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Altitude, exposição

2.3.4 A construção do modelo gráfico e da carta síntese

Dentro de uma óptica sistêmica, tudo guarda relação com tudo. A questão, porém, é saber o que está mais próximo do que, e isso acontece quando se busca a gênese do fenômeno em foco (daí decorre, mais uma vez, a importância do conceito de escala). O deslocamento de ar produzido pelo avanço de uma massa de ar de encontro a outra, com características físicas diferentes, pode gerar um ciclone. O ruflar de asas de uma borboleta também produz um deslocamento de ar. Entretanto, o caminho a ser percorrido até que este se constitua num ciclone, que em última análise é um somatório quase infinito de pequenos deslocamentos de ar, é muito mais longo do que aquele da massa de ar. Tanto um quanto o outro são objetos que se definem em escalas diferentes.

Entretanto, mais do que definir o “tamanho” do objeto, a passagem de um nível escalar para outro revela características relativas à “hierarquia”, enquanto “níveis de organização” dos fenômenos (fenômenos mais ou menos complexos). E para compreender a “organização”, recorreu-se ao conceito de “sistemas”.

Não há como desvincular “escala” (espacial e temporal) e “sistema”. Não existem objetos isolados, existem sistemas (ou melhor, sistemas dentro de sistemas, numa perspectiva escalar infinita, o que não quer dizer que tudo diga respeito à geografia). O objeto é um sistema. Portanto, compreender o objeto de estudo implica situá-lo em termos de “escala”, “hierarquia” ou “níveis de organização” e, portanto, de “sistema”. Essa foi a tônica geral adotada na construção do modelo gráfico e da carta síntese (figuras 5.8 e 5.9). É na carta síntese que transparece de forma mais nítida a relação do objeto geográfico-climatológico com o conceito de “sistemas” abordado no capítulo referente à revisão bibliográfica.

O modelo gráfico (figura 5.8), construído nos moldes de um tablô de dados de dupla entrada, semelhante ao adotado por Berry (1964) para a sua matriz de correlação dos fatos geográficos, deu-se a partir do cruzamento do “lugar” ou “sítio” com as “características desse lugar” ou “situação” (JARDIM e FERREIRA, 2005). De acordo com Teixeira Neto (1986, p.36) citando Bertin (1980, p.160), [...] “todo mapa, ou diagrama, é a transcrição de um tablô de entrada dupla”. É desse “tablô” que resultou a carta síntese das unidades climáticas na bacia do rio Aricanduva (figura 5.9).

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Buscou-se, com isso, ilustrar a relação que assumem as características do(s) clima(s) em cada lugar, dentro da bacia, em diferentes tempos22 e escala espacial. O “lugar” responde pela bacia, em diferentes níveis escalares: a bacia hidrográfica (nível escalar 1 ou mesoclimas), as vertentes (nível escalar 2 ou topoclimas) e os setores de vertentes (nível escalar 3 ou microclimas). Em cada um desses “lugares” nos diferentes níveis escalares, procurou-se distinguir traços particulares passíveis de caracterizar o clima daquela unidade, produto da interação dos controles (relevo e uso da terra), com os elementos climáticos avaliados (temperatura do ar e a umidade relativa). As unidades climáticas (figura 5.9) resultaram do cruzamento dos controles em superfície com os elementos climáticos (eixo das linhas na figura 5.8) em cada lugar nos diferentes níveis escalares (eixo das colunas da figura 5.8) e de tempo (tempo cronológico e tempo meteorológico).

A figura 5.8 situa os diferentes níveis de resposta em termos de escala de grandeza espacial. Esse modelo representou uma tentativa de acoplamento entre as escalas espaciais (verticais e horizontais) e temporais do clima, no nível de uma bacia hidrográfica urbana. Seria como se uma folha de papel (representando as duas dimensões do plano), representativa de um objeto qualquer, fosse multiplicada em várias, uma atrás da outra, cada qual indicativa de um dado momento (terceira dimensão ou dimensão temporal). A distância do observador em relação a esse objeto traduz a noção de escala espacial (quarta dimensão). Essas relações foram traduzidas pela figuras 2.7 e 2.8.

Nesse sentido, as duas dimensões do plano respondem a questão sobre “Onde está situado?” e “Quais as características do fenômeno em foco?”. A dimensão temporal está relacionada à gênese desse fenômeno ou “Quando e sob quais circunstâncias isso ocorreu?” e “Quais as características do objeto sob tais circunstâncias?”. A escala (quarta dimensão) revela a situação hierárquica do objeto dentro do sistema, ou seja, “O que está mais próximo do que?” ou “O dado colhido num determinado lugar guarda relações com quais fatores ou controles?” (figura 2.8).

No tocante à representação cartográfica, segundo Teixeira Neto (1986, p.39)

[...] Diante de um tablô de dados duas formas de tratamento de dados são fundamentalmente vislumbradas: os tratamentos matemáticos e/ou estatísticos, como as análises fatoriais e os tratamentos multivariados (que supõem algoritmos próprios e

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equipamentos eletrônicos, como os computadores modernos) e os tratamentos gráficos. Os primeiros supõem tablôs de dados de grandes dimensões, momento em que a informática, aliando facilidade e rapidez nas operações, substitui boa parte das tarefas do homem. Os últimos fazem apelo à representação gráfica moderna, tendo como ponto de partida uma construção matricial tipo coleção de mapas, por exemplo.

Optou-se, aqui, pela segunda forma de tratamento dos dados apresentada pelo autor, ou seja, aquela contida na representação em termos de uma coleção de mapas. A intenção, com isso, foi garantir a legibilidade e a separabilidade visual daquilo que se representa e, principalmente, em atenção às características do objeto de estudo, evidenciar o caráter espacial e dinâmico do clima, resultado de evolução temporal (figura 5.9). Se a informação colhida ao redor de objetos com tais características fosse condensada num único mapa, a leitura dessa carta se tornaria difícil, ou até mesmo impraticável. O mapa deve ser construído com o intuito de ser “visto” e não “lido”. A visualização demanda apenas um instante em termos de percepção.

A confecção de várias cartas, cada uma das quais associada a um sistema atmosférico e/ou tipo de tempo (ou a uma série de sistemas atmosféricos e/ou tipos de tempos23), partiu de uma seqüência onde, num primeiro momento, não haveria um clima urbano (situações sob a influência dos tipos de tempo Frontais e Anticiclônico Polar) para uma situação na qual, logo em seguida, configurassem os climas urbanos em consonância com outros fenômenos micro e topoclimáticos (influência dos tipos de tempo Anticiclônico Polar Tropicalizado e Anticiclônico Tropical Dinâmico do Atlântico) até chegar numa outra situação onde não configurariam esses climas urbanos juntamente a esses outros fenômenos micro e topoclimáticos (situações sob a influência do Sistema Tropical Atlântico, após vários dias de atuação, e o Sistema Pré-Frontal).

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Quando não havia elementos suficientes para a identificação do tipo de tempo, a resposta térmica e higrométrica de uma dada localidade foi avaliada segundo as características do sistema atmosférico atuante na ocasião.

Elementos climáticos: dados de temperatura e umidade relativa do ar. Controles urbanos: carta de albedo e de condutividade térmica e uso da terra. Controles de superfície ligados ao relevo: carta de declividades, exposição de vertentes e morfográfica. Carta síntese; “unidades temporais de clima”, resultado do entrecruzamento das cartas analíticas com os elementos climáticos, tomados sob condições diversas de lugar, tempo e tipos de

tempo. 1) Sistemas atmosféricos (regional);

2) Tipos de tempo (local);

3) Clima urbano (mesoclimas, topoclimas e microclimas);

1) Cidade (mancha urbana);

2) Conjunto de edifícios com carac. relativamente homogêneas (grandes unidades de

uso da terra);

3) Bairro, quarteirões e quadras;

1) Carac. locais do relevo (bacia do Aricanduva); 2) Vertente (bacias secundárias que alimentam o aricanduva);

3) Segmentos ou setores de vertente (carac. dos topos, das encostas e dos fundos de vale em cada uma das bacias secundárias).

Figura 2.6 – Roteiro de análise e construção da carta síntese

Cada um dos níveis possuem objetos, que se definem em diferentes escalas, conectados entre si (horizontal e

t e m p o e s p a ç o e s p a ç o Tempo 1

Figura 2.7 - Estrutura tridimensional do objeto.

Tempo 3 Tempo 2

1. As duas dimensões espaciais do plano relativas à localização e à caracterização momentânea do clima (objeto “congelado” no tempo);

2. As dimensões espaciais e espaço-temporais do clima (comportamento do objeto com o decorrer do tempo:

dinâmica temporal, evolução, processo). Diferentemente do plano (atemporal), a “profundidade” do cubo traduz a idéia de sobreposição de tempos;

3. Desdobramento escalar das dimensões espaciais e

espaço-temporais do clima. Cada face do “cubo” desdobra-se em outro “cubo” dentro dos limites do espaço geográfico (cada

desdobramento, a partir de um cubo isolado, corresponde a um novo nível hierárquico ou escalar de organização do objeto).

Figura 2.8 - A dimensão multiescalar do fato geográfico-climatológico.

1 2

3

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Do primeiro para o último, a cidade inicia “fria”, quando praticamente não há contrastes térmicos e de umidade do ar entre as unidades climáticas, passa por uma fase de transição, no qual se instalam condições que favorecem as “especificidades” de cada lugar frente à entrada, condução (trânsito de energia pelo sistema), armazenamento e saída de energia do sistema (as unidades micro e topoclimáticas que aparecem são tantas quantas as especificidades de cada lugar) para uma situação, semelhante à primeira, quando a cidade está “aquecida” e onde é possível identificar apenas uma ou duas unidades. Nesse sentido, as cores frias, associadas à baixos valores de temperatura do ar e da superfície e, conseqüentemente, baixo estoque de calor armazenado, foram utilizadas para designar o início da seqüência (cores e tons de azul escuro), passando pelo azul claro, vermelho, amarelo e laranja (cores e tons denotativos dos topoclimas que se instalam com o decorrer do tempo, associados ao aquecimento e resfriamento desigual em cada ponto), até chegar ao vermelho, no fim da seqüência de evolução dos tipos de tempo.

A evolução e encadeamento dos tipos de tempo não seguem, necessariamente, essa ordem, embora traduza uma situação recorrente na bacia paulistana. E também não se trata de uma solução nova. A representação espacial de objetos dinâmicos ou que mudam o seu desempenho com o decorrer do tempo, e a atmosfera é um perfeito exemplo disso, já foi conduzida em outros trabalhos através do confronto de [...] “várias edições de um mesmo tipo de mapa, numa seqüência temporal” [...] (MARTINELLI, 1991, p. 145). A inovação, se é que se pode dizer isso, está na discussão que antecedeu à elaboração da carta síntese, da mesma forma que o raciocínio do autor transparece na elaboração da legenda e não da carta ou produto cartográfico final.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à delimitação das unidades climáticas. Nas situações onde foram retratados os topoclimas (situações 02 e 03 na figura 5.9), existem limites relativamente bem definidos entre as unidades, ao passo que nas cartas onde foram representados os mesoclimas (situações 01 e 04 na figura 5.9) há largas faixas de transição. Tal característica deve-se à estreita relação das unidades topoclimáticas com os controles naturais e urbanos de superfície (a influência na atmosfera exercida pela sombra de uma árvore, por uma praça, por um parque urbano ou um bairro cujas dimensões abarquem pouco mais do que uma dezena de quarteirões, estaria restrita ao entorno imediato desses objetos). Por outro lado, à medida que o objeto se revelasse nas escalas superiores (mesoclima, local, regional, zonal etc.), esses limites tornar-se-iam cada vez mais tênues, sendo substituídos por largas faixas de transição, condizente

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com o grau crescente de descomprometimento da atmosfera com essa superfície (ganharia importância, nesse sentido, o caráter de fluidez do ar frente à distribuição de calor e umidade).

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