• Nenhum resultado encontrado

3 ESTADO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS NOVOS MODELOS DE

3.3 REFORMA DO ESTADO PARA UMA NOVA GOVERNANÇA: UM MODELO

3.3.4 O Novo Serviço Público: um paradigma de administração emergente

Desde a década de 1980, Guerreiro Ramos, teórico brasileiro que se destacou no estudo das organizações e contribuiu para repensar a sociologia e a administração, já contestava a associação da administração pública ao modelo econômico, propondo o paradigma

“paraeconômico” (RAMOS, 1983), que contesta a ideia de sociedade centrada no mercado. Esse autor identifica dois tipos de racionalidade: a instrumental e a substantiva. A racionalidade instrumental está vinculada a objetivos utilitaristas relativos à estrutura econômica. Já a racionalidade substantiva é voltada para a autorrealização, portanto, centrada nas necessidades humanas dos sujeitos que compõem ou dependem da ação da organização. Essa mudança de concepção tem implicações no estabelecimento dos objetivos e prioridades das organizações, bem como na aplicação dos recursos públicos.

As análises realizadas nesse capítulo apontam algumas incompatibilidades apresentadas pelos princípios da Nova Gestão Pública, nomeadamente por tentar assimilar a administração pública à lógica dos processos produtivos que almejam o aumento dos lucros em suas estratégias de atuação. Além disso, trata-se de um modelo de gestão que reserva singularidades podendo não surtir os mesmos efeitos em circunstâncias e realidades diferentes, tendo em vista que cada contexto é permeado por subjetividades e por uma cultura institucional específica, o que inviabiliza as transposições generalistas de modelos de gestão. Os próprios desafios sociais, políticos e econômicos fornecem substratos para que a administração pública reinvente constantemente sua atuação, utilizando como fonte primária os recursos humanos que dispõem e em segundo plano as técnicas necessárias ao alcance das soluções apresentadas por esse coletivo e não o inverso.

Com base nessas constatações que surgem no final dos anos de 1970 e ao longo dos anos de 1980 um conjunto de proposições de cunho humanista de autores como H. George Frederickson, Carl J. Bellone, Lloyd G. Nigro, Frederick C. Thayer, Ross Clayton, Michael M. Harmon, David K. Hart, Robert B. Denhardt, Janet Vinzant Denhardt, e o brasileiro Alberto Guerreiro Ramos que deram forma a uma proposta denominada: Novo Serviço Público.

De acordo com Araújo (2007, p.11), trata-se de uma vertente que propõe que “a abordagem jurídico-formal tende a ser substituída pela racionalidade gestionária e pelos princípios da governação (abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência)”. Destaca-se nesse debate a natureza política da cidadania, trazendo o indivíduo para o centro das decisões, criando assim oportunidades para o próprio alargamento da concepção de cidadania.

Como bases epistemológicas são utilizadas as concepções de Denhardt e Denhardt (2003), nas quais “o ser humano é, antes de mais nada, um ser político que age na

comunidade; que a comunidade politicamente articulada requer a participação do cidadão para a construção do bem comum; e que o bem comum precede a busca do interesse privado”. (SALM; MENEGASSO, 2006, p.7). Esses autores apresentaram também alguns princípios que orientam essa concepção: servir em vez de dirigir; o interesse público é o propósito e não o subproduto; pensar estrategicamente, agir democraticamente; servir cidadãos, não consumidores; a responsabilização não é simples; valorizar as pessoas, não somente a produtividade; valorizar a cidadania e o serviço público mais do que o empreendedorismo. (DENHARDT; DENHARDT, 2003, p. 42-43). O fundamento consiste em desenvolver uma gestão que à medida que produz serviços públicos fomenta a democracia.

Em si estes princípios já traduzem as críticas à Nova Gestão Pública e sua excessiva preocupação com a avaliação dos resultados, enquanto a proposta da Governação focaliza a interação entre diferentes organizações e atores no alcance de um resultado almejado. “A preocupação com a eficiência está a ser substituída pela preocupação com a governação, adaptação, colaboração e a compreensão do impacto das políticas na sociedade” (ARAÚJO, 2007, p.12).

Apesar da relevância dessa proposta para o momento histórico de ampliação dos direitos e das políticas sociais, é necessário reconhecer que ela ainda apresenta lacunas estruturais que impossibilitam a sua utilização como corpo coeso que fundamente na teoria e na prática o exercício de uma administração pública com base na governação.

Analisada, isoladamente, a proposta se ressente de práticas administrativas que sejam mais consistentes do que aquelas dos demais modelos. Ela não oferece uma estratégia para tornar eficiente o uso da organização burocrática e do mercado para a produção do bem público (SALM; MENEGASSO, 2006, p.7).

Um modelo de administração pública baseado em princípios humanistas e democráticos, que concebe o ser humano como sujeito político, cuja atuação participativa é o vetor de melhoria da produção de serviços públicos de qualidade, merece atenção e esforços para a proposição de estratégias operacionais. Estamos diante de um modelo que pode contribuir para a superação da supremacia dos pressupostos econômicos na condução do funcionamento do aparelho do Estado.

Nesse entendimento, o que fica evidente é que a crise da década de 70 e as possibilidades para a sua superação foram ofuscadas pelas teses neoliberais, inicialmente com aspectos conservador, mais recentemente mesclando-se com as tendências democráticas na tentativa de produzir desenvolvimento e menos desigualdades. Todavia, o que esse fenômeno

tem impossibilitado é uma análise que demonstre a incompatibilidade desse modelo de desenvolvimento com um ideal universalista de garantia de direitos fundamentais. Nesse sentido, o processo de modernização do modelo administrativo do Estado tende a ser conservador, por promover ajustes necessários ao funcionamento do sistema, sem reconhecer e atacar as consequências do problema: a desigualdade e exclusão de uma parcela significativa da população de bens e serviços com qualidade socialmente referenciada.

Não queremos afirmar com isso que não há experiência no setor privado que contribua para o aperfeiçoamento da administração pública, contudo, em respeito às finalidades de cada setor estes não podem ser orientados pelos mesmos princípios e valores, tendo em vista que sem descuidar do compromisso com a melhoria da qualidade dos serviços ofertados, a administração pública deve contribuir com a construção de relações sociais pautadas na solidariedade, cooperação, no diálogo e na participação cidadã, princípios nem sempre possíveis de se alcançar em uma lógica competitiva que prima pela racionalização de recursos.

3.4 A forma reguladora do Estado: uma análise do conceito de regulação aplicado à

Outline

Documentos relacionados