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2. A PROPOSTA DE TRABALHO, HIPÓTESES E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.

2.2 Hipóteses

2.3.1 Roteiro geral

O referencial teórico no qual se apoiou a pesquisa repousa na relação controle-atributo ou fator-elemento10 em climatologia, dentro de uma perspectiva temporal (cronológica) e escalar (espacial) dada pelas definições de clima de Sorre (1934) e de ritmo de Monteiro (1971). Nenhum dos dois trabalhos trata especificamente de clima urbano, embora encerre uma discussão válida no âmbito de toda a climatologia.

Da definição de clima enquanto [...] “la série des états de l’atmosphère au-dessus d’un lieu dans leur succession habituelle11” (SORRE, 1934, p.3), o termo “sucessão” remete à idéia de encadeamento e o “habitual” às características de duração, freqüência e intensidade do fenômeno climático (subentendidos aí as médias e os desvios em relação às médias), particular de cada lugar (enquanto fenômeno geográfico, não há como definir clima sem mencionar o “lugar”, já que a sua gênese guarda uma estreita vinculação com as características da superfície terrestre). E assim como o clima, cada ponto da superfície terrestre (ou “lugar”) é passível de ser avaliado em termos de dimensões espaciais (escala, magnitude ou ordem de grandeza do fenômeno), características (forma, estrutura e propriedades físicas e químicas do material) e dinâmica (funcionalidade).

Isso posto, não caberia perguntar se o que diferencia os muitos climas que se definem sobre a Terra, é o comportamento de um ou outro elemento atmosférico. A ocorrência de chuva é um traço presente na caracterização climática em muitos lugares sobre a superfície terrestre. No entanto, a magnitude do impacto, a duração, freqüência e intensidade desse fenômeno, dentro de um quadro de sucessão de estados atmosféricos (ou tipos de tempo) no qual o fenômeno foi produzido, são diferenciadas de lugar para lugar. Em outras palavras, é o “ritmo” que diferencia o clima de um lugar para outro, o que levou Monteiro (1971, p.4) a definir “ritmo” como a [...] “expressão da sucessão dos estados atmosféricos” [...]. Na verdade, essa definição coincide com a

10 Os elementos, segundo Armani (2004, p.76), responderiam pelas [...] “propriedades que descrevem o

estado físico de uma parcela de ar” [...] e os fatores ou controles seriam [...] “as características físicas, biológicas, humanas do espaço que transformam as propriedades” [...] dessa parcela de ar. Nesse sentido, além de ser fundamental [...] “conhecer a natureza do espaço contido em cada realidade climática” [...] (Idem. p.77), deve-se considerar que isso muda com o tempo e a grandeza espacial em foco.

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definição de clima à escala local. Mas se a compreensão de clima é inseparável da noção de escala, a definição de ritmo deve ser estendida à compreensão de clima em qualquer escala.

A “análise rítmica” ou a análise dos elementos atmosféricos sobre um determinado lugar sob a perspectiva do ritmo, constitui-se numa tentativa de integração das escalas espaciais e temporais, uma vez que o clima se reveste de interações geográficas percebidas pelos “desvios” no comportamento dos elementos observados: [...] “necessidade de considerar a realidade dos extremos em confronto com as abstrações médias” [...] (Idem, p.2). Daí que um dado tomado isoladamente pode tanto refletir um valor médio quanto um desvio em relação a essa média, o que justifica a necessidade de decomposição cronológica e representação contínua e concomitante dos elementos climáticos para a real compreensão do clima12.

Dizer que a cidade é capaz de produzir modificações no comportamento dos elementos atmosféricos, significa dizer, também, que ela é capaz de modificar o ritmo de comportamento desses mesmos elementos: [...] “Le facteur temps (durée) est essentiel dans la définition des climats” [...] (SORRE, 1934, p.9). E ritmo pressupõe, antes de tudo, movimento, fluxo, dinâmica, que é a essência de um sistema. Portanto, não se trata de um elemento, mas de uma propriedade que governa a ação de todos os demais elementos, ou seja, uma qualidade nova ou propriedade emergente de um sistema (o climático, inclusive), uma vez que se reveste de características particulares de sistema para sistema (daí a necessidade de considerá-lo enquanto “transput” e não apenas “input”).

Isso, evidentemente, não significa dizer que o ritmo de comportamento dos elementos climáticos nas áreas urbanas é idêntico ao ritmo de comportamento dos elementos climáticos associados à sucessão dos tipos de tempo à escala local. Caso assim fosse, bastaria a compreensão das características do clima local para entender todo o resto. Cada “canto” da cidade (ou cada lugar sobre a superfície terrestre, independente da escala) se reveste de características próprias e, portanto, de um clima particular (microclimas, topoclimas, mesoclimas etc.). A ênfase dada ao

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A representação gráfica dos elementos climáticos, dentro da proposta da análise rítmica, reflete essa postura, na medida em que exige a representação simultânea de todos os elementos climáticos considerados, ao longo do tempo, desde aqueles tomados em superfície, quanto o sistema atmosférico atuante na ocasião das observações. Na leitura de uma longa série de dados do gráfico de análise rítmica, percebem-se mudanças climáticas de curta duração embutidas em mudanças de duração maior e assim por diante. Os valores de temperatura do ar e umidade relativa da seqüência temporal de dados utilizada nesta pesquisa, que se distanciavam em vários graus Celsius ou em valores percentuais em relação à média e/ou em relação aos dados tomados num posto tido como padrão, e de ocorrência

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conceito de “escala” (aliado ao ritmo climático), enquanto sinônimo de hierarquia, conduz implicitamente à idéia de níveis de organização e, conseqüentemente, de sistema climático (escala

→ hierarquia → níveis de organização → sistema).

As seqüências temporais de dados incluídas nesta pesquisa refletem essa postura. A “curva” horária de comportamento da temperatura do ar e da umidade relativa foi tomada como representativa da gênese de um dado evento, vinculado às características dos tipos de tempo e/ou aos controles de superfície13. Este último traduzido pelas cartas de declividade, orientação de vertentes, uso da terra, albedo e capacidade térmica dos materiais em superfície (figuras 4.10 a 4.13, descritas, adiante, ainda neste capítulo). Nesse contexto, segundo Monteiro (1978, p.61) [...] “O espaço revela as partes e a estrutura do sistema, enquanto as seqüências temporais dos elementos ativos pretende revelar o processo” [...]. O “espaço”, neste caso, foi identificado com os controles de superfície (naturais e urbanos) e, integrado aos “tipos de tempo” compõe a “estrutura”. Os “processos” são denunciados pelo comportamento dos elementos climáticos em cada lugar ao longo do tempo (cronológico) e resulta numa série de fenômenos climáticos (inversões térmicas, “ilhas de calor”, isotermia etc.). A síntese emerge da relação entre “estrutura” e “processo”.

Embora o “tipo de tempo” constitua-se num elemento importante diante da análise auferida, o foco da pesquisa, reforçando o que foi dito ainda a pouco, repousa sobre a “resposta” térmica e higrométrica da superfície natural e/ou urbana em relação a determinado tipo de tempo ou encadeamento de tipos de tempo. Nesse sentido, tipos de tempo diferenciados quanto à gênese, podem gerar “respostas” semelhantes14 quanto ao comportamento da temperatura e umidade relativa do ar a partir da superfície, o que levou a uma simplificação das categorias de tipos de

normalmente episódica, foram identificados como “desvios”, embora não tenha sido utilizado o referido gráfico.

13 Essa foi a tônica adotada diante da análise das seqüências horárias dos elementos climáticos medidos

em campo. Cada valor foi analisado em comparação aos demais, tendo em conta as características físicas do espaço do qual era representativo e o tipo de tempo na ocasião.

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Tipos de tempo caracterizados por céu claro, sem nuvens, elevado número de horas de brilho solar, marcados por situações de calmaria ou com ventos de baixa intensidade, podem ser agrupados genericamente sob o rótulo de “tipos de tempo anticiclonais”, embora a origem dessas condições de estabilidade atmosférica possa ser diversa, associada, por exemplo, ao “Anticiclone Polar Atlântico” ou ao “Anticiclone Tropical Atlântico”. Embora a resposta térmica e higrométrica do ar seja semelhante sob tais condições (indicada pela curva gráfica de comportamento desses elementos), isso não significa que a sua intensidade e a freqüência sejam iguais. Disso decorre a necessidade de associar, quando se estabelece uma nomenclatura para um tipo de tempo, as suas características ao sistema atmosférico do qual partiu a sua gênese. Ex.: “Tipo de Tempo Anticiclônico Polar Continental” ou “Tipo de Tempo Anticiclônico Polar em Processo de Tropicalização”, como fizeram Tarifa (1973) e Moraes et al. (1977).

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tempo utilizadas por Tarifa (1973) e Moraes et al. (1977), discutidas na “revisão bibliográfica”, a apenas duas: (1) situações marcadas por relativa heterogeneidade térmica e higrométrica do ar, nas quais os micro, topo e mesoclimas encontram condições de se estruturarem e (2) situações nas quais as diferenças de temperatura e umidade do ar anulam-se15 e o comportamento desses elementos torna-se (quase) homogêneo em toda área de estudo. A construção da seqüência gráfica (figuras 5.3 e 5.4) teve a finalidade de selecionar os tipos mais representativos quanto à “resposta” térmica e higrométrica do ar sob essas diversas condições de tempo.

O levantamento de dados em campo e a elaboração das bases cartográficas refletiram uma postura indutiva do ponto de vista metodológico, apoiada na observação dos elementos climáticos. Em seguida, o cruzamento desses dados, revestido do embasamento teórico, apoiado em leituras referentes ao tema, conduziu a uma atitude dedutiva, a partir da qual se procurou demonstrar, através dos resultados, aquilo que foi considerado como objetivo e hipótese de trabalho. Para, finalmente, chegar à síntese.

Nesse sentido, a análise auferida, a partir das diferenças (ou não) dos valores resultantes da mensuração dos elementos climáticos (analisados de forma comparativa e traduzidos em tabelas e gráficos), deu-se a partir de um esquema lógico que envolveu a (1) identificação do problema, (2) a sua descrição, (3) a interpretação dos dados (explicação, causalidade) e, finalmente, (4) a compreensão do fato (síntese dos resultados).

A mensuração dos elementos climáticos e a sua correlação com as características do local onde foram avaliados, a partir dessa perspectiva comparativa e sincrônica, objetivaram a identificação das áreas “fontes” e/ou “escoadouros” de calor e umidade na área de estudo e a sua relação com o “input” solar e as fontes antropogênicas. Deve-se lembrar, neste caso, a necessidade de controle da variável relativa ao vento (direção e intensidade), principalmente aqueles ligados à ação dos sistemas frontais, associados à forte instabilidade atmosférica, e do

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Na verdade, isso não ocorre. Situações marcadas por uma completa homogeneidade dos valores de temperatura e umidade do ar são tão raras quanto aquelas nas quais as diferenças vêm à tona com intensidades de vários graus Celcius ou em valores percentuais. Retomando uma discussão iniciada em trabalho anterior sobre o significado dessas “diferenças” nas variações dos elementos climáticos

(JARDIM, 2002), considerou-se como situações marcadas por relativa homogeneidade aquelas cujos valores de temperatura e umidade do ar, quando os postos eram comparados entre si, não

ultrapassassem, respectivamente, 2,0oC e 10%. Da mesma forma, consideraram-se como situações

marcadas por relativa heterogeneidade térmica e higrométrica, quando era possível identificar as unidades micro e topoclimáticas, aquelas nas quais os valores de temperatura e umidade relativa do ar ultrapassassem o patamar definido anteriormente.

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sistema de brisa oceânica. A ação desses ventos ocorre no sentido de remover e re-distribuir para outras áreas, por advecção de ar, o calor irradiado pela superfície.

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2.3.2 As fontes bibliográficas de informação e os procedimentos de coleta dos dados em