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3 ESTADO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS NOVOS MODELOS DE

3.3 REFORMA DO ESTADO PARA UMA NOVA GOVERNANÇA: UM MODELO

3.3.2 O gerencialismo como fundamento para a reforma administrativa do Estado

Os fundamentos do gerencialismo advêm de uma perspectiva eclética que reúne elementos das teorias do campo da Administração, mormente do legado produzido pelas teorias Clássica e Neoclássica. Newman e Clarke (2012, p.361) apresentaram uma importante distinção entre tipos de gerencialismo, demonstrando que duas perspectivas merecem destaque. Uma delas, também conhecida como neotaylorismo, “é um pragmatismo racional de meio-fim que privilegia a eficiência e a produtividade e que favorece relações transacionais de intercâmbio e contratação”. Já a segunda, denominada de novo gerencialismo ou Nova Gestão Pública, com destaque nos anos de 1990, teve por influência diferentes teorias, entre as quais

se destacam as contribuições da Teoria das Relações Humanas e da Teoria da Burocracia sendo que “é mais centrada nas pessoas e orientada para a qualidade e excelência”. Apesar da distinção, os autores afirmam a coexistência dessas formas em muitas administrações e ambas perseguem o mesmo propósito de modernização da administração.

O managerialism parte da premissa de que a gestão é a alternativa para melhorar a eficiência dos serviços, sejam eles públicos ou privados, devido ao seu caráter instrumental e genérico, o qual permite que esse modelo seja difundido para diferentes realidades sem prejuízos aos seus pressupostos. Esse paradigma se fundamenta nas abordagens do novo institucionalismo (CLARKE; NEWMAN, 1997) e ressalta que os profissionais da gestão disponham de autonomia e flexibilidade. Além disso, introduz a racionalidade econômica na análise dos problemas da Administração Pública e na identificação das soluções (ARAÚJO, 2007).

Newman e Clarke (2012) definem o gerencialismo como um arcabouço cultural, ideológico e prático que serviu de alicerce para diversos acordos políticos instaurados após as crises do Estado de Bem-estar e do petróleo nos anos de 1970, contribuindo para a convergência entre estados com tradições políticas e administrativas distintas e se constituindo um modelo global para as reformas. Além disso, esses autores caracterizaram o gerencialismo como sendo uma ideologia; uma estrutura calculista, amparada em metas organizacionais e recursos para alcançá-las; e uma série de discursos superpostos, com posições por vezes conflitantes. É pertinente considerar nesse processo que a convergência identificada não se restringe a um modelo único, tampouco a um tempo histórico singular de realização das reformas em diferentes realidades.

Todavia, é notória a sintonia entre diferentes países na adoção dos parâmetros gerenciais para a reforma administrativa. Analisando a experiência do Reino Unido, Jenkins (1998, p.201) afirma que em relação a outros países com processos de reforma em curso “os objetivos foram mais ou menos os mesmos: melhorar o funcionamento do governo, reduzir custos, eliminar o empreguismo e a corrupção e aumentar a eficiência”. Como parâmetro para essas mudanças foram admitidas formas de administração da iniciativa privada e o relevante aumento das privatizações e terceirizações de serviços públicos.

[...] mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados (e muitos permaneceram no setor público), era exigido que tivessem um desempenho como se estivessem em um mercado competitivo. Era exigido que se tornassem semelhantes a negócios e este ethos era visto como personificado na figura do gerente (em oposição ao político, ao profissional

ou ao administrador) Isto introduziu novas lógicas de tomada de decisão que privilegiavam economia e eficiência acima de outros valores públicos (NEWMAN; CLARKE, 2012, p.358). (grifos dos autores)

Já nos Estados Unidos, considerado berço do managerialism, Abrúcio (1997, p.180) adverte que o gerencialismo “nunca se converteu em modelo único de administração”. Atribui-se melhores resultados desse modelo à Grã-Bretanha, em virtude de seu sistema político e à liderança de Margaret Thatcher.

Abrúcio (1997), amparado nas abordagens de Gray e Jenkins (1995) afirma que inicialmente os teóricos norte americanos defenderam o modelo gerencial como uma tecnologia neutra capaz de promover as modificações na administração pública por meio da técnica e propuseram uma versão pura do gerencialismo, alimentando a possibilidade de separação entre a política e a administração.

O que os gerencialistas puros não consideraram é que tal como ocorre na iniciativa privada, a especialidade do setor público dificulta a mensuração da eficiência e a avaliação do desempenho. Na gestão pública estão em jogo valores como equidade e justiça, que não podem ser medidos ou avaliados por intermédio dos conceitos do managerialism puro (ABRÚCIO, 1997, p.185).

Com referência à Nova Gestão Pública, esta passa a orientar as reformas ao final da década de 1970. Hood (1991) destacou os elementos que favoreceram o desenvolvimento dessa abordagem: 1. O acesso de gestores profissionais advindos da iniciativa privada para o setor público, perseguindo a profissionalização da gestão; 2. A definição de padrões de desempenho com objetivos claros e mensuráveis; 3. Ênfase no controle de resultados em detrimento dos processos; 4. Desagregação de unidades do setor público, com a introdução de formas inovadoras de organização das atividades; 5. Estímulo à concorrência no setor público, por meio de contratações visando a redução de custos e a melhoria da qualidade dos serviços; 6. Ênfase nos estilos e práticas de gestão do setor privado; 7. Disciplina e parcimônia na utilização de recursos, na busca de maior eficiência na sua utilização (ARAÚJO, 2007, p.4).

Outro aspecto que se destaca na proposta gerencial é a transparência das ações governamentais, promovendo a abertura da administração pública à sociedade em uma gestão voltada para o atendimento das necessidades dos cidadãos. Nesse caso, o cidadão é concebido como cliente, “consumidor de serviços públicos” e essa nova contratualidade pressupõe uma multiplicidade de provedores, permitindo instaurar a livre concorrência entre instituições estatais e não estatais para a oferta de serviços públicos. É nesse cenário que as organizações

governamentais, as privadas, as sem fins lucrativos e as voluntárias passam a repartir a oferta desses serviços de forma competitiva.

Nesse sentido, os aspectos do modelo gerencial, que não é unívoco, em evidência no documento da reforma do aparelho do Estado no Brasil, podem ser observados neste fragmento do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado:

O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrativa (BRASIL, 1995, p.8).

Não se pode considerar exitosa a implantação desse ideário na administração pública brasileira, sobretudo pela carga patrimonialista e elementos da burocracia que coexistem em muitas instituições, contudo muitos princípios gerenciais se fizeram presentes mesmo nas gestões de governos com orientação de esquerda, conforme ocorreu após os anos 2000 com a permanência da flexibilização, responsabilização por resultados e descentralização – em muitos casos com características de desconcentração de funções e concentração de recursos financeiros.

É possível constatar na realidade brasileira a convivência de princípios patrimonialista, burocráticos e gerenciais em instituições públicas, que por sua vez pode provocar um fenômeno contraditório nos processos de gestão, uma espécie de modernização conservadora (DALE, 1990), a qual pode promover os avanços necessários à flexibilização reclamada pela contemporaneidade, mas se assenta em bases tradicionais de manutenção das condições de reprodução da sociedade estratificada.Assim, acreditamos que “o gerencialismo representa a inserção, no setor público, de uma nova forma de poder, ele é um “instrumento para criar uma cultura empresarial competitiva” (BERNSTEIN, 1996, p.75), uma força de transformação”. (BALL, 2005, p.545).

Desse modelo resulta uma nova configuração na administração pública, a qual tende a se especializar em mecanismos de controle e avaliação dos serviços que têm descentralizado, mas esse processo ainda apresenta muitas fragilidades. Enquanto isso, frente à ausência de uma atuação mais expressiva do Estado, a população vai se utilizando da oferta diversificada desses serviços (nem sempre condizentes com as demandas), mas com diferenças também na

concepção de qualidade subjacente a cada oferta. Concordamos com Araújo (2007) quando expõe que,

o papel do governo não se limita a direccionar as acções através da regulação nem a estabelecer regras e incentivos. O governo é um actor, porventura o mais importante no processo de condução da sociedade para novas direccões, que atua articulado com organizações e grupos privados e sem fins lucrativos, procurando encontrar soluções para os problemas da sociedade. O interesse público surge como objectivo, e não o sub produto, para o qual os funcionários devem contribuir (ARAÚJO, 2007, p.9).

Portanto, trata-se de um fenômeno que apesar de não apresentar uma vertente única, tem deixado marcas similares nos sistemas administrativos de diversos países, operando assim uma transformação cultural que conduz à compreensão do desempenho das funções do Estado sob a ótica das relações de mercado, imprimindo a estas funções conceitos e valores que divergem de uma perspectiva da garantia de direitos em um entendimento amplo do papel do Estado, na promoção da igualdade e da justiça social.

No contexto da Nova Gestão Pública destacamos os contratos de gestão como estratégia que têm sido utilizadas para promover mudanças estruturais na gestão de instituições públicas, inclusive as educacionais, os quais serão abordados nas sessões seguintes.

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