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2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

2.3 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – JOSÉS E MARIAS DO COTIDIANO

2.3.1 A Construção da Identidade da Educação de Jovens e Adultos: uma

No Brasil, a educação de adultos se constituiu como tema de política educacional a partir dos anos 40, já aparecendo na Constituição de 1934. Mas é na década de 50 que tivemos as primeiras iniciativas concretas: a preocupação de oferecer os benefícios da escolarização a amplas camadas da população até então excluídas da escola. Essa tendência se expressou em várias ações e programas governamentais, nos anos 40 e 50. Como apresentado em 2.1 (Educação de Jovens e Adultos no Brasil), além de iniciativas nos níveis estadual e local, tivemos a criação do Fundo Nacional de Ensino Primário em 1942, do Serviço de Educação de Adultos e da

Campanha de Educação de Adultos, ambos em 1947, da Campanha de Educação Rural em 1952 e da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958 (DI PIERRO, 2001).

Na Campanha Nacional de Educação de Adultos iniciada em 1947 a política governamental exprimia o entendimento da educação de adultos como peça fundamental na elevação dos níveis educacionais da população. Enfrentar o analfabetismo era projeto de fim último, com o governo fazendo grandes investimentos através da regulamentação da distribuição de fundos públicos que contemplava percentuais destinados à estruturação de serviços de educação primária para os jovens e adultos. Tivemos aqui então, neste cenário, a criação e permanência do ensino supletivo integrado às estruturas dos sistemas estaduais de ensino (DI PIERRO, 2001; GALVÃO e SOARES, 2004).

A Campanha de 1947 nos trouxe uma reflexão pedagógica em torno do analfabetismo e suas consequências psicossociais; contudo, não produziu nenhuma proposta metodológica específica para a alfabetização de adultos, nem um paradigma pedagógico próprio para essa modalidade de ensino. Ainda em relação à Campanha de 1947, em São Paulo estado brasileiro na região Sudeste do país, tivemos sua aplicação até a década de 70, sendo substituído pelo programa MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização (SOARES, 2003; UNESCO, 2008). A verdadeira mobilização no Brasil só viria a ocorrer realmente no início dos anos 60, quando o trabalho do educador e filósofo Paulo Freire (1963, 1967, 1970) passou a direcionar diversas experiências de educação de adultos organizadas com o aparato governamental.

Como exemplo, temos o Movimento de Educação de Base (MEB), o Movimento de Cultura Popular do Recife e os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes - UNE, entre outras iniciativas de caráter regional ou local. Por ter sido um período de grande agito político e cultural, essas experiências levaram à organização de grupos populares articulados a sindicatos e outros movimentos sociais (MANFREDI, 1998; SOARES, 2003; GALVAO e SOARES, 2004).

Por isso, o que se procurava era mostrar a necessidade de realizar uma educação de adultos que fosse crítica, voltada à transformação social e não apenas à

adaptação da população a processos de alfabetização. Freire (1963, 1967, 1970) veio nos mostrar com a educação de adultos que, ser alfabetizado não é só saber “ler as letras”, mas entender, compreender, analisar, o que estas “letras realmente nos dizem, e que o aprendiz deve participar ativamente do meio em que vive, lendo não só as “letras” mas o mundo a sua volta. E, esta leitura deve levá-lo a opinar, a argumentar, a trabalhar em prol de uma comunidade melhor e mais justa (FREIRE, 1963, 1967, 1970, 1976, 1979).

Em 1964, o Ministério da Educação organizou o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, cujo planejamento incorporou as orientações de Paulo Freire. Infelizmente, ainda neste ano, essa e outras experiências acabaram por desaparecer ou desestruturar-se sob a repressão dos governos do ciclo militar. O que temos de positivo nesta época é que o fechamento político e institucional que caracterizou a conjuntura brasileira nos anos 70 também não impediu que ações educativas sobrevivessem ou emergissem voltadas à alfabetização e pós- alfabetização inspiradas por Paulo Freire.

Como a abelha operária não tem descanso e incansavelmente continua seu trabalho, as comunidades de base cresceram abrigadas em igrejas, associações de moradores, organizações e outros espaços comunitários, experimentando propostas de alfabetização e pós-alfabetização de adultos que atuavam muito mais além do que ensinar “as letras”.

Em 1969, o governo federal organizou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) um programa de proporções nacionais, para oferecer alfabetização a adultos analfabetos nas mais variadas localidades brasileiras (GALVÃO e SOARES, 2004). Neste momento, diferentemente do que ocorrera na Campanha de 1947, o governo federal investiu na montagem de uma organização de âmbito nacional e autônoma em relação às secretarias estaduais e ao próprio Ministério da Educação (UNESCO, 2008).

O Mobral então instalou comissões municipais por todo o país, responsabilizando-as pela execução das atividades, enquanto controlava de uma maneira rígida e centralizada a orientação, supervisão pedagógica e produção de materiais didáticos. Sendo concebido como ação que se extinguiria depois de resolvido o problema do

analfabetismo, o Mobral tinha baixa articulação com o sistema de ensino básico. Por estar presente em todo o país, o Mobral contribuiu para legitimar a nova ordem política implantada em 1964, ditando para seus milhares e milhares de alunos espalhados pelo Brasil afora que estávamos em paz e que o Governo era o grande pai preocupado com a competência literária de seus filhos... “filhos estes desta pátria mãe gentil” (ênfase da autora), como declama o Hino Nacional Brasileiro. Anos 80, cores ácidas alegrando as ruas, conjuntos de rock popular denunciando, às vezes de maneira velada, às vezes não, os problemas que então enfrentávamos. Após 20 anos de ditadura onde os programas de ensino eram totalmente voltados para a transmissão do pensamento político que imperava no Brasil, o Mobral foi extinto em 1985, quando o processo de abertura política já estava relativamente avançado. Com a criação da Fundação Educar, que passou a apoiar técnica e financeiramente iniciativas de governos estaduais e municipais e entidades civis, abrindo mão do controle político pedagógico que caracterizara até então a ação do Mobral. Nesse período, muitos programas governamentais receberam educadores ligados a experiências de educação popular, que procuraram estudar as práticas e teorias ligadas à educação de jovens e adultos e transformá-las em programas de governo (UNESCO, 2004; UNESCO, 2008).

Voltando um pouco atrás, no início da década de 70, foi criada a Lei Federal Nº 5.692, em 1971 que consagrou a extensão da educação básica obrigatória de 04 para 8 anos – constituindo o então denominado ensino de primeiro grau – e, ao mesmo tempo, dispondo as regras básicas para o provimento de educação supletiva, sendo este grau de ensino correspondente ao ensino de jovens e adultos (DI PIERRO, 2001, 2004; FAVERO, 1999). Pela primeira vez, a educação voltada a esse segmento mereceu um capítulo específico na legislação educacional, que distinguiu as várias funções:

a suplência – relativa à reposição de escolaridade;

 o suprimento – relativa ao aperfeiçoamento ou atualização;  a aprendizagem e;

Um dos componentes mais significativos do atendimento educativo preconizado pela Lei 5692/71 àqueles que não haviam realizado ou completado na idade própria a escolaridade obrigatória foi a flexibilidade. O aprendiz agora não mais precisaria passar vários anos nos bancos escolares para aprender e conseguir sua certificação, seu diploma (HADDAD e DI PIERRO, 1994).

A entrada precoce dos jovens adultos das camadas mais pobres no mundo do trabalho formal ou informal provocou a sua transferência para os programas de educação originalmente destinados à população adulta. A entrada precoce no mundo do trabalho e o aumento das exigências de instrução e domínio de habilidades no mundo do trabalho constituem os fatores principais a direcionar os jovens e adultos para os cursos de suplência, (DI PIERRO, 1992; FAVERO, 1999) que aí chegam com mais expectativas que os adultos mais velhos de prolongar a escolaridade pelo menos até o ensino médio para inserir-se ou ganhar mobilidade no mundo do trabalho.

As conhecidas deficiências do sistema escolar regular público brasileiro são, sem dúvida, responsáveis por parte da demanda do público mais jovem sobre os programas de ensino supletivo. Os dados sobre a defasagem entre a idade e a série, no ensino regular, pela sua magnitude, apontam nessa direção: em 1996, a Contagem da População (IBGE, 1997) constatava a existência de 5,3 milhões de pessoas de 15 a 19 anos frequentando a escola em situação de defasagem de ano ou mais. O índice de defasagem aumenta progressivamente com a idade, chegando próximo de 90% entre jovens de 18 anos.

Nesse contexto, a suplência passou a constituir-se em oportunidade educativa para um largo segmento da população, com três trajetórias escolares básicas: para os que iniciam a escolaridade já na condição de adultos trabalhadores; para adolescentes e adultos jovens que ingressaram na escola regular e a abandonaram, há algum tempo, frequentemente motivados pelo ingresso no trabalho ou em razão de movimentos migratórios; (MANFREDI, 1998; GUIDELLI, 1996; DI PIERRO, 2003) para adolescentes que ingressaram e cursaram recentemente a escola regular, mas acumularam aí grandes defasagens entre a idade e a série cursada.

Prevista na lei, ela se concretizou na possibilidade de organização do ensino nas seguintes modalidades:

 Cursos Supletivos – vigorarand a seriação, a presença obrigatória e como característica diferencial a aceleração, levando a metade de tempo para a conclusão em relação ao ensino regular;

 Centros de Estudo – oferecendo material didático em módulos, a avaliação periódica por disciplina ou módulo e frequência livre;

 Ensino à Distância – através de televisão, programas em vídeo e acompanhamento com monitor.

Como exemplo, na década de 80, tínhamos o programa Logus I, destinado à formação de jovens e adultos, chamada então de ensino supletivo, que atendia a aprendizes até o nono ano e o programa Logus II, atendendo a suplência de ensino médio para a formação dos professores, dando direito a estes da certificação para o Magistério do Ensino Fundamental. Hoje temos os programas governamentais EJA – Educação de Jovens e Adultos e CESEC – Centro de educação Supletiva e Educação Continuada (GALVÃO e SOARES, 2004; DI PIERRO 2001, 2004).