a integração dos países membros em busca da solidariedade, da democracia e da cultura da paz.

Oliveira (2010) destaca, no conteúdo do documento, intencionalidades expressas na proposta de formação profissional em âmbito internacional:

Contribuir no fortalecimento e melhora da qualidade dos processos de modernização da educação técnica profissional na Ibero-América, estabelecendo linhas de cooperação horizontal em matéria de transferência de metodologias de desenho e desenvolvimento de sistemas de formação profissional baseado em competência laborais, entendendo estas como unidades e referenciais de emprego, formação e certificação (OLIVEIRA, 2010, p.1).

Está em voga um novo paradigma de formação baseado em saberes e competências laborais, vez que o simples domínio da técnica não condizia com a reestruturação produtiva. Não se pode desconsiderar a estreita relação entre essas orientações e o modelo de produção

emergente, afeta à dinamicidade e a transformação, com exigências explicitas para a formação de trabalhadores para atuar no processo de automação em curso (RAMOS, 2002). Esse paradigma se associa aos pilares estabelecidos pela Unesco – saber, saber fazer, saber ser. O que está em evidência não é mais a ocupação dos postos de trabalho, reduzidos com a crise do emprego, mas a capacidade individual de empregabilidade com o desenvolvimento cognitivo aliado às habilidades práticas. Valoriza-se a capacidade de mobilizar saberes para a resolução de problemas do cotidiano. O aspecto de terminalidade do processo formativo também é questionado e substituído por uma concepção de educação permanente, atenta aos avanços no conhecimento aplicado e no desenvolvimento tecnológico. Sendo assim, seria alcançada ao longo da vida. As formações deveriam manter relações estreitas com as demandas dos setores social e produtivo. Permanecem as orientações para uma formação profissional direcionada para a população em situação de vulnerabilidade social. Assim, a educação profissional passa a ser reconfigurada em virtude das políticas de emprego e de educação.

De acordo com Oliveira (2010) o objetivo central das orientações seria a construção de um consenso capaz de “assegurar o processo de reprodução do capital em escala ampliada e favorecer a constituição de uma nova lógica cultural, na qual a meritocracia e o empreendedorismo afirmam-se como explicações para o sucesso dos indivíduos”.

Na análise de Oliveira (2010, p.4) a atuação do Ministério do Trabalho em 1995 revelou uma sintonia com os princípios postulados internacionalmente, ao definir a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades cognitivas na população como estratégia de política pública de emprego e renda.

a) habilidades básicas, entendidas como o domínio funcional da leitura, da escrita e do cálculo no contexto do cotidiano pessoal e profissional, além de outros aspectos cognitivos e relacionais – como raciocínio, capacidade de abstração –, necessárias, tanto para trabalhar como para viver na sociedade moderna;

b) habilidades específicas, definidas como atitudes, conhecimentos técnicos e competências demandados por ocupações do mercado de trabalho, especialmente tendo em vista os processos de reestruturação produtiva que atingem tanto empresas de ponta como as de pequeno porte e mesmo o mercado informal;

c) habilidades de gestão, compreendidas como competências de autogestão, associativas e de empreendimento, fundamentais para a geração de trabalho e renda (BRASIL, 1995).

A implantação do plano de formação profissional do Ministério do Trabalho se deu de forma articulada com instâncias públicas e privadas, entre as quais se destacou a atuação do

Ministério da Educação com a reforma do ensino profissional amparada na LDB de 1996 e no Decreto nº. 2.208 de 1997.

Com referência à atuação da Cepal, a transformação produtiva com equidade foi a ideologia defendida na década de 1990, perseguindo a articulação entre educação, conhecimento e desenvolvimento, em busca de um progresso técnico baseado na equidade social. Entre as diversas orientações desse organismo destaca-se a

criação ou reestruturação das instituições de formação de recursos humanos para atender aos diferentes segmentos ocupacionais; [da proposição] de cursos isolados, administrados por instituições especializadas ou confeccionados por encomenda de empresas para capacitar em uma técnica específica e aperfeiçoar um grupo definido de trabalhadores (CEPAL, 1994, p. 10).

A ideologia da Cepal preconizou o aumento da escolaridade dos trabalhadores para um melhor desempenho profissional e ampliação das possibilidades de atuação em setores diversificados por meio de uma formação mais ampla, o que permitiria uma formação continuada e adaptar-se a situações novas de forma flexível.

Na década de 1990 o Banco Mundial despontou com interesses na educação básica, mormente às questões atinentes ao financiamento de projetos para a melhoria do ensino fundamental. Nesse cenário, o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), criado em 1959, entra em cena como financiador do maior programa para o ensino profissionalizante da época. Essa agência atuou em prol de uma economia de mercado, com propósito de impulsionar o progresso econômico e social na América Latina.

O BID estabeleceu áreas prioritárias em sua estratégia intervencionista

1. Incentivo à competitividade mediante o apoio a políticas e programas que aumentam o potencial de desenvolvimento de um país numa economia aberta e globalizada.

2. Modernização do Estado pelo fortalecimento da eficiência e transparência das instituições públicas.

3. Investimento em programas sociais que expandam as oportunidades para os pobres.

4. Promoção da integração regional com o estabelecimento de laços entre países que desenvolvem mercados para bens e serviços (ALMEIDA, 2003, p.89).

Nesse contexto de reforma foi iniciado em 1998 o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) com investimentos na ordem de 500 milhões de dólares. A metade desse valor adquirida com o financiamento do BID e a outra metade referente à contrapartida do governo brasileiro foi composta de 25% advindos do Ministério da Educação e 25% dos

recursos do Ministério do Trabalho e Emprego, com utilização de verbas do Tesouro Nacional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O objetivo do Programa abrangeu aspectos técnico-pedagógicos, como flexibilização curricular, gestão escolar que contemple a autonomia, flexibilidade, captação de recursos e parcerias, garantindo a expansão da rede de educação profissional e criando um sistema de educação profissional separado do ensino médio e do ensino universitário. O objetivo principal era a oferta de cursos pós-médios não universitários e cursos livres de nível básico e de aperfeiçoamento (DELPHINO, 2010, p. 127-128).

É importante ressaltar que as diretrizes do PROEP eram coincidentes com os postulados do BID e também do Banco Mundial (SABBI, 2012). Com o desenvolvimento do PROEP, a expansão da rede federal registrou a criação de 11 (onze) escolas de educação profissional. Os recursos também foram destinados à compra de equipamentos, melhoria na infraestrutura dos laboratórios e novos modelos de gestão para as instituições que atuavam em consonância com os propósitos do Programa.

O que se observa com esse movimento de reforma da educação profissional é o estreitamento da relação entre educação e produção e uma formação capitaneada por diretrizes estabelecidas pelos Estados Unidos e disseminada por suas agências de financiamento. À medida que os recursos foram adquiridos, mais intensas foram as intervenções no delineamento da política interna e na organização da educação para a produtividade e a competitividade em um cenário de comércio mundial, no qual os países em desenvolvimento estarão sempre em desvantagem, mas cooperando para a sustentação dos grupos hegemônicos.

5.2.1 O PROEP e as novas bases para a gestão da educação profissional no Brasil

O Programa de Expansão da Educação Profissional foi elaborado com o propósito de materializar as diretrizes da reforma educacional da educação profissional, com as inovações previstas na LDB/1996 e no Decreto 2.208/97. Sua vigência inicial foi prevista entre os anos de 1997 e 2006, contudo por questões de execução financeira, vigorou até 2008. Os objetivos que orientaram essa ação envolveram aspectos administrativos e pedagógicos que contemplavam a reestruturação curricular e uma gestão afeita à autonomia, flexibilidade e estratégias de captação de recursos por meio de parcerias interinstitucionais, com a finalidade de promover a expansão da rede de educação profissional. Destacamos os objetivos do Programa associados às questões administrativas:

Fortalecer no MEC e nas Secretarias Estaduais, responsáveis pela educação profissional, as funções de normatizar, apoiar, coordenar, monitorar e avaliar o desempenho do sistema, bem como informar ao público acerca do mesmo; Incentivar autonomia e melhor desempenho dos centros educativos mediante o financiamento e participação na gestão por parte da comunidade, implantação progressiva de sistemas de financiamento na forma de captação quando se tratar de recursos públicos, e acesso público à informação referente ao desempenho e efetividade dos CEP’s;

Estimular a adoção de formas flexíveis de contratação de pessoal com base na legislação vigente (PROEP, 2007).

Esses objetivos estão relacionados com o paradigma neoliberal de atuação do Estado por meio de suas instituições, em especial às prerrogativas do modelo gerencialista, que preconiza o aperfeiçoamento dos órgãos centrais nos procedimentos de regulação e controle da educação desenvolvida de forma descentralizada. Nessa proposta, a autonomia dos sistemas locais e a participação são imprescindíveis para a melhoria do desempenho da política proposta.

A participação no Programa era mediante apresentação de projeto, sendo o critério de elegibilidade a estreita relação com os princípios da reforma da educação profissional, ou seja, ensino técnico desvinculado das formações generalistas. Houve ampla adesão de instituições tanto públicas como privadas. Escolas estaduais e comunitárias passam a disputar os recursos do Programa, tendo em vista a inexistência de um financiamento específico para essa modalidade de ensino no orçamento público de cunho obrigatório, pois o Fundef era restrito à educação básica.

Paralelamente ao aporte de recursos do Proep, o orçamento público das instituições federais de educação tecnológica foi sendo reduzido, uma vez que esse Programa tinha duração determinada com previsão inicial de 5 anos, ao final dos quais, segundo a lógica da reforma, era necessário que essas instituições estivessem preparadas para buscar parte de seus orçamentos por meio da venda de cursos à sociedade e de outras formas de prestação de serviços (GARCIA; MOURA; RAMOS, 2007, p.20).

Com base nesse fragmento a ideia de incentivo à autonomia parece estar atrelada ao desenvolvimento da capacidade de captação de recursos externos, o que aproxima as instituições públicas do modelo empresarial e a serviço deste estaria a sua atuação em uma nítida proposta de competição no mercado educacional.

Outro importante elemento no universo da implementação do PROEP foram os limites impostos pela Lei nº 8.948/94 ao restringir a União de criar novas unidades de ensino técnico. Essa expansão só seria possível por meio de “parceria com os estados, os municípios, o setor

produtivo ou organizações não governamentais, que seriam responsáveis pela manutenção e gestão dos novos estabelecimentos de ensino”.

Diante das dificuldades apresentadas pelas instituições estaduais e comunitárias na gestão dos contratos e alcance dos objetivos propostos pelo Programa, o governo em 2005 adota uma posição diferenciada, revogando a restrição imposta pela Lei 8948/1994.

Grande parte das escolas estaduais ou comunitárias financiadas pelo Proep não alcançou a pretendida autonomia de gestão e menos ainda a independência de recursos do orçamento público para sua manutenção, acarretando a não oferta do percentual de vagas gratuitas previstas, abandono das instalações, concluídas ou não, ou dos equipamentos ou funcionamento em estado precário (GARCIA; MOURA; RAMOS, 2007, p. 22).

Com o advento da Lei nº 11.195 de 2005 foi possível à rede federal assumir a execução de contratos que apresentavam pendências administrativas e pedagógicas para a oferta de cursos profissionalizantes. Foi possível também destinar recursos para a criação de vinte e seis novas unidades descentralizadas e vinculadas aos CEFETs.

Assim identifica-se a transferência de dezoito escolas comunitárias transferidas para a rede federal e duas para a rede estadual. Esse foi um passo considerável para o processo de federalização e estadualização da oferta da educação profissional técnica e tecnológica. Na sequencia, nota-se uma ação mais efetiva do Estado na expansão da educação profissional e um freio na perspectiva mercadológica dessa formação, todavia os princípios orientadores da gestão permanecem em conformidade com a lógica gerencial preconizada não só pelo PROEP, mas também pelo ideário da reestruturação produtiva na perspectiva do aquecimento do mercado por meio da competitividade.

Outline

Documentos relacionados